A REVOGAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL APÓS O TÉRMINO DO PERÍODO DE PROVA

20/09/2019

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto 

A suspensão condicional do processo é prevista no art. 89 da Lei 9099/95. Trata-se de uma medida processual através da qual se impede o julgamento do réu. O curso do processo é suspenso e o acusado é submetido a certas condições. Findo o período de prova, é declarada extinta a punibilidade. Simples assim.

A questão que pretendemos abordar nesta coluna decorre da nossa discordância com um entendimento já consolidado na jurisprudência, segundo o qual é possível a revogação da suspensão condicional do processo mesmo após o período de prova. Para tanto, levaremos em conta um dos últimos julgados do Superior Tribunal de Justiça que trata do assunto.

No dia 06 de junho de 2019, foi publicado o acórdão proferido no Agravo Regimental interposto no Habeas Corpus nº 466.794/SP, de relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, cuja ementa afirma o seguinte: Firmou-se na jurisprudência, por meio do Recurso Especial Repetitivo nº 1.498.034/RS, o entendimento de que a revogação da suspensão condicional do processo é possível mesmo após o fim do prazo legal. Precedentes do STJ e do STF. Diante desse entendimento, o mencionado recurso não foi provido.

Apenas para ilustrar o caso referido, vejamos as suas circunstâncias, as quais se repetem em grande número de processos. Naqueles autos, o réu foi beneficiado com o sursis processual no dia 9 de fevereiro de 2015, tendo sido fixado o período de prova pelo prazo de dois anos. Ainda dentro do período de prova, ou seja, no dia 29 de novembro de 2016, o Ministério Público requereu a revogação da suspensão do processo, sob o argumento de que o réu respondia a outro processo criminal. Todavia, somente após o período de prova, ou seja, no dia 21 de fevereiro de 2017, foi proferida a decisão revogando o benefício, com base no art. 89, § 3º, da Lei 9099/95.

Três pontos devem ser destacados. O primeiro ponto importante é o fato de o Ministério Público ter corretamente se manifestado pela revogação da suspensão do processo ainda dentro do período de prova. O segundo ponto importante é o fato de não haver qualquer dúvida quanto à redação do art. 89, § 3º, da Lei 9099/95, o qual dispõe claramente que a suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. O terceiro ponto importante é o fato de o juiz apenas ter revogado a suspensão após o período de prova.

O art. 89, § 5º, da Lei 9099/95, não poderia ser mais didático: expirado o prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade. Entendemos que a clareza de tal dispositivo impõe uma diligência maior do juiz responsável pelo processo porque, findo o prazo, ocorre imediatamente a extinção da punibilidade, a qual deverá ser declarada pelo juiz nos dias seguintes ao término do prazo. Cabe ao juiz apenas declarar o que ocorreu ao término do último dia do prazo de suspensão condicional do processo.

Para radicalizar o nosso entendimento, basta imaginar uma situação mais extrema. Segundo o entendimento consolidado na jurisprudência, o réu poderá cumprir o período de prova e, havendo inércia do juiz, o benefício poderá ser revogado alguns meses ou alguns anos depois de findo o período de prova. No caso revelado no AgRg no HC nº 466.794/SP, o atraso do juiz foi mínimo, compreendendo alguns poucos dias. Mas valeria a mesma solução se tivesse decorrido o prazo de meses ou mesmo o prazo de anos.

Imagine-se o réu beneficiado com a suspensão condicional do processo em 1º de março de 2010, tendo sido o período de prova fixado por dois anos. Imagine-se que o processo tenha ficado parado por anos em determinada vara criminal e que o juiz apenas tenha examinado os autos em 2019. Verificando que o réu descumpriu alguma condição do sursis processual durante o período de prova, seria razoável o juiz revogar o benefício apenas em 2019 e o réu passar a responder ao processo, correndo o risco de ser condenado por uma acusação tantos anos depois, mesmo já findo o período de prova da suspensão condicional do processo?

Na nossa avaliação, o réu não deve sofrer as consequências pela má administração do processo. Veja-se que se trata de prática da maior simplicidade. Basta que, alguns dias antes do término do período de prova, os autos sejam levados à análise do juiz para que, então, se examine o cabimento da revogação da suspensão. A revogação, se for o caso, deve ser feita dentro do período de prova, e não após o período de prova.

Embora seja possível criticar a sua existência, convém registrar que o Enunciado 123 do FONAJE – Fórum Nacional dos Juizados Especiais segue a mesma linha da jurisprudência consolidada, afirmando o seguinte: o mero decurso do prazo da suspensão condicional do processo sem o cumprimento integral das condições impostas em juízo não redundará em extinção automática da punibilidade do agente.

Não obstante tal entendimento, continuamos a ter uma compreensão distinta do assunto, conforme registramos em nosso livro – Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Lei 9.099/1995 comentada –, no qual tivemos a oportunidade de registrar o seguinte: Por isso, na nossa opinião, se, durante o período de prova, o réu passa a responder a outro processo, mas se o juiz da suspensão só tem conhecimento desse fato após o término do período de prova, não se pode revogar o benefício cujo período de prova já foi encerrado. A eventual desídia do Estado em fiscalizar o cumprimento das condições não pode prejudicar o acusado.[1]

Isso porque continuamos convencidos da clareza da redação do art. 89, § 5º, da Lei 9099/95, ao dispor que, expirado o prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade, bem como continuamos convencidos de que cabe ao Estado, seja através do promotor de justiça que atua no caso, seja através do juiz responsável pelo processo, a adoção de prática que busque esclarecer o efetivo cumprimento das condições da suspensão condicional do processo dentro do período de prova. Conhecemos a jurisprudência consolidada na forma exposta, mas não nos convencemos.

 

Notas e Referências

[1] CHINI, Alexandre; FLEXA, Alexandre; COUTO, Ana Paula; ROCHA, Felippe Borring; COUTO, Marco. Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Lei 9.099/1995 comentada. 2. ed. Salvador: Editora Juspodium, 2019, p. 499.

 

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