A Sonegação Tributária como um empecilho a Livre Concorrência - Por Rafael Faria e João Pedro Coutinho Barreto

27/10/2017

Preliminarmente mister se faz tecer observações em relação à origem histórica dos combustíveis no Brasil:

Em 1525, 25 anos após a descoberta do Brasil, Martim Afonso de Souza introduziu a cana- de- açúcar no país. Com efeito, deu-se início a um dos mais exitosos negócios da história brasileira com produtos advindos do setor sucroalcooleiro.

A cana-de açúcar começava a ser utilizada como ração para animais e, progressivamente para a produção de alimentos, com destaque para o açúcar. Sete anos depois, foi criado o primeiro engenho em São Vicente, São Paulo e, em 1535, o primeiro engenho nordestino, na cidade de Olinda, no Estado de Pernambuco.

Já no Século XVII, a cana-de açúcar se expande nas regiões com solos propícios, principalmente massapê, passando a integrar a principal atividade econômica do país.

Uma fase mais aguda ainda de crise se avizinha, com forte derrocada do mercado açucareiro, que teria como golpe de misericórdia a quebra da bolsa de Nova York de 1929 e a derrocada de toda agricultura brasileira, no início dos anos 30.

Como reação a essa crise internacional, em um cenário no qual o mercado de açúcar passava por uma depressão profunda, novas aplicações para a cana-de-açúcar deveriam ser encontradas. O desenvolvimento de combustível a partir da cana-de-açúcar, visto como um dos mais fantásticos feitos tecnológicos da humanidade na área de energia renovável, começou a ser incentivado. Em 1900, de acordo com Maia & Feitosa (2009)[1], foi apresentado um motor de Rudolf Diesel na Exposição Universal de Paris, funcionando a óleo de amendoim, considerado uma das primeiras versões de um biocombustível.

Goettemoeller & Goettemoller (2007)[2] informam que o engenheiro alemão Nikolas Otto, em 1860, usou álcool como combustível para um de seus motores de combustão do ciclo “Otto”. Os autores destacam que apesar da forte taxação, na América do Norte, Henry Ford projetou seu primeiro carro, um quadriciclo, movido exclusivamente a etanol em 1896. Em 1903, ocorre a primeira “Exposição Internacional de Produtos e Equipamentos a Álcool” e o “Congresso das Aplicações Industriais do Álcool” no Estado do Rio de Janeiro. O grande sucesso do lampião a álcool brasileiro foi ressaltado por Natale Netto (2007)[3], que destaca que os equipamentos brasileiros, por serem menos poluentes, apresentavam vantagens sobre os lampiões clássicos, que consumiam óleo de baleia ou querosene. Era um prenúncio das vantagens ecológicas do uso do álcool como fonte de energia.

Em 1933, no Governo do Presidente Getúlio Vargas, foi criado o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), que deteve controle do mercado de açúcar, com uso de cotas de produção e aplicação de extenso controle em todas as etapas do processo produtivo, de comercialização e de comércio exterior.

Uma série de políticas foi desenvolvida para suporte ao etanol. No entanto, a partir de 1945, o Governo optou por apoiar a nascente indústria automobilística e petrolífera nacional. Em 1953, a Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras) é fundada e novos contornos de desenvolvimento econômico, espacial e social se estabelecem no Brasil. A produção de etanol foi relegada a segundo plano.

Worldwatch Institute (2007)[4] destaca que no início do século XX os biocombustíveis chegaram a ocupar 5% da oferta de combustível na Europa, com suporte principalmente na Alemanha e França e que, entre a primeira e segunda guerra, o etanol suplementou o petróleo na Europa, EUA e Brasil. Entretanto, com a desmobilização militar e a descoberta de novos campos de petróleo, a fartura de petróleo barato eliminou os biocombustíveis do mercado de combustíveis.

Nos anos 60, no Governo do Presidente Juscelino Kubistchek, ocorre uma consolidação do setor canavieiro no Centro-Sul do País, em grande parte por esforço do setor privado.

Em 1973, com a primeira crise do petróleo, que elevou o preço do barril significativamente, uma nova realidade foi imposta ao País. O valor médio do barril de petróleo, em 1973, foi US$ 3,88, ao passo que, em 1974, foi US$ 12,55, um inacreditável aumento de 223,5%. Emergiram falhas de planejamento estratégico: o País era dependente de importação de petróleo e não tinha plano alternativo para possível escassez.  

Apresentavam-se claras dificuldades para produzir petróleo internamente (os campos de petróleo não estavam confirmados, a tecnologia não era apropriada, o preço de extração ainda era maior do que o preço de importação). Assim, além de medidas macroeconômicas clássicas, novas fontes de energia deveriam ser encontradas para suavizar os estragos da elevação de custo na economia nacional.

É pertinente trazer à baila que em meados de novembro de 2016 surge no Estado do Paraná um movimento denominado Caminhada pelo Combustível Legal, em iniciativa que partiu do Ministério Público do referido Estado, em que busca resumidamente:

O Ministério Público do Paraná, por meio do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor e da Ordem Econômica, apresentou projeto institucional ligado à fiscalização de combustíveis na 13ª Feira e Fórum Internacional de Postos de Serviços, Equipamentos, Lojas de Conveniência e Food Service, a Expopostos & Conveniência – um dos maiores eventos do setor de distribuidores e revendedores de combustível e derivados do Brasil. O projeto setorial Grupo Estadual de Combate às Irregularidades do Mercado e Abastecimento de Combustíveis (Gecimac), que integra diversas entidades, é gerenciado pelo Caop e desenvolve estratégias para a proteção dos consumidores e ações de fiscalização. Segundo dados da Expopostos, o Paraná é o segundo estado do país em distribuidoras de combustível.

