A tatuagem, o piercing e o Netflix, e a nova tributação do ISSQN

15/02/2017

Por Charles M. Machado – 15/02/2017

No último dia útil de 2016, o presidente Michel Temer sancionou a Lei Complementar 157/16, que já ficou conhecida como reforma do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), que promove diversas alterações nas regras do ISS (Lei Complementar 116/2003), as quais devem ser aplicadas em todos os Municípios do País. A lei foi publicada com sete vetos. Destaque para alguns deles como a previsão de que a cobrança do tributo seja feita no domicílio dos clientes de cartões de créditos e débito, leasing e de planos de saúde, o que seria de mecânica complicada e que pode representar perda do ISS para muitas cidades. Porém transferia-se dessa forma a responsabilidade fiscal para as administradoras de cartão. Sem dúvida uma ótima forma de inibir a sonegação, porém foi vetada.

Nas razões para o veto, o presidente argumentou que os dispositivos poderiam trazer perda de arrecadação e levar à ampliação dos preços dos serviços prestados.

Evidentemente os ajustes normativos tiveram como objetivo maior a ampliação dos serviços alcançados pela Lista de Serviços sujeitos ao ISS, como no caso dos serviços de processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres, como Netflix e Spotify.

Também foi vetada a possibilidade de o Município delegar a cobrança do tributo à pessoa jurídica tomadora ou intermediárias de serviços. A justificativa foi que isso imputaria elevados custos operacionais às empresas. Temer manteve pontos importantes da reforma, como o estabelecimento de alíquota mínima de 2% de ISS e a proibição para que o tributo seja objeto de isenções e benefícios fiscais, dessa forma limitando a guerra fiscal entre as cidades ao piso de 2%.

A mudança foi uma tentativa do Congresso Nacional de acabar com a guerra fiscal entre os municípios, que reduziam a alíquota de ISS para atrair empresas, a lei inclusive tornou ato de improbidade administrativa a concessão de benefícios fiscais com ISS. A proibição se estende a todo tipo de benefício, tais como, isenção, redução de base de cálculo, crédito presumido e outros.

A exceção para fixação da alíquota mínima do ISS são as previstas para a construção civil e o serviço de transporte municipal (subitens 7.02, 7.05 e 16.01 da Lista de Serviços).

Outros serviços incluídos e que logo passam a ser tributados pelo ISS, e que merecem destaque é a disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet; a vigilância, segurança ou monitoramento de semoventes; a aplicação de tatuagens e piercings. Faço aqui um instante de reflexão, afinal as tatuagens são seculares bem como os piercings, porém nunca tiveram uma dimensão tão grande, eu sempre penso que com tantas tatuagens em alguns anos quando eu estiver caminhando na praia, alguém vai apontar pra mim e dizer “Olha lá que cara esquisito, ele não tem nenhuma tatuagem!”  O fato é que a tatuagem ganhou dimensão econômica, e logo surgiram milhares de estabelecimento comerciais onde se faze tatuagens e pela sua movimentação financeira, logo se identificou que o tatuador, realiza o ato contratual resultando em uma obrigação de fazer, portanto sujeito ao ISS, como a lista de serviços não é exemplificativa, mas sim taxativa, para que as unidades da Federação (Municípios) pudessem exercer sua Competência constitucional Impositiva era necessário uma Lei complementar.

Além da tatuagem e do piercing, foi ainda ampliado o campo de incidência para os seguintes serviços: inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer meio; e o translado intramunicipal de corpos cadavéricos.

Serviços de ‘streaming’, processamento de dados e programação e computadores; e conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto em páginas eletrônicas, exceto no caso de jornais, livros e periódicos, afinal esses três últimos continuam no campo das Imunidades Constitucionais. No setor de reflorestamento, várias ações são incluídas para especificar o conceito de atividades congêneres, como reparação do solo, plantio, silagem, colheita, corte e descascamento de árvores e silvicultura.

