A simplificação da publicação de atos por sociedades anônimas: inovação introduzida pela MP 892 de 05 de agosto de 2019  

08/08/2019

            A participação em uma atividade econômica pressupõe a estruturação de um negócio, havendo, na legislação pátria, diversas formas para organizar a exploração desta atividade. Como Pessoa Física, na condição de autônomo, revela-se um custo tributário muito acentuado em algumas situações-hipóteses, bem como maior dificuldade de abertura de mercado; como Microempreendedor Individual (MEI), nos termos da Lei Complementar n. 123/20016 e com as limitações vinculadas a uma receita bruta anual; como Empresário Individual, mas com responsabilidade ilimitada e dificuldades para acessar o crédito; e as mais usuais, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), a Sociedade Limitada e a Sociedade Anônima, sendo esta última a de maior interesse para a análise da Medida Provisória em questão.  

            Para escolher entre uma limitada ou uma companhia, o empresário deve ponderar diversos fatores, mas, principalmente, o tamanho da atividade que pretende explorar. Isso porque a sociedade limitada tem uma estrutura legal mais simplificada, adequada para pequenas e médias empresas. A sociedade anônima, mais adequada para empreendimentos de grande porte, por sua vez, possui uma burocracia mais acentuada, tanto na fase de constituição, como na de sua manutenção e permanência no mercado.

            Quanto mais requisitos legais, maiores serão os custos de transação para a sociedade, financeiros e não financeiros. Um dos maiores custos que uma companhia encontrava em suas atividades era no que tangia às publicações previstas na Lei 6.404/1976. Todas as publicações previstas na Lei do Anonimato, tanto para sociedades anônimas abertas quanto para companhias fechadas, deveriam ser publicadas no diário oficial da União ou do Estado ou do Distrito Federal, conforme o local em que a sede da sociedade se encontrava, bem como em jornal de grande circulação local, tudo de acordo com a redação originária do caput do artigo 289 da Lei das S/A.

Dentre as publicações previstas na legislação estão as convocatórias de assembleias gerais, que devem ser realizadas por, no mínimo, três vezes (artigo 124) e as demonstrações financeiras ao final de cada exercício social, o que inclui o balanço patrimonial do exercício e as demonstrações de fluxo de caixa (artigo 176).

            O legislador, a partir da Lei das Sociedades Anônimas, ao prever aquele método de publicação dos atos societários, estava preocupado em dar maior segurança aos acionistas e credores da sociedade. Assim, em 1976, por uma questão de lógica, estatuiu-se a utilização de meios oficiais para a publicação no Estado, o Diário Oficial, bem como a utilização de um jornal de grande circulação, meio de comunicação amplamente utilizado e de fácil acesso.

            Em 2019, contudo, com a mudança nos padrões de consumo da sociedade, no que tange aos meios de comunicação, essa necessidade, que deve ser observada sob pena de grandes consequências para a companhia, tornou-se anacrônica e custosa.

            Algumas medidas, sob o enfoque da análise econômica e da avaliação de riscos, algumas sociedades já traziam em sua prática cotidiana, a saber: separar atos de publicação obrigatória, como, por exemplo, as atas das AGOs e das AGEs, sendo que, no caso destas últimas, publicar apenas aquelas de interesse geral (emissão de debêntures, dentre outras situações/efeitos perante terceiros); concentrar atos e ou assembleias em um único documento; publicar apenas a ata sumária ou extratos; utilizar-se de recursos de diagramação e fontes para os balanços, dentre outras estratégias voltadas ao exame jurídico-legal da dispensa de publicações, quanto a atos e fatos que não interessem ao mercado e não precisem produzir efeitos perante terceiros. 

            Todavia, mesmo com muito esforço e organização no controle de atos e fatos da companhia, nada se compara com a mudança de cenário a partir da publicação da MP em referência, desde que bem compreendida e regulamentada de forma eficiente e não burocrática.

