A responsabilidade pela perda de uma chance, rico exemplo de circulação de modelos doutrinários e jurisprudenciais

17/04/2015

Por Rafael Peteffi da Silva - 17/04/2015

Introdução

Considerando-se a enorme transformação por que tem passado, não causa espanto que o instituto da responsabilidade civil tenha sido considerado por Jean Carbonnier como a “vedete” do direito civil. De fato, esse instituto vem paulatinamente adequando-se aos novos clamores sociais e econômicos, sendo essas adequações sentidas, de forma muito direta, nos seus requisitos clássicos. A teoria da culpa, outrora próprio fundamento justificador do instituto, foi substituída, em grande medida, pela teoria do risco.

Entretanto, é importante não circunscrever a análise do processo evolutivo da responsabilidade civil ao advento da responsabilidade sem culpa. Outros requisitos da ação de indenização, como o nexo causal e o dano, vêm observando modificações inegáveis. É exatamente no aprofundamento do estudo desses requisitos que a teoria da perda de uma chance mostra-se uma aliada insuperável. Com efeito, apoiados em Paul Speaker[2], afirmamos que a teoria da perda de uma chance é o campo de experimentação mais sofisticado para a análise dos atuais limites dos conceitos de dano indenizável e de nexo de causalidade.

Talvez por isso a teoria da perda de uma chance tenha se tornado, na doutrina internacional, verdadeiro campo de batalha, ocupado por inúmeras correntes com posicionamentos diversos sobre o mesmo tema. Podemos afirmar que o epicentro da celeuma relaciona-se com a própria natureza jurídica da teoria da perda de uma chance: um pequeno número de doutrinadores acredita que a noção de chance perdida como dano indenizável não possui consistência e tudo não passa de uma utilização da causalidade parcial[3]; enquanto outros pensam que as chances perdidas devem ser consideradas como danos autônomos e indenizáveis[4]. A maior parte da doutrina estrangeira, contudo, leciona que apenas algumas modalidades de utilização da perda de uma chance utilizam-se da causalidade parcial, sendo a chance perdida representativa, na maioria dos casos, de um novo tipo de dano indenizável[5].

É evidente que o presente trabalho é insuficiente para exaurir toda a vasta e rica temática envolvendo a responsabilidade pela perda de uma chance. Assim, não entraremos em maiores definições sobre a natureza jurídica do instituto, mas focaremos nossa análise em questões que consideramos mais urgentes para um correto desenvolvimento jurisprudencial da teoria.

Primeiramente, é salutar que analisemos alguns casos concretos, para firmar as características básicas da teoria da perda de uma chance. Imaginemos o exemplo do estudante que se encaminha para prestar o exame vestibular e é impossibilitado de chegar ao local do certame por culpa de um acidente provocado por um motorista imprudente. Nesse caso, não poderemos imputar o dano representado pela reprovação no exame vestibular ao motorista, tendo em vista que o estudante poderia não lograr êxito nas provas, mesmo que o acidente não ocorresse. Com efeito, vários fatores aleatórios (acaso) poderiam ter sido a causa da reprovação aludida, tais como a dificuldade da prova ou o despreparo do estudante. Portanto, já que o dano poderia ter sido causado pelo acaso, a vítima (estudante), de acordo com a teoria ortodoxa da responsabilidade civil, deveria suportá-lo de maneira integral. Contudo, apesar de não existir liame causal certo entre a conduta do motorista e a perda da vantagem esperada pelo estudante (o sucesso no vestibular), podemos dizer, com certeza, que esse motorista eliminou as chances que o candidato tinha de lograr êxito no aludido exame.

Como exemplos sempre lembrados de prejuízos atuais, temos os  jogos de azar, como na hipótese do cavalo de corrida que é impedido de correr e perde a chance de ganhar um prêmio[6], ou os casos de perda de uma chance em matéria contenciosa, como na atitude culposa de um advogado que perde o prazo do recurso de apelação e faz com que seu cliente perca a chance de ver o seu direito reconhecido na instância superior[7].

Na esfera dos danos futuros, outros casos foram lapidados pela jurisprudência francesa, como na antiga decisão sobre a perda da chance de melhorar a sua condição social quando, por um ato culposo do ofensor, acabaram-se as probabilidades de uma jovem viúva melhorar seu padrão de vida pela brilhante carreira de médico que, segundo os padrões normais da época, seu esposo recém-formado em medicina teria[8].

