A RUA

02/10/2019

Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos

Um tanto quanto confuso, angustiado, perdido pelo tempo louco desse mundo insano e virtual... estava em um jardim público - um desses lugares onde se cultivam ladrões e de vez em quando topamos com alguma planta. Pensava com algumas nuvens, como esse mundo desequilibrado nos torna coisas.... coisas cada vez mais pequenas, insignificantes e substituíveis. E pensava também sobre como o mundo consegue fazer isso, justamente nos convencendo do contrário - de que somos indivíduos, que nossa individualidade é mais importante que tudo e que a verdadeira liberdade é poder escolher - mesmo que essa escolha fique limitada apenas àquela opção que o próprio mundo te dá: ou seja - somos livres para escolher, mas não temos opção.

Um pássaro - na verdade um filhote - em rompante caiu em mim, Pobrezinho... estava a aprender a voar... e não passou na prova da seleção natural. Isso, por um momento, desviou minha atenção sobre o que divagava. Fiquei atônito. Não é todo dia que se vê algo assim. Um pássaro - que não sabe voar, É como um gato que não cai em pé ou um cachorro que não esconde o osso. É diferente. É assustador, Pois nos lembra que a natureza tem das suas surpresas e das suas imprevisibilidades, e que por mais segurança e mais direito que tenhamos, pode a natureza desfazer de tudo que conhecemos em um piscar de olhos.

Nossos pensamentos são uma coisa curiosa. É como uma reação química. Um reagente encontra o outro, A reação começa, Um novo produto se forma, A coisa toda aumenta... aumenta a velocidade, Surge um catalizador. A reação acelera, Quando percebemos - onde havia ácido e base s[p tem água e sal.... A natureza é transformada - Mas não deixa de ser natureza... jamais. E assim é o pensamento. Muda, se transforma, interpreta e se reinterpreta e reconstrói-se a cada interpretação nova... mas se o pensamento sobre de ácido e de base, jamais será outra coisa senão pensamento sobre água e sal.

Passado os átomos do pássaro que finalmente voara, as nuvens não estavam mais em seu lugar. Roubaram as nuvens, pensei. Não é possível - roubam-se humanos, roubam-se vidas, roubam-se sonhos... e agora roubam-se as nuvens. Até as nuvens. Elas, que são feitas de algodão e se desmancham ao tocar. Elas que de tão frias embranquecem o chão quando o tocam e nascem plantas quando chovem;


Sem pássaro, sem nuvens e se opções, passei a olhar a rua. É interessante observar um espaço público. É possível ver de tudo. Uma grávida com um bebê de colo, segurando uma criança com a outra mão - e mais uma acompanhando-a de perto. E a gente se pergunta - e o controle de natalidade, quer dizer, proibir - ou "convencer" os pobres que eles não devem ter filhos, para que o Estado gaste mais dinheiro financiando grandes empresas a fundo perdido, para que os ricos possam ter apenas um ou dois filhos que estudarão de graça em uma universidade pública, para assim sobrar mais dinheiro para manter elevado o padrão de vida, porque terão menos gastos como a licença maternidade dada àquela moça - pela sexta ou sétima vez... meu deus que confusão! Melhor deixar a moça lá…

Bem...a rua ainda está lá... me dou conta de como as pessoas andam apressadas, enraivadas, estressadas. Um sinal latente da loucura coletiva em que nós nos metemos. A essa loucura um tal inglês de nome que não me recordo agora chamou de Contrato Social. Pode imaginar uma coisa dessas: um monte de gente junta vivendo em completa baderna. Um dia acordam. É um dia de verão - claro, porque as pessoas na Europa, sobretudo nessas épocas míticas sem tecnologia, provavelmente não tenham muito ânimo para sair aí às ruas, a deliberar e inventar novas formas de governo no inverno. Um dia esses tais europeus saem às ruas - olha a importância das ruas - e dizem: "ó monarca, governe-nos. Seja nosso líder. Nós prometemos viver em paz e harmonia - e você promete nos guiar pelos augúrios de um mundo cão, sendo nosso senhor e nosso mestre sábio e justo". Essa é a loucura que nos metemos..

Lembro de um outro rapaz, cujo o nome não me lembro também. Mas por ser francês aposto que se chama Jean. Todos os países têm lá seus nomes comuns e representativos. Como Portugal tem seus Manés e o Maranhão seus Ribamares, a França tem seus Jeans. Seja Jean ou Jaques, russo sei que não era, pois era francês - e disso tenho certeza. Esse era dos meus camaradas, pois ele disse uma coisa interessante: "ninguém percebe a loucura que é esse negócio de propriedade, um dia alguém disse 'Éssa é minha propriedade' e os demais aceitaram." Pois digo a mesma coisa - ninguém percebe, um dia disseram 'Esses são meus seres humanos', O que fizemos: assinamos um contrato. Quer dizer, eu mesmo não assinei nada, nem o senhor Paulo Maluf. Quem mostrar nossas assinaturas nesse tal de Contrato Social, está mentido. São assinaturas falsas.

Incrível pensar que tudo isso - toda essa reflexão - surgiu de uma tarde olhando a rua. Uma simples via, que pode ser a minha, que pode ser a sua - ou a de qualquer um. Entristece apenas a alma do cantor apaixonado que todas as reflexões sobre sua amada -os cabelos brilhosos e o olhar petrificante de medusa - todas essas constatações são inúteis - pois não são científicas. O amor, tal como a rua, não é uma fonte fidedigna.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Road // Foto de: chriscom // Sem alterações

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