            Em uma avaliação sobre a alocação eficiente de recursos, nos objetivos fins das companhias, bem como sobre os benefícios informacionais da utilização dos meios eletrônicos, entre outras justificativas aderentes ao mercado, a própria CVM já havia proposto a “substituição de publicações de demonstrações financeiras e atos societários em jornais de grande circulação, pela divulgação em portal de notícias com página na internet, Sistema Empresas Net e/ou site da Companhia.[i] 

            Neste contexto, no último dia 05 de agosto foi publicada a Medida Provisória nº 892, que altera o artigo 289 da Lei das Sociedades Anônimas, promovendo considerável simplificação do procedimento para as publicações ordenadas pela legislação. Agora, companhias deverão publicar os atos previstos em lei nos sítios eletrônicos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da entidade administradora de mercado em que os valores mobiliários da companhia em questão estiverem admitidos à negociação, bem como em seu próprio sítio eletrônico.

            As publicações realizadas dessa nova forma deverão vir acompanhadas de certificação digital de sua autenticidade. A nova redação do artigo 289 e seus parágrafos, ainda, atribui à CVM e ao Ministério da Economia a regulamentação dessas normas para as sociedades de capital aberto e para as de capital fechado, respectivamente. A publicação destes atos infralegais é a condição para a produção de efeitos da Medida Provisória, que ocorrerão no primeiro dia subsequente.

            Trata-se de uma mudança positiva, que implicará uma redução dos custos operacionais das companhias, na medida em que haverá menos burocracia para realizar as diversas publicações previstas na legislação. A observância das regras para publicações é de extrema importância, visto que têm como objetivo um maior controle dos atos societários pelos acionistas e terceiros interessados, como credores, bem como pelas consequências de sua não observância, como possível anulação das deliberações ou responsabilização pessoal dos administradores.

            A redução dos custos envolvidos não abarca apenas a companhia, mas também seus acionistas e demais interessados em acompanhar seus atos. A publicação no Diário Oficial, apesar de garantir a publicidade necessária, não é de acesso tão simplificado ou imediato para todo o público. Igualmente, em alguns Estados-Membros, há diversos jornais considerados de grande circulação, o que implica maiores custos aos interessados em verificar todos os possíveis, caso não seja divulgado em outro meio de comunicação da companhia.

Agora, haverá um espaço concentrado para serem verificados todos os atos publicáveis de companhias, o que facilitará o controle pelos acionistas e credores. O trabalho dos órgãos reguladores, como a própria CVM, também será mais simplificado.

No que tange à norma do parágrafo 2º, de que as companhias devem publicar em seus sítios eletrônicos as publicações ordenadas, isso deve ser encarado como uma alocação eficiente de recursos, visto que é mais fácil e menos custoso para a sociedade publicar os atos em uma plataforma sua (seu sítio), em comparação aos ônus que interessados teriam caso as publicações continuassem da forma arcaica anterior.

            Uma disposição que ainda necessita de regulação infralegal é o parágrafo 3º do artigo 289, que dispõe que a CVM disporá sobre quais os atos e publicações que deverão ser arquivados no Registro Público de Empresas Mercantis. O arquivamento de atos nas Juntas Comerciais tem como objetivo dar publicidade aos atos tomados pela sociedade, visto que podem ser acessados por qualquer pessoa interessada.

            Ao regulamentar esse dispositivo, a CVM deve tomar as cautelas necessárias para não entrar em conflito com a Lei 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis. O artigo 1º desta lei, ao listar as finalidades do registro público, inclui a garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas. Portanto, não pode a Comissão atuar de forma a reduzir esses direitos.

            O arquivamento de atos, ainda, tem como objetivo a produção de efeitos do ato sujeito ao registro perante terceiros, conforme o artigo 135, parágrafo 1.º, da Lei das Sociedades Anônimas e artigo 1.154 do Código Civil. Assim, a normativa da CVM não pode vir em sentido contrário a essas normas.

            Considerando-se este cenário, em que pese necessitar de regulação infralegal para que comece a produzir efeitos, verifica-se que essa Medida Provisória trouxe mudanças importantes para o cotidiano das sociedades anônimas, reduzindo os custos de transação envolvidos na publicação de seus atos, bem como facilitando o acesso dessas informações por acionistas, credores e demais terceiros interessados, trazendo incentivos ao desenvolvimento de atividades econômicas e reduzindo o custo Brasil.

 

Notas e Referências

[i]PROJETO CVM CUSTO DE OBSERVÂNCIA (Fase 2 – Análise de Meritocracia). Acesso em 07/08/2019. http://clientes.b3.com.br/data/files/8D/01/F2/89/66879610DAB74796AC094EA8/Projeto%20CVM%20-%20Contribuicao%20B3.pdf

 

 

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