Nesses exemplos dados, como em outros que examinaremos adiante, podemos observar certas características constantes que nos ajudam a moldar o conceito de dano pela perda de uma chance. Na lição de François Chabas[9], são características principais: (i) a vítima deve estar em um processo aleatório, (ii) interrompido pelo ato do agente e que, ao final, (iii) poderia lhe representar uma vantagem. Há, pois uma “aposta” perdida (essa aposta é uma possibilidade de ganho, é a vantagem que a vítima esperava auferir - como a procedência da demanda judicial e a obtenção do primeiro prêmio da corrida de cavalos - que normalmente pode ser enquadrada na categoria de lucros cessantes) e uma total falta de prova do vínculo causal entre a perda dessa vantagem esperada e o ato danoso, pois essa aposta é aleatória por natureza[10].

Note-se que o desaparecimento da vantagem esperada pela vítima (lucros cessantes) é sempre possível por intermédio de causas externas, restando impossível saber se a conduta do agente representa causa necessária para o aparecimento dos lucros cessantes. Portanto, o ato do demandado na ação de reparação não é uma condição  sine qua non para a perda da vantagem esperada.

Não podemos, portanto, afirmar ter sido o ato culposo do ofensor a causa necessária para a perda do resultado pretendido pela vítima, visto que o prognóstico retrospectivo que se poderia fazer para saber se o demandante ganharia a causa, ou se o cavalo ganharia a corrida é bastante incerto, cercado de fatores exteriores múltiplos, como a qualidade dos outros cavalos, a jurisprudência oscilante na matéria da demanda judicial, etc. Entretanto, ainda assim não podemos negar que houve um prejuízo, tendo em vista que o demandante perdeu a chance de obter êxito em sua demanda judicial, e o proprietário do cavalo perdeu a chance de ganhar o prêmio[11], ou seja, o resultado da aposta nunca será conhecido por causa da conduta culposa do ofensor. É justamente este o prejuízo que a teoria da perda de uma chance visa indenizar[12].

A aceitação dessa teoria pela jurisprudência pátria é fenômeno relativamente recente. Comprova-o o fato de a imensa maioria dos acórdãos encontrados em nossa pesquisa referir-se a julgados nos últimos dez anos. Essa produção jurisprudencial ressalta a criatividade de nossos julgadores; porém, a falta de uma aplicação mais criteriosa dos requisitos da teoria da perda de uma chance tem levado a soluções perigosas ou, no mínimo, pouco ortodoxas.

Em outros países, com produção doutrinária mais densa, pode-se identificar modelo hermenêutico[13] bem consolidado, sem que haja, evidentemente, consenso absoluto entre os autores sobre os pontos mais instigantes da teoria. Em alguns sistemas jurídicos, as opiniões doutrinárias possuem forte influência na gênese da produção jurisprudencial[14]. Mais recentemente se tem observado, em alguns Estados norte-americanos, uma influência da doutrina até mesmo na produção legislativa, contribuindo, portanto, na formação dos modelos dotados de força prescritiva não apenas pela influência que possa ter na jurisprudência.

A doutrina estrangeira auxiliou na formação de um modelo hermenêutico nacional, além de servir como força argumentativa direta para muitos precedentes judiciais brasileiros, já se podendo inclusive falar em um modelo prescritivo in fieri. O recurso, nos julgados, aos autores estrangeiros talvez se explique pela inércia doutrinária verificada em décadas passadas. Além do mais, a utilização do direito estrangeiro como fonte direta para produção de soluções domésticas não é novidade para a tradição jurídica luso-brasileira, representando o que Clóvis do Couto e Silva denominava de Bartolismo[15].

Demonstrando um típico fenômeno de apreensão e solidificação de modelos jurídicos, o aumento paulatino da densidade doutrinária sobre a matéria, em nosso país, refletiu virtuosamente na recente produção jurisprudencial, permitindo a formação de modelos prescritivos mais coerentes[16]. O percurso foi – no que toca à responsabilidade pela perda de uma chance – de uma realimentação contínua entre a doutrina, a jurisprudência, e novamente a doutrina.

Para tentar contribuir para um maior rigor na aplicação da teoria da perda de uma chance, decidimos dedicar o presente trabalho ao estudo dos requisitos básicos da teoria, bem como à análise da recente admissão doutrinária e jurisprudencial pelo ordenamento jurídico nacional.

