A revista íntima nos ambientes prisionais – Por Ricardo Antonio Andreucci

21/04/2016

Publicada no último dia 18 de abril, a Lei nº 13.271 gerou algumas interpretações equivocadas que vem sendo insistentemente veiculadas pelos meios de comunicação e, principalmente, pelas redes sociais.

De acordo com sua ementa, a Lei 13.271/16, “dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata da revista íntima em ambientes prisionais.”

Em sua redação original, o art. 3º da referida lei dispunha que “nos casos previstos em lei, para revistas em ambientes prisionais e sob investigação policial, a revista será unicamente realizada por funcionários servidores femininos."

Ocorre que o referido artigo foi vetado pela Presidenta da República, por contrariedade ao interesse público, justificando Sua Excelência, nas razões do veto, que “a redação do dispositivo possibilitaria interpretação no sentido de ser permitida a revista íntima nos estabelecimentos prisionais.” Além disso, prosseguem as razões do veto, “permitiria interpretação de que quaisquer revistas seriam realizadas unicamente por servidores femininos, tanto em pessoas do sexo masculino quanto do feminino."

Nesse sentido, é bem de ver que a nova lei trouxe em seu bojo matéria relativa a Direito do Trabalho e também matéria referente a Execução Penal, ainda que no âmbito interno da administração penitenciária, no que tange à regulamentação da entrada e saída de visitantes dos ambientes prisionais e a consequente necessidade de se proceder a revista, inclusive íntima.

De início, merece ser ressaltado que o legislador pátrio, com relativa frequência, ignora completamente a boa técnica legislativa, misturando “alhos com bugalhos” e tratando, no mesmo diploma legal, de assuntos absolutamente diferentes e até mesmo inconciliáveis. É muito comum de se ver leis aprovadas, promulgadas e publicadas com ementas ou rubricas enormes, cuidando conjuntamente de questões que vão desde a subvenção econômica aos produtores de cana-de-açúcar e de etanol até a utilização privada de área pública por feiras e bancas de jornais e revistas (ex.: Lei 12.865/13).

Assim é que a lei ora em comento tratou da revista íntima em “funcionárias e clientes do sexo feminino” e também, aproveitando o embalo, abordou assunto extremamente delicado relativo a revistas em ambientes prisionais e sob investigação policial.

Não se ignora que a discussão acerca da revista íntima nos ambientes prisionais levanta intensa polêmica envolvendo familiares e parentes de presos, de um lado, acompanhados de diversos segmentos da sociedade organizada, e agentes penitenciários e demais funcionários do sistema prisional, de outro, apoiados em relevantes argumentos de segurança pública e privada. Há diversos relatos de abusos praticados durante a revista íntima nos presídios, com situações constrangedoras e vexatórias. Há, de outra banda, estatísticas comprovando os altos índices de encontro de drogas, armas, munições, telefones celulares e outros objetos, escondidos no corpo de visitantes que pretendem ingressar nos estabelecimentos prisionais.

Atentos a essa problemática e longe de resolver a questão de forma adequada, diversos estados da federação editaram leis regulamentando a visita íntima nos presídios, com as mais diversas orientações, que vão, desde a permissão indiscriminada dessa prática, até a sua vedação expressa, gerando descontentamento em todos aqueles que, direta ou indiretamente, se encontram envolvidos na discussão.

No estado de São Paulo, a Lei nº 15.552/14 proibiu expressamente a realização de revista íntima em visitantes nos estabelecimentos prisionais, determinando que os procedimentos de revista se dêem em razão da necessidade de segurança, devendo ser realizados com respeito à dignidade humana.

Mas o que se entende por “revista íntima”? A lei paulista, a exemplo de outras que tratam do mesmo assunto nos demais estados, definiu como revista íntima todo procedimento que obrigue o visitante a despir-se, fazer agachamentos ou dar saltos e submeter-se a exames clínicos invasivos.

Em contrapartida, todavia, à vedação expressa da revista íntima, todo visitante deve ser submetido à revista mecânica por meio da utilização de equipamentos capazes de garantir a segurança do estabelecimento prisional, tais como “scanners” corporais, detectores de metais, aparelhos de raio X e outras tecnologias que preservem a integridade física, psicológica e moral do visitante revistado.

Na hipótese de suspeita justificada de que o visitante esteja portando objeto ou substância ilícita, identificada durante o procedimento de revista mecânica, deverá o visitante deverá ser novamente submetido à revista mecânica, preferencialmente utilizando-se equipamento diferente do usado na primeira vez. Persistindo a suspeita, o visitante poderá ser impedido de entrar no estabelecimento prisional. Caso o visitante insista na visita, será encaminhado a um ambulatório onde um médico realizará os procedimentos adequados para averiguar a suspeita. Confirmada a suspeita, encontrando-se objetos ilícitos com o visitante, este será encaminhado à Delegacia de Polícia para as providências cabíveis.

A problemática que se encontra, entretanto, na maioria dos estados da federação, é a ausência ou a insuficiência dos equipamentos que devem ser utilizados para a realização da revista mecânica. A grande maioria dos estabelecimentos prisionais brasileiros contam com poucos e obsoletos aparelhos de raio X e detectores de metais e menos ainda com “scanners” corporais, equipamentos de alto custo de aquisição e manutenção.

Existem basicamente dois tipos de “scanners” corporais. Os mais antigos, quase obsoletos, utilizam a tecnologia de ondas milimétricas, na qual duas pequenas antenas emitem sinais de rádio que atravessam tecidos comuns, mas rebatem sobre o corpo para criar a imagem tridimensional. Na tela, a imagem assemelha-se ao negativo de uma foto. Já os mais modernos, e muito mais caros, utilizam a tecnologia denominada “backscanner”, na qual duas caixas geradoras de raios X emitem ondas de baixa frequência para formar a imagem, oferecendo imagens mais detalhadas, capazes de identificar quaisquer anomalias por baixo das roupas.

Voltando, contudo, às razões do veto ao art. 3º da Lei nº 13.271/16, a ideia reafirmada pelo poder público é a de que as revistas íntimas são vedadas nos estabelecimentos prisionais, embora não haja lei federal expressa nesse sentido, mas tão somente normatização legal estadual, em alguns casos, e regulamentação administrativa pelos diversos órgãos, estaduais e federais, encarregados da administração penitenciária.

Portanto, em síntese, a nova Lei nº 13.271/16, em razão do veto ao seu art. 3º, em nada modificou o panorama já existente acerca das revistas íntimas nos estabelecimentos prisionais, não apresentando, por conseqüência, qualquer relevância penal ou processual que justificasse a ênfase que os meios de comunicação, insuflados por alguns operadores do Direito mais precipitados, deram à questão nos últimos dias.


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