A sociedade pós - industrial e o necessário resgate ao pertencimento do trabalhador no ambiente laboral

29/02/2016

Por Guilherme Wunsch - 29/02/2016

É cada vez mais comum a categorização da existência de uma sociedade pós-industrial, dentro da perspectiva cunhada por Baumann, que remodela os efeitos acerca da tutela à dignidade do sujeito-trabalhador, a partir da realização de seus direitos, estabelecendo-se uma ponte para uma agenda constitucional como garantidora mínima da proteção ao labor humano. Neste novo cenário, em que o ritmo das relações humanas perdem a solidez e se caracterizam, cada vez mais, por uma liquidez, o trabalhador também modifica a sua percepção quanto ao trabalho, eis que não se trata mais apenas de uma relação em que o trabalhador disponibiliza a sua mão-de-obra mediante uma contrapartida remuneratória, mas sim a ressignificação da sua própria inserção dentro do mercado de trabalho e de um ambiente laboral em específico.

Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado relacionam o conceito de pertencimento do trabalhador à sua identificação individual, a partir da afirmação humana que ocorre na idade adulta e que impacta nos seus círculos de referência, como, por exemplo, o trabalho, a partir daquilo que chamam de identificação profissional. Para os autores, a identidade social assume papel de relevo na trajetória de qualquer pessoa, pois "depois de vencidas as etapas da infância, da adolescência, e, às vezes, parte da juventude, passa a se afirmar, integrar-se e se destacar, considerados os seus diversos círculos de referência humana e social, em função de sua identificação profissional".[1]

Desde Américo Plá Rodriguez que se compreende que a principal função do Direito do Trabalho é justamente a proteção ao trabalhador. Assim, a proteção ao sentimento de pertença do trabalhador ao seu ambiente de trabalho evoca a necessidade de se compreender o clássico princípio protetivo sob o manto constitucional, mormente quando se passa a enxergar que o trabalhador, o empregado, assumem uma posição de sujeitos da relação de trabalho e de emprego e não mais se constituem como objetos de tais relações. A identidade do trabalhador se constitui, então, em um verdadeiro direito da personalidade deste, de tal modo que o Direito do Trabalho passa a ser provocado por esta realidade, refletindo o anseio dos trabalhadores no alcance da justiça social.

Trata-se de pensar na emergência de uma ética do trabalho como propõe Sérgio Buarque de Holanda, para quem o trabalhador é aquele que enxerga primeiro a dificuldade de vencer, não o triunfo a alcançar. "O esforço lento, pouco compensador e persistente, que, no entanto, mede todas as possibilidades de esperdício e sabe tirar o máximo proveito do insignificante, tem sentido bem nítido para ele".[2] Assim, propõe o autor que existe uma ética do trabalhador, em que o indivíduo trabalhador só atribui valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar, e, inversamente, terá por imorais as qualidades próprias do aventureiro, como a imprevidência, a irresponsabilidade, a instabilidade, entre outros.

Cuida-se, portanto, de proteger o sujeito-trabalhador como sujeito que se insere no seu trabalho e nele consiga enxergar a dimensão de sua dignidade. A sociedade pós-industrial colocou o indivíduo como máquina de produção, aniquilando suas potencialidades em prol de sujeitos que sejam maleáveis aos mais diversos tipos de trabalho, ou seja, justamente o contrário do perfil ético desenhado por Sérgio Buarque de Holanda, já que o espaço de não proteção ao trabalhador é o espaço da instabilidade. Neste sentido, abre-se caminho para discriminações e segregações dentro do ambiente laboral, ocasionando a diminuição e até mesmo a perda da identidade do trabalhador dentro do seu local de trabalho, que deixa de se enxergar como sujeito e volta a se enxergar como mera peça de uma engrenagem, facilmente substituível.

Destarte, o alcance da justiça social pelo trabalho passa pelo resgate ao pertencimento do trabalhador no seu ambiente de trabalho como um verdadeiro sujeito desta relação, cuja identidade profissional deve ser o reflexo de sua identidade pessoal, na (re)construção de vínculos sólidos, de proteção ao trabalhador, aos seus direitos de personalidade, conciliando-se os valores existenciais com os valores de mercado, de modo que estes últimos não se sobreponham à finalidade principal de um ordenamento jurídico constitucionalizado, qual seja, a proteção à pessoa e sua dignidade.


Notas e Refeências:

[1] DELGADO, Maurício Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. Tratado jurisprudencial de direito constitucional do trabalho. v.II. São Paulo: RT, 2013. p.119.

[2] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.44.

DELGADO, Maurício Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. Tratado jurisprudencial de direito constitucional do trabalho. v.II. São Paulo: RT, 2013. 

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.


Guilherme WunschGuilherme Wunsch é formado pelo Centro Universitário Metodista IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) foi assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, é advogado do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São Leopoldo/RS; professor da UNISINOS e professor convidado dos cursos de especialização da UNISINOS, FADERGS, FACOS, FACENSA, IDC e VERBO JURÍDICO.


Imagem Ilustrativa do Post: Work! / Warsaw Pride 2009 // Foto de: Billy Wilson // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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