I) Principais Condições de aplicação 

A indenização dos prejuízos pela perda de uma chance não escapa das condições elementares de direito comum, como a prova do dano e do nexo causal. Neste sentido, é absolutamente necessário que o demandante comprove a perda da vantagem sofrida, indicando as probabilidades sonegadas pelo ato culposo do ofensor. Da mesma forma, as cortes podem impor como óbice à reparação a falta do nexo causal entre o ato culposo e o dano.

Além das condições gerais da responsabilidade civil, condições específicas para sistematizar a utilização da noção de perda de uma chance também são observadas. Deste modo, necessária a demonstração da seriedade das chances perdidas, a adequação da quantificação à álea inerente à perda da chance e a perda definitiva da vantagem esperada pela vítima.

1. Chances sérias e reais

A observação da seriedade e da realidade das chances perdidas é o critério mais utilizado pelos tribunais para separar as chances potenciais e prováveis e, portanto, indenizáveis, dos danos puramente eventuais e hipotéticos, cuja reparação dever ser rechaçada.

Inicialmente vale ressaltar que as chances devem ser apreciadas objetivamente, diferenciando-se das simples esperanças subjetivas: um paciente que sofre de um câncer incurável pode manter suas esperanças de viver; cientificamente, porém, não existe qualquer chance apreciável de cura.

A verificação objetiva das chances sérias e reais é muito mais uma questão de grau do que de natureza[17]. Assim, somente a análise dos casos concretos possibilitará ao magistrado a verificação da real seriedade das chances. No entanto, pode-se traçar algumas características gerais, que auxiliam o aplicador do direito em um discernimento mais seguro e menos casuístico sobre a eventualidade do dano.

A jurisprudência francesa possui critérios interessantes, utilizando-se da diferenciação entre dano presente e dano futuro. Nas hipóteses de danos presentes, é possível negar (mesmo de maneira pouco freqüente) a reparação pela falta de seriedade das chances perdidas[18]. Nesse sentido é a decisão da Corte de Cassação que não concedeu a reparação a um cliente de uma corretora de valores pela perda da chance de ter sua carteira de ações auferido melhor rendimento, tendo em vista que foi comprovada a gestão fraudulenta da administradora. Apesar de ter sido comprovada a falha, a indenização não foi conferida, pois o mercado de ações, mesmo quando gerido por profissional diligente, é bastante imprevisível, tornando o dano meramente hipotético[19].

Nos casos de danos futuros, a existência do dano, medida por meio do critério da seriedade das chances, consiste na probabilidade que teria o autor de utilizar-se das chances em um momento futuro, e de essas chances alcançarem a vantagem almejada. Na pesquisa dessa probabilidade, tem-se em conta a proximidade temporal do momento em que ocorreu o ato danoso que extinguiu as chances e o momento em que essas chances seriam utilizadas, na obtenção da vantagem esperada[20].

Nesses casos, a jurisprudência mostra-se bem mais rigorosa para a concessão da indenização pela perda de uma chance, tendo em vista que quanto maior for o lapso temporal aludido, maiores serão as possibilidades de algum evento externo ter sido a causa da não-obtenção da vantagem esperada pela vítima, diminuindo as chances perdidas até o ponto de o dano ser considerado apenas hipotético[21].

Como exemplo da aplicação desse critério, há o caso em que a Corte de Cassação francesa cassou um acórdão de uma Corte de Apelação concessor de indenização pela perda de uma chance de auferir profissão bem remunerada para um menino de nove anos de idade, que havia sofrido um acidente por culpa de outrem; o acidente comprometera o seu outrora bom desempenho escolar e o deixara incapacitado para a realização de certas tarefas manuais. A Corte de Cassação, apesar de conceder indenização pela incapacidade parcial, negou a indenização do prejuízo advindo da perda de uma chance de obter profissão bem remunerada, tendo em vista a falta de comprovação da certeza do prejuízo e sua relação com o fato danoso[22]. Ao comentar esse aresto, afirma Yves Chartier que a Corte de Cassação já tivera  oportunidade de conferir indenização pela perda de uma chance de auferir profissão bem remunerada, mas não em casos em que a vítima era um menino de apenas nove anos. Considerando esta circunstância, diz Chartier, não se poderia afirmar,  com um mínimo de seriedade, que o garoto terminaria os seus estudos e teria carreira bem remunerada, pois uma gama enorme de fatores poderiam influir no seu caminho até a idade adulta[23].

