A sociedade, o Estado repressivo e a Síndrome de Estocolmo: um ano pós - diagnóstico

21/04/2016

Por Paulo Silas Taporosky Filho e Ludmila Ângela Müller - 21/04/2016

Há pouco mais de um ano lançamos algumas considerações sucintas após uma constatação feita sobre a sociedade e a condição de reclusa em que se encontra (aqui). Estando por vezes mais cativa, enquanto em outros tempos quiçá menos, o fato é que tal condição se evidencia a partir de determinada análise que se realize. Somos cativos em nosso agir, em nosso se manifestar e até mesmo em nosso pensar. A liberdade é um engodo que se vende com o intuito de acalentar a alma. E tal produto é necessário para todos nós, tanto que compramos a ideia com satisfação enquanto desfrutamos desta falseta, já que a sensação é prazerosa. Mesmo quando constatada a farsa, é preferível viver sob a impressão de que se é livre.

O ser humano necessita de algo que o guie, algo que o direcione naquilo em que se acredita ser certo ou errado. Ao ver-se vinculado a uma instituição maior, consciente ou inconscientemente, pedirá por diretrizes, limites e conselhos, mesmo que isso signifique a perda de seu suposto livre-arbítrio.

O paradoxo se dá quando mesmo sob a ótica pretenciosa da liberdade, há também presente o intento prisional. Como dissemos anteriormente, “a sociedade clama por opressão, sem que se dê conta das terríveis consequências de tal pedido”. O pedido da urbe é feito sempre contra o outro, sem perceber que os reflexos das medidas pleiteadas postas em prática acarretam nas mesmas consequências para todos, isso sem dizer da projeção de si no outro que se faz quando aquele é apontado como merecedor da repressão, pois indigno de viver sob as mesmas condições, com os mesmos direitos e da mesma forma que quem aponta.

Passado esse mencionado tempo desde nosso último escrito, observamos situações concretas que corroboram com o nosso argumento exposto. A sociedade cativa clama por mais grilhões.

A discussão em torno da redução da idade da maioridade penal, por exemplo, ganhou notoriedade no ano passado. Vozes leigas e experientes, comuns e específicas, abrangentes e minimalistas, ignorantes e pontuais puderam ser ouvidas em todos os meios de comunicação. Muitos palpitaram sob diversos pontos de vista, sendo que a maioria da população se posicionou de modo favorável à redução. Impunidade, insegurança, justiça e vários outros fatores supostamente justificantes foram utilizados por quem apoia a drástica medida. As discussões amornaram, o que não significa que a opinião da maioria tenha mudado. A coisa apenas deixou de ser o foco dos noticiários. De qualquer forma, não sendo a pretensão deste escrito dialogar acerca da desnecessidade de tal medida, tem-se que tal fenômeno demonstra alinhadamente justamente com aquilo que se expôs acerca do aqui abordado mal da sociedade: a síndrome de Estocolmo que a aflige. Não obstante os efeitos nefastos do sistema prisional sofridos por qualquer pessoa que sofra uma sanção estatal, a sociedade clama por mais: as penalidades previstas e aplicadas aos adolescentes infratores não são suficientes; o Estado tem que ser mais enérgico com os menores; menor que pratica o mal merece receber a penalidade tal qual um adulto; se menor pode praticar crime, também pode ficar enjaulado nas masmorras brasileiras...

O simples exigir leis e sanções que, à primeira vista, melhorariam o funcionamento social temporariamente, traz consigo a ilusão de um avanço significativo. Entretanto, o ditado “cuidado com o que deseja” parece aplicar-se adequadamente neste caso.

Outro exemplo ilustrativo, mas concreto, é o que ocorreu ainda há pouco com relação ao posicionamento do STF acerca da presunção de inocência: uma aberração que “autorizou” a considerar o acusado como se culpado fosse logo após decisão condenatória em segundo grau, mesmo que inocorra o trânsito em julgado no processo em questão diante da interposição de Recurso Especial ou Extraordinário.

Dessa forma, percebemos que o que mais permeia a situação é a questão do poder. Tal qual a relação desigual presente na encontrada entre raptor e refém, a sociedade depende do Estado para que suas exigências sejam cumpridas. De outra forma, o menor indício desse cumprimento – mesmo que, em seu âmago, não objetive especificamente o bem-estar social – parece representar uma vitória para a sociedade. Mas, não se pode esquecer que a decisão final continua fora do alcance desta.

A jornalista Eliane Brum, em “A menina quebrada”, transcreve um trecho do livro escrito por Natascha Kampush[1], esta que foi sequestrada e ficou conhecida pelo famoso caso em que permaneceu cativa durante oito anos: “Aproximar-se do sequestrador não é uma doença. Criar um casulo de normalidade no âmbito de um crime não é uma síndrome. É justamente o oposto. É uma estratégia de sobrevivência em uma situação sem saída – e é muito mais verdadeiro que a ampla categorização dos criminosos como bestas sanguinolentas e das vítimas como cordeiros indefesos, na qual a sociedade quer se basear”.

Somente estas linhas já denunciam dois pontos importantes a serem pensados, para a situação que aqui está sendo discutida. Em primeiro lugar, de um ponto de vista mais global, tem-se o fato da sobrevivência. Estaria a sociedade cativa de um Estado repressivo justamente por, dessa forma, conseguir garantir sua sobrevivência? Essa condição, reconhecida por Síndrome de Estocolmo, está intrínseca na própria condição de viver em um ambiente social que já se acostumou com a opressão de não se ter voz ativa, mas de necessitar de um terceiro para que, quem sabe, se faça ouvir?

Em segundo lugar, a categorização de criminosos e vítimas realmente faz-se necessária? Será que esta necessidade só não surgiu pois a população sente-se injustiçada e procura algozes a quem culpar? A ânsia em encarcerar tudo aquilo que é incômodo acaba por fazer com que não se tenha uma visão sistêmica do funcionamento da sociedade, mas apenas um foco naquilo que não segue o “ideal” e que, por isso, deve ser exterminado imediatamente, como é o caso explicitado anteriormente, sobre a presunção da inocência. Não se procura pensar na causa ou naquilo em que tal medida refletirá, muito menos na parcela de responsabilidade que todos temos com o que ocorre na sociedade.

É o caso de continuarmos a refletir. Sempre!


Notas e Referências:

[1] KAMPUSH, Natascha In. BRU, Eliane. A Menina Quebrada. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2014.


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. Paulo Silas Taporosky Filho é advogado, especialista em Ciências Penais, pós-graduando em Direito Processual Penal, pós-graduando em Filosofia e membro da Comissão dos Advogados Iniciantes da OAB/PR. E-mail: paulosilasfilho@hotmail.com .


Ludmila Ângela Müller. . Ludmila Ângela Müller é Psicóloga, Especialista em Psicologia Jurídica. . . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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