O Gecimac tem como foco a qualidade dos combustíveis, o preço e a regularidade fiscal dos postos, entre outras situações. No evento em São Paulo, promovido entre 15 e 17 de agosto, o coordenador do Centro de Apoio, procurador de Justiça Ciro Expedito Scheraiber, explicou como é desenvolvido o trabalho do grupo, que faz fiscalizações em todo o estado, a partir da demanda de promotores de Justiça. Entre 2013 e 2016, foram fiscalizados 216 postos no interior e 73 na capital. Além do Ministério Público do Paraná, o grupo reúne representantes das Secretarias Estaduais da Fazenda, Segurança Pública e Meio Ambiente, Instituto de Pesos e Medidas do Estado do Paraná (Ipem/Inmetro) e Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-PR).

A questão dos combustíveis é uma das vertentes de defesa do consumidor que mais demandam atuação do Ministério Público, tanto pelo número de consumidores envolvidos, quanto pela importância desse segmento econômico”, diz o procurador. Durante a apresentação na Expopostos, no painel “Movimento Combustível Legal”, ele enfatizou a importância de iniciativas como o Gecimac para a regulação do mercado, tanto na identificação da abusividade de preços, quanto em relação ao combate das fraudes na oferta de combustíveis. Ciro também reforçou o problema da sonegação. “Se, de um lado, esse mercado fatura cerca de R$ 300 bilhões e gera perto de 48 mil empregos diretos e indiretos, só no Paraná estima-se que mais de R$ 300 milhões de impostos ao ano deixem de ser recolhidos”, afirma Ciro[5].

Corroborando tal entendimento encontra-se informação noticiada na página do SINDICOM (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes) ao informar que o setor de combustíveis sofre bastante com a sonegação de tributos, ocasionada por uma minoria de empresários mal-intencionados. Todo mundo perde: o mercado, a sociedade e principalmente você![6]

Em verdade, os sonegadores agem da seguinte forma: Eles não pagam os seus tributos e usam a sonegação de impostos como estratégia de negócio, prejudicando a concorrência honesta, devedores contumazes (grifos).

Assim sendo, é pertinente observar que o devedor contumaz que sonega tributos acaba por lesionar a livre concorrência, que é uma das principais garantias da Ordem Econômica.

Em relação a Livre Concorrência é interessante asseverar que se trata de uma garantia constitucional, prevista no Artigo 170, IV, da Norma Suprema. In verbis:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

IV - Livre concorrência[7] (GRIFOS).

Não bastasse a previsão constitucional, a Lei nº 12.529/2011[8], que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa de Concorrência, dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a Ordem Econômica; altera a Lei nº 8.137/1990 (Crimes Contra a Ordem Tributária).

Já o Artigo 36 da referida lei trata dos delitos praticados contra a Ordem Econômica. In verbis:

Art. 36.  Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: 

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; 

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; 

III - aumentar arbitrariamente os lucros; e 

IV - exercer de forma abusiva posição dominante[9] (GRIFOS).

Como é notório muitas Refinarias de Petróleo e de Gás Natural se encontram fraudando o Fisco, o que acaba por violar o disposto no Artigo 36, da Lei nº 12.529/2011, por violarem frontalmente a Livre Concorrência, enquanto garantia constitucional da Ordem Econômica, que se espera ser solidária e equilibrada.

Acrescenta-se a isso que também é conhecido de todos que muitas dessas empresas ao fraudarem o fisco com a sonegação de Impostos, em especial, o ICMS, praticam outras condutas criminais, como a Lavagem ou Branqueamento de Capitais (Lei nº 9.613/98), Organização Criminosa (Lei nº 12.850/2013), Evasão de Divisas (Lei nº 7.492/86), Crimes contra a Ordem Tributária e Ordem Econômica (Lei nº 8.137/90) e, adulteração de combustíveis, como previsto pela Lei nº 8.176/91, que define crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis, em que no seu Artigo 1º constitui crime contra a ordem econômica adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico hidratado, carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei (Inciso I); e usar gás liquefeito de petróleo em motores de qualquer espécie, saunas, caldeiras e aquecimento de piscinas, ou para fins automotivos, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei (inciso II). O artigo 4º trata do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis[10].

Pode-se concluir asseverando que a reiterada prática de Refinarias de sonegação fiscal evidentemente prejudica a liberdade de concorrência.


[1] Maia, A. A., Feitosa, V. N. (2009) Histórico dos biocombustíveis no Brasil. Revista de direito ambiental, 53, 7-23.

[2] Goettemoeller, J., Goettemoller, A. (2007) Sustainable ethanol. Prairie Oak Publising, Maryville, Misouri.

[3] Natale Netto, J. A saga do álcool: fatos e verdades sobre os 100 anos de história do álcool combustível em nosso país. Novo Século, Osasco, São Paulo.

[4] Worldwatch Institute. Biofuels for transport: global potential and implications for energy and agriculture. Earthscan, London, UK and USA.

[5] http://www.mppr.mp.br/modules/noticias/article.php?storyid=7780

[6] http://movimentocombustivellegal.com.br/

[7] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

[8] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm

[9] Ibidem.

[10] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8176.htm

Imagem Ilustrativa do Post: Gas // Foto de: Jeena Paradies // Sem alterações

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