Em muitos outros exemplos se evidencia a análise do caráter sério e real das chances perdidas, também instrumentalizado por meio do lapso temporal entre o momento da perda das chances e da sua potencial utilização, como na perda das chances de trilhar determinada carreira, em que o prejuízo só é aceito se a pessoa já efetuava estudos preparatórios nesse sentido. Em relação à perda da chance de conseguir um emprego após a aposentadoria, a Corte de Cassação francesa tem sido bastante rigorosa, devendo a vítima estar bastante perto da utilização da chance[24].

Alguns acórdãos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul auxiliaram na fixação de importantes balizas para a identificação da chance séria e real em nosso ordenamento. A apelação cível n. 70001076986, julgada em 30 de maio de 2001, decidiu um caso de invalidez de funcionário público gerada por um motim em uma penitenciária do Estado. A vítima, além de outros prejuízos, demandava a perda de uma chance de auferir, no futuro, melhor posição profissional. Em bem fundamentado voto, o citado Tribunal entendeu que as chances do funcionário, que ocupava cargo comissionado, eram por demais hipotéticas[25].

Vale lembrar que, apesar do lapso temporal aludido ser de extrema importância, a análise da seriedade das chances pode ser muito mais complexa. Com efeito, pode haver hipóteses em que o lapso temporal seja dilatado, mas a indenização concedida seja elevada, tendo em vista a consideração de outros fatores que determinam a seriedade da chance. Assim, no aludido caso da perda da chance de conseguir um emprego após a aposentadoria, a vítima poderia conseguir a indenização, mesmo que ainda distante do período de aposentadoria, se demonstrasse que na sua profissão este fato é extremamente comum, abarcando a imensa maioria dos trabalhadores[26].

            Oportuno fazer menção ao fato da Corte de Cassação italiana adotar, em alguns acórdãos, postura peculiar, considerando que o requisito de seriedade e certeza das chances perdidas somente seria alcançado se a vítima provasse que possuía, pelo menos, 50% de probabilidade de alcançar a vantagem esperada, isto é, que a ação do agente teria aniquilado 50% das chances da vítima alcançar seu desiderato[27]. Parece-nos bastante compreensível que o direito italiano tenha ficado isolado nesse entendimento, já que existem vários casos em que se pode identificar, com razoável grau de certeza, que a vítima tenha perdido, por exemplo, 20%, 30% ou 40% das chances de alcançar determinado objetivo. Nessas hipóteses, não teríamos nenhum argumento sólido para negar o provimento destas ações de indenização com a utilização da teoria da perda de uma chance. Por esta razão, o Enunciado do Conselho da Justiça Federal[28], recomenda: “Art. 927. A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos”.

Além de consignar a importância da seriedade da chance perdida para a correta aplicação da teoria da perda de uma chance, o posicionamento da jurisprudência italiana restou afastado pelo conjunto de juristas presentes ao evento, já que se sublinhou que a aplicação da teoria não está adstrita a percentuais apriorísticos.

A jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça vem prestando especial atenção ao requisito da seriedade da chance perdida. Ao examinar caso em que o Tribunal de origem havia condenado um médico por ter feito com que a paciente, que veio a falecer, tivesse perdido uma chance de vida, tendo em vista que os cuidados na fase pré-operatória não foram adequados[29], o Ministro Massami Uyeda proveu o recurso especial, para exonerar o médico de qualquer responsabilidade, pois não havia nos autos prova de que sua conduta houvesse subtraído chances sérias e reais, capazes de reverter o estado de saúde da paciente.

Com efeito, a chance cuja perda seja passível de indenização é somente aquela qualificada como “séria e real”[30] ou como “significativa ou substancial”[31]. Nesse sentido manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça ao rejeitar alegação de dano moral pela perda de uma chance requerida por proprietário de imóvel arrematado em leilão extrajudicial de imóveis[32]. A alegação dizia respeito à “perda da oportunidade de purgar a mora” e, assim, evitar a arrematação, porque os autores não haviam sido intimados pessoalmente, como determina a lei. Conquanto reconhecendo ser indispensável a intimação pessoal dos devedores acerca da data designada para o leilão do imóvel hipotecado em processo de execução extrajudicial, realizado nos termos do DL 70/66 (inocorrente, no caso), considerou-se ser “remota e inexpressiva” a chance de ser purgada a mora após a intimação pessoal dos devedores. Em outro acórdão[33], o mesmo Tribunal afastou pretensão indenizatória porque a oportunidade era “fluida” e não “real”. Na espécie, restou consignado que na hipótese de condutas negligentes por parte dos advogados, a perda de direitos dos clientes delas decorrentes devem ser entendidas “a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo”. A verificação da seriedade das chances perdidas é fundamental, pois uma simples perda de prazo não é capaz de gerar a automática condenação pela perda de uma chance.

