A sociedade limitada: uma das opções societárias para albergar o modelo de negócio das startups

05/03/2020

A correta escolha do tipo societário é fundamental para o sucesso do empreendimento. Têm-se percebido equívocos preocupantes em uma boa parte das configurações jurídicas, conhecidos apenas quando surgem dúvidas ou conflitos, sempre indesejáveis, atraindo barreiras importantes para o sucesso do empreendedor.

O conhecimento sobre o negócio que será idealizado, considerando-se os produtos e ou serviços, a origem e as projeções de futuro, as informações sobre o capital necessário, o número de sócios, a sua classificação (sócios de serviços e de capital), a proteção aos investidores e a potencialidade de captação de recursos, dentre outras situações, tudo isso interfere na escolha deste ou daquele modelo.

Nesta mesma coluna — Empório do Direito — em 30/01/2020, tivemos a oportunidade de comentar sobre a Empresa Individual (Pessoa Natural), a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI (Pessoa Jurídica) e a Sociedade Limitada Unipessoal, nos seus aspectos fundamentais, cabendo, no momento, indagar: Por que escolher a sociedade limitada? Quais são as principais vantagens e desvantagens deste modelo?  

É fato corrente que a sociedade limitada é do tipo intuitu personae, muito utilizado por startups, ao lado da sociedade anônima e da sociedade em conta de participação.   

A essência da sociedade limitada está assentada na limitação da responsabilidade, pois cada sócio responde pelo valor de suas quotas, exceto em relação ao capital não integralizado, hipótese em que todos os sócios respondem solidariamente pela integralização do capital social (CC, art. 1.052).

Com a sua origem no direito alemão, por força da lei de 20 de abril de 1892, a sociedade limitada ganhou a preferência do empresário brasileiro, seja para o exercício de atividades de pequeno, médio ou grande porte[i].

Como diz Mamede, é um tipo societário de uso vasto, sendo que a ideia de proteção ao patrimônio pessoal alcançou, em um primeiro momento, as sociedades anônimas, depois as sociedades contratuais, com a intenção/objetivo de proteger o dono do capital, como é o caso precedente das sociedades contratuais em comandita simples. Este tipo societário foi construído ainda sob a égide do Código Comercial de 1850, por meio do qual os comanditários (donos do capital) não respondem subsidiariamente pelas obrigações sociais. Como marco histórico de regulação no Brasil, o referido autor faz menção ao ano de 1919, data da criação/instituição da sociedade por quotas de responsabilidade limitada pelo Decreto 3.708, substituída pela sociedade limitada do Código Civil de 2002, artigos 1.050 e seguintes[ii].

Neste aspecto, seguiu-se a tendência de unificação do sistema jurídico-privado, sob a influência do Codice Civile Italiano, na medida em que o Código Civil de 2002 passou a ter um livro específico para tratar do direito de empresa, deixando de lado a figura do comerciante justificada pela teoria dos atos de comércio, oriunda do sistema Francês.

A sociedade limitada poderá adotar firma ou denominação, integradas pela palavra final "limitada" ou “Ltda”. A firma será composta com o nome de um ou mais sócios, desde que pessoas físicas, de modo indicativo da relação social. A denominação deve designar o objeto da sociedade, sendo permitido nela figurar o nome de um ou mais sócios. A omissão da palavra "limitada" determina a responsabilidade solidária e ilimitada dos administradores que empregarem a firma ou a denominação da sociedade (CC, art. 1.158, parágrafos, 1º, 2º, e 3º). 

A sociedade limitada possui um espaço próprio de regulação pelo Código Civil, sendo que, no caso de omissão, aplicam-se, subsidiariamente, as normas das sociedades simples, independentemente da previsão no contrato social, enquanto que a aplicação supletiva das normas da sociedade anônima (LSA — 6.404/76) depende de previsão expressa no contrato social, pois repercutem de forma mais acentuada nas questões relacionadas à administração da sociedade (CC, artigo art. 1053, parágrafo único). 

Com a alteração decorrente da Lei n. 13.874/2019 (Declaração dos Direitos da Liberdade Econômica), a sociedade limitada pode ser constituída por uma ou mais pessoas, situação-hipótese criada anteriormente pela MP 881/2019.