Para o setor gráfico, serão considerados serviços passíveis de tributação a confecção de impressos gráficos ao lado de outros já contemplados, como fotocomposição, clicheria, zincografia e litografia. Poderão ainda ser tributados pelo ISS o serviço de guincho, o guindaste e o içamento.

Algumas ressalvas devem ser feitas, afinal a Magna Carta no capítulo que trata do Sistema nacional Tributário assim o fez:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I - impostos;

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

É evidente que é papel do legislador estar atento aos movimentos e a dinâmica da economia, sendo na produção de novas riquezas que devem por medida de isonomia serem também tributadas, seja por compreensão da economia disruptiva que cria novos valores e que como tal precisam do acompanhamento do Estado.

A Constituição além de dividir Competências, que no caso do ISS, pertence aos Municípios, estabelece requisitos para o exercício dessa prerrogativa, identificando a necessidade da edição de uma lei Complementar, e indo além, descrevendo o papel da mesma, conforme o texto:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; (grifo nosso)

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

I - será opcional para o contribuinte; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

A Constituição Federal, no que tange a Lei Complementar 157/16 deu a mesma o papel de identificar o Contribuinte (Sujeição Passiva) como também a possibilidade de identificar a capacidade econômica desse contribuinte.

É cada vez mais claro que as alíquotas do ISS, não serão em valores fixos, mas sim em percentuais incidentes sobre a receita, afinal valores fixos criam injustiças, vejamos o caso de profissionais como advogados e médicos, onde um valor fixo acaba criando inúmeras injustiças.

Ao mesmo tempo o resultado financeiro das cidades é maior quando aplica percentuais, o que com a nota eletrônica e os meios digitais disponíveis é cada vez mais fácil de aferir, por outro lado, conforme previsão acima, as cidades gozam hoje de uma quantidade de informações compartilhadas maior, o que permite o cruzamento de dados e uma aferimento da movimentação financeira dos contribuintes, permitindo inclusive efetuar a tributação, identificando a capacidade econômica dos mesmos através dos convênios de compartilhamento de dados, previstos na Magna Carta.

É da Competência dos Municípios, conforme previsão constitucional:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

Todos os novos itens incluídos na Lista de Serviços, são efetivamente “obrigação de fazer”, logo podem estar sujeitas ao ISS, ao mesmo tempo estabelece a norma limites a Guerra Fiscal das cidades, quando mantém a alíquota mínima desses serviços.

Evidentemente que será um verdadeiro desafio a tributação de alguns serviços prestados eletronicamente de forma remota, como o caso de streaming de musicas e outros como o netflix, visto que muitas dessas empresas se encontram estabelecidas fora do Brasil, e seu pagamento quase sempre é feito por cartões de credito, um enorme desafio para as pequenas cidades, porém os convênios podem acelerar essa cobrança através da troca de informações.

Esse é o caso das administradoras de cartão de crédito e a fiscalização estadual do ICMS, que já dispõe desses dados.

Existe uma nova economia, que tem uma velocidade infinitamente maior que a movimentação do legislador em acompanhar, ainda que a lei seja uma previsão hipotética de incidência, a tecnologia acaba por evoluir em uma velocidade maior do que nossa imaginação, com novas e melhores formas de produzir serviços para demandas inimagináveis, e essa atualização deve e precisa ser constante, para o equilíbrio fiscal das contas municipais.

Novas economias, precisam contribuir, sob pena de não o fazendo desequilibrar-se a relação econômica cos as velhas atividades, imagine como não estender ao UBER a tributação de serviços assemelhados? Ao fazer-se isso estaríamos criando ilhas que serem verdadeiros paraísos fiscais, é também evidente que essa tributação precisa ser isonômica, e não desestimuladora da nova economia.

São novos tempos que exigem uma nova dinâmica e um estado que saiba acompanhar esses movimentos através da produção regulatória que iguale sem desestimular a iniciativa.


Charles M. MachadoCharles M. Machado é Professor nos Cursos de Extensão da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, em Direito das Marcas e Direito do Intangível, é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha, Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também já foi  palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@charlesmachado.adv.com.br


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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