Porém, em alguns casos, segundo a nossa análise, a jurisprudência brasileira utiliza-se de um critério muito rígido na análise da seriedade da chance perdida. Vale lembrar que não podemos utilizar a teoria apenas nos casos em que é praticamente certo que a vítima alcançaria a vantagem esperada, pois, nestas hipóteses, se indenizará a própria vantagem esperada, normalmente identificada com a categoria dos lucros cessantes. Um dos exemplos de extremada rigidez na análise das chances perdidas ocorreu no Tribunal de Justiça do Paraná[34], que também usou o requisito da seriedade das chances perdidas para negar a reparação para a vítima que havia efetuado um curso de técnico em enfermagem cujo diploma não era reconhecido pelos órgãos oficiais. Acreditamos que, neste caso, o Tribunal citado possa ter sido muito restritivo, ao menos de uma perspectiva compararivista. Na França, por exemplo, o requisito para que a chance de se alcançar determinada profissão seja séria é exatamente o começo dos estudos específicos correspondentes. Ressalte-se que a profissão almejada pela vítima possui alto grau de empregabilidade.

2. A consideração da álea que afeta a chance perdida na concessão da indenização—quantificação de danos.

Na quantificação do dano e para conceder a indenização, os juízes terão sempre de levar em conta a álea contida na chance perdida. Desse modo, imperioso que a indenização concedida pela perda de uma chance seja sempre menor do que a indenização que seria concedida pela perda da vantagem esperada, caso a perda desta estivesse em relação de causalidade com a conduta do agente[35]. Foi nesse sentido decisão da Corte de Cassação francesa ao anular a decisão da Corte de Apelação de Rennes. Esta havia concluído que a falha de um cirurgião subtraíra apenas as chances de sobreviver da vítima, tendo em vista não haver nexo causal da falha médica com a morte do paciente. Porém, a Corte de Apelação condenou o cirurgião a indenizar o dano advindo da morte do paciente. De acordo com Paul-Julien Doll, comentarista da decisão, a contradição da Corte de Rennes é flagrante: de um lado,  condenou o cirurgião pela perda de uma chance de sobreviver, de outro, conferiu indenização para reparar a perda da vantagem esperada, sendo essa a sobrevivência da vítima[36]. No mesmo sentido manifesta-se Raymond Martin, ao analisar a cassação de um acórdão da Corte de Apelação de Bordeaux condenando um advogado que perdera o prazo recursal a pagar o valor total da causa como indenização ao seu cliente[37]; o correto seria somente responsabilizar o causídico pela perda de uma chance.

É bastante comum encontrarmos na doutrina e na jurisprudência a afirmação segundo a qual a reparação da perda de uma chance só poder ter como efeito uma "reparação parcial". Esta utilização apressada dos termos se explica (mas não se justifica) porque a avaliação do dano advindo da perda de uma chance se dá por meio da comparação com a vantagem esperada[38], cuja indenização ensejaria uma indenização “integral”. Assim, se o advogado deixa de interpor um recurso em ação que versava sobre matéria controvertida, o juiz deverá indenizar apenas as chances perdidas, pois não se pode afirmar, com certeza, qual seria o resultado final da demanda. Entretanto, é o resultado final da demanda que representará o valor sobre o qual serão calculadas as chances perdidas. Desta feita, se a demanda julgada favoravelmente traria uma vantagem econômica de dez mil reais e se, antes de interpor o recurso, a vítima contava com 30% de chances de reverter a sentença que não lhe foi favorável, a indenização final pela perda da chance deverá ser de três mil reais[39].

Isso não significa de modo algum estar o dano pela perda de uma chance infenso ao princípio da reparação integral: pelo contrário, a indenização concedida sempre repara de forma integral as chances perdidas, pois, para grande parte da doutrina e da jurisprudência, a perda de uma chance é um dano específico e independente em relação ao dano final, que era a vantagem esperada definitivamente perdida[40]. O que se pode afirmar, conforme Jean-Pierre Couturier é ser a “função chance perdida” derivada da “função vantagem esperada (dano final)”, variando conforme esta varia[41] apesar de manter a sua independência.