Instituiu-se a sociedade limitada unipessoal[iii]. De fato há uma repercussão importante ao se permitir que a sociedade limitada possa ser constituída por apenas 1 (uma) pessoa. Em um primeiro momento, pode parecer que a sociedade limitada unipessoal teria decretado o fim da EIRELI, pois é possível constituir-se uma sociedade limitada (unipessoal) com capital social inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País, obstáculo à escolha daquele modelo referido.

Por outro lado, como uma espécie de contrapartida e também de demonstração da higidez da EIRELI, a própria Lei 13.874/2019, que instituiu a sociedade limitada unipessoal, também acrescentou o parágrafo 7º ao artigo 980-A do CC, segundo o qual somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude. Tal fato reforça a ideia de se preservar o patrimônio pessoal daquele que titulariza a EIRELI, no sentido genuíno, de separação absoluta, sugerindo-se, em tese, a não aplicação a ela de todas as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, sejam tradicionais (CC) e ou esparsas (leis especiais), mas o conceito aberto — fraude — trará dificuldades de interpretação pelos Tribunais.

O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais. Para efeito prático, prefere-se dividir em quotas iguais, pois a distribuição não uniforme (quotas com valores diversos) traz dificuldades para as operações societárias, tais como: sucessão, aumento de capital e alterações contratuais[iv]. O capital poderá ser integralizado em bens, cujo valor é estimado, mas respondem os sócios pela correta avaliação por até 5 (cinco) anos contados da data de registro da sociedade, sendo vedada a constituição de capital pela prestação de serviços (CC, art. 1.055, caput, parágrafos 1º e 2º). 

Nos casos de opção expressa pela regência supletiva da LSA, é possível discutir a viabilidade de criação de classes distintas de quotas (preferenciais e ordinárias). Esse é o posicionamento do DREI (Departamento de Registro Empresarial e de Integração), ao ter contemplado a hipótese na Instrução Normativa 38/17, desde que textualmente prevista no contrato social, cabendo ressalvar a possibilidade de interpretação divergente pelos Tribunais[v].

A esse respeito (risco de interpretação divergente), em que pese a necessidade de avançar, aprimorar e desenvolver as sociedades contratuais, dando aos pactos maior eficiência, acredita-se que a regra do DREI, por um lado, pode facilitar o investimento e, em um primeiro momento, reduzir os custos de transação, todavia o acolhimento pela comunidade jurídico-empresarial é questionável, diante do panorama de incerteza de enfrentamento de casos.

No texto publicado nesta coluna, em novembro de 2019, tivemos a oportunidade de tratar de uma das hipóteses em que a regra geral da absoluta separação patrimonial, mesmo nas sociedades limitadas, pode ser objeto de avaliação segundo a situação do caso concreto. Fez-se alusão ao encerramento irregular das atividades, situação hipótese em que se torna viável a discussão sobre justa causa para romper a barreira da limitação de responsabilidade, mas não de forma genérica, corriqueira e automática, como frequentemente ocorre na prática. Defende-se, portanto, mesmo na hipótese referida, a necessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, permitindo-se aos sócios o pleno exercício do direito de defesa, pois fatos concretos tendem a afastar a mera presunção de responsabilidade pessoal decorrente da conduta[vi].

O presente texto não tem por objetivo trazer as exceções para a quebra da personalidade jurídica da empresa, pois o uso e a utilização da máscara social da limitada para fins escusos de fato rompe com a intenção originária do legislador, mas essa não é a regra geral. Invariavelmente, a quebra da sociedade decorre do risco de empreender e é assim que deve ser assumida a característica essencial da separação patrimonial entre os bens sociais e os bens dos sócios.

Edgar Reis, ao tratar de estruturas societárias e de investimento no Brasil para startups, esclarece que a utilização do modelo societário em comentário, além da limitação da responsabilidade, tem uma boa relação custo-benefício, pois detém uma estrutura menos onerosa e menos burocrática, em relação à sociedade anônima. Ademais, um dos regimes tributários passíveis de adoção é o do simples nacional. Todavia menciona pontos de atenção ou desvantagens, a saber: possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da empresa, nas hipóteses do artigo 50 do CC; do artigo 28 do CDC; do artigo 135 do CTN; do artigo 4º da lei de proteção ambiental; do artigo 14 da lei anticorrupção; do artigo 34 da lei de prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica e nas questões trabalhistas, onde praticamente há responsabilização objetiva. Indica, ainda, como ponto de atenção a impossibilidade de adoção do simples nacional para sociedades limitadas que tenham em seu corpo societário uma pessoa jurídica.[vii] 