A metodologia utilizada pela jurisprudência norte-americana guarda as mesmas linhas seguidas pelos juristas franceses. Destarte, em Falcon v. Memorial Hospital[42], a Suprema Corte de Michigan julgou o caso de uma gestante falecida logo após o parto, devido a uma embolia. Os peritos admitiram que a morte era imprevisível, não podendo o médico ser responsabilizado. Entretanto, conforme então comprovado, 37,5% das pessoas atingidas pelo mesmo problema sobrevivem, desde que recebam o correto tratamento médico. No caso, foi constatado que a falta de uma terapêutica correta por parte do médico retirara as chances de vida da Sra Falcon. Foi concedida indenização pelo dano, representando 37,5% do valor que seria deferido se o médico fosse considerado responsável pela morte da vítima.

Kevin J. Willging, ao comentar o caso, afirma que a quantificação do dano deve refletir a porcentagem de chances perdidas[43]. Em McKellips v. St. Franceis Hosp[44], a Suprema Corte de Oklahoma utilizou a mesma sistemática de quantificação de danos[45].

Apesar de grande parte dos julgados brasileiros não atentar para uma fórmula correta ou, ao menos, mais clara para a quantificação da chance perdida pela vítima, alguns recentes precedentes demonstram a preocupação com esse importante aspecto da teoria da perda de uma chance. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina[46] julgou espécie em que um policial militar aposentado irregularmente perdera a chance de galgar cargos mais importantes na carreira. O Tribunal reconheceu o aspecto probabilístico da demanda e quantificou a indenização em valor inferior ao total dos salários que ele receberia caso a promoção fosse um acontecimento certo. Na mesma linha, tem-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça, deferindo indenização por dano moral e dano patrimonial em valores inferiores ao salário de vereador para um candidato que havia perdido considerável chance de se eleger devido à veiculação de notícias falsas por um rádio local[47].

Nos casos mencionados, se pode observar a utilização combinada das duas últimas condições da Corte da Cassação acima referidas: primeiramente, o fator sério e real é critério para avaliar a existência das chances perdidas; em um segundo momento, serve para medir o grau de álea contido na chance e, conseqüentemente, o valor final da indenização, tendo como padrão o valor da vantagem esperada[48]. Deste modo, é possível sugerir que na análise dos casos, a chance passa pelo “plano da existência” para, posteriormente, examinar-se a probabilidade da vítima de obter a vantagem esperada. É, portanto, com a rigorosa observância das condições referidas[49] que a jurisprudência internacional logra adequar a utilização da noção da perda de uma chance com a necessidade de certeza do prejuízo.

3. Perda definitiva da vantagem esperada - A diferenciação da perda de uma chance da simples criação de um risco.

Como até aqui mencionado, a teoria da perda de uma chance é utilizada devido à impossibilidade de se saber se a “aposta”, isto é, o processo aleatório, apresentaria um resultado positivo para a vítima[50]. Entretanto, a incerteza não pode subsistir em relação à perda definitiva da vantagem que a vítima esperava obter ao final do processo aleatório. Os irmãos Mazeaud asseveram que a reparação do dano pela perda de uma chance somente poderá ser concedida quando “não é mais possível esperar para saber se o prejuízo existirá ou não existirá; a realização do dano não mais depende de eventos futuros ou incertos. A situação é definitiva; nada mais vai modificá-la; por sua culpa, o réu interrompeu o desenvolvimento de uma série de fatos que poderiam ser causas de ganhos ou perdas”[51].

De fato, uma sentença judicial não poderá ser reformada depois de o recurso de apelação não ter sido conhecido por culpa do advogado que perdera o prazo de interposição, implicando o trânsito em julgado da demanda e ocasionando ao seu cliente a perda definitiva do bem da vida que esperava obter se lograsse êxito no aludido recurso; do mesmo modo o candidato a um concurso para o cargo de piloto de avião nunca mais poderá atingir a carreira profissional almejada após o acidente no qual os dois braços lhe foram amputados culposamente. Nesses dois casos se vê claramente ter sido definitivamente perdida a vantagem esperada, apesar de não se saber se ela seria alcançada sem a ocorrência do fato culposo. Portanto, pode-se afirmar que a teoria tradicional da responsabilidade pela perda de uma chance tem na perda definitiva da vantagem esperada um dos seus requisitos fundamentais[52]. Diferentemente, porém, na situação em que um aluno é impossibilitado de prestar o exame vestibular, o dano será a perda de uma chance de não ter passado em um único exame determinado, pois o aluno poderá, no futuro, “tentar” a sua chance em um ou em vários outros certames até conseguir a vantagem esperada: lograr a aprovação no vestibular.