A opção das startups por um modelo societário no Brasil não é uma tarefa fácil, considerando-se o fato de que os empreendedores e seus investidores, neste segmento, visam: a limitação de responsabilidade, a mobilidade e flexibilidade para a entrada e saída de sócios, uma estrutura de governança menos complexa e com conselho consultivo que não onere a estrutura, a possibilidade de participação em regimes tributários diferenciados, como é o caso do Simples Nacional, a possibilidade de prestar serviços como forma de contribuição para com o capital social, bem como a facilitação do encerramento das atividades, com burocracia reduzida. Isto se justifica pelo grau de risco elevado e pelos índices de insucesso de projetos iniciais, típicos dessas estruturas[viii].

Como se trata de uma sociedade contratual, deve-se dar ao contrato social um tratamento especializado para o tipo de negócio que será desenvolvido. O contrato social tem uma forma, devendo conter os elementos obrigatórios listados no artigo 997 do CC, além das questões fundamentais e fundacionais que envolvem as partes desta relação nascente. Deve-se dar potência máxima a este instrumento, prioritariamente na sua fase inicial de redação, quando as condutas cooperativas são mais evidentes. O que não estiver no contrato, especialmente em relação a assuntos sensíveis e caros à sociedade, deverá estar expresso em acordos parassociais, a exemplo da regulação sobre a propriedade intelectual, os processos de valuation, o sistema de investimentos e ingresso de capital, dentre outras peculiaridades.  

Diante deste quadro, espera-se ter contribuído para a compreensão de que a sociedade limitada é ainda a preferida entre os empreendedores brasileiros, em razão dos apontamentos acima, mas não é, em muitos casos, o formato ideal, cuja escolha estará na dependência do modelo de negócio e da estrutura de governança que se quer implantar. Cabe, ao final, ressalvar que as sociedades anônimas fechadas também são usualmente utilizadas por startups, pois, dentre outras razões, possuem um nível mais acentuado de proteção patrimonial do acionista, mas também carregam algumas desvantagens, o que será objeto de um texto futuro.

 

Notas e Referências

[i] NEGRÃO, Ricardo. Curso de Direito Comercial e de Empresa. 15ª. ed São Paulo: Saraiva, 2019, p. 386. 

[ii] MAMEDE, Gladson. Direito Empresarial Brasileiro — Direito Societário, Sociedades Simples e Empresárias. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 213.

[iii] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. A Empresa Individual (Pessoa Natural), A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – Eireli (Pessoa Jurídica) e a Sociedade Limitada Unipessoal: Aspectos Fundamentais. Disponível em<https://emporiododireito.com.br/leitura/a-empresa-individual-pessoa-natural-a-empresa-individual-de-responsabilidade-limitada-eireli-pessoa-juridica-e-a-sociedade-limitada-unipessoal-aspectos-fundamentais>. Acesso em 02/03/2020.

[iv] MAMEDE, Gladson. Direito Empresarial Brasileiro — Direito Societário, Sociedades Simples e Empresárias. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 215.

“O legislador não criou qualquer limite para o capital e para a participação societária. Assim, não há capital social mínimo, nem capital social máximo para a sociedade limitada. Esse capital pode estar dividido em qualquer número de quotas, desde que igual ou superior a duas. As quotas podem ter qualquer valor monetário, desde que mensurável, reiterando-se que tais valores podem ser distintos”. (MAMEDE, obra citada, p. 215).

[v] MAMEDE, Gladson. Direito Empresarial Brasileiro — Direito Societário, Sociedades Simples e Empresárias. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 214.

[vi] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. O encerramento irregular das atividades econômicas: ausência de responsabilidade, responsabilização direta dos sócios ou causa de desconsideração da personalidade jurídica. Disponível em <https://emporiododireito.com.br/leitura/o-encerramento-irregular-das-atividades-economicas-ausencia-de-responsabilidade-responsabilizacao-direta-dos-socios-ou-causa-de-desconsideracao-da-personalidade-juridica>. Acesso em 02/03/2020.

[vii] REIS, Edgar Vidigal de Andrade. Startups – análise de estruturas societárias e de investimento no Brasil. São Paulo, Almedina, 2018, p. 48-52.

[viii] FEIGELSON, Bruno. NYBO, Erik Fontenele e FONSECA, Victor Cabral. Direito das Startups. São Paulo, Saraiva, 2018, p. 182-183.

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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