Há hipóteses, contudo, em que a constatação da real abrangência do prejuízo já não é tão simples. Com efeito, a Corte de Cassação francesa decidiu demanda na qual um segurado postulara indenização pelo fato de o corretor de seguros contratado tê-lo feito assinar uma apólice que continha várias cláusulas limitativas do dever de indenizar, pela seguradora, mesmo sem ter ocorrido nenhum sinistro. A Corte concluiu pelo caráter hipotético do dano, considerando: se não ocorresse o sinistro e, consequentemente, não aflorassem as hipóteses de isenção de responsabilidade da seguradora, não adviria qualquer dano para o segurado[53]. Assim, somente se, no prazo de cobertura securitária ocorresse o sinistro o segurado poderia perceber alguma espécie de prejuízo derivado da cláusula limitativa do dever de indenizar. De outro modo, qual o dano decorrente da cláusula poderia ocorrer, na inexistência de qualquer sinistro?

Note-se que o caso por último apresentado guarda uma diferença essencial em relação aos demais, visto que o dano ainda poderia vir a ser observado se ocorresse, conjuntamente, o sinistro e a hipótese de não responsabilização da seguradora. Porém, nesse caso, estar-se-ia indenizando um dano hipotético, dano que poderia vir a ocorrer - mas não teria ocorrido. É importante distinguir essa situação - caracterizada como uma simples criação de riscos[54] - daquelas objeto da perda de uma chance. Nos casos de simples aumento de riscos, a vítima também se encontra em um processo aleatório que visa alcançar uma vantagem ou evitar um dano. Entretanto, a vítima ainda não sofreu o prejuízo derradeiro, tampouco perdeu a vantagem esperada de forma definitiva, apenas, devido à conduta do réu, aumentaram os riscos de ocorrência de uma situação negativa. Porém, é impossível saber se em momento futuro a perda definitiva da vantagem esperada pela vítima será efetivamente observada[55].

Imperioso ressaltar que, quando falamos em responsabilidade pelo risco criado, não estamos nos referindo à responsabilidade civil objetiva, que fundamenta a reparação na teoria do risco, e não na da culpa. Com efeito, a grande maioria dos casos até aqui citados apresenta a conduta culposa do agente como requisito para a reparação. O que se está a especular é se a simples criação de uma situação perigosa, ou seja, um risco criado (muitas vezes ocasionado por uma conduta culposa), poderia, ou não, constituir o objeto de uma ação de reparação.

Não fazem parte do conteúdo deste singelo estudo maiores aprofundamentos a respeito da responsabilidade sobre criação de risco. Ainda assim parece relevante compreender as suas características básicas para bem diferenciar a teoria da perda de uma chance de algumas situações limítrofes.

II) O transplante do modelo, e as suas vicissitudes 

Apontadas até aqui as condições  mais importantes para a correta aplicação da teoria da perda de uma chance, alicerçando o que entendemos ser o modelo doutrinário a ser seguido, cumpre demonstrar o grau de aceitação desse modelo pela jurisprudência.

1. Aceitação da teoria da perda de uma chance na jurisprudência brasileira.

O momento atual é caracterizado pela ampla aceitação e utilização da teoria da perda de uma chance pelos tribunais pátrios, principalmente aqueles situados nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil. Vale lembrar que esse fato é recente, sendo que a grande maioria dos julgados que se utilizam da teoria foi prolatada no transcorrer da última década. O Superior Tribunal de Justiça custou a utilizar a teoria da perda de uma chance de maneira “consciente”, ou seja, vinculando os casos concretos aos princípios e requisitos da teoria e acatando, dessa forma, o modelo doutrinário.

Em meados da década passada, um acórdão paradigmático foi julgado pelo STJ. É amplamente conhecido como o “caso do Show do Milhão”, sendo este espécie de concurso televisivo no qual os candidatos deveriam acertas determinadas perguntas. No julgamento do caso, as premissas da teoria da perda de uma chance foram notadas[56]. Mesmo silenciando sobre os requisitos e particularidades da teoria, o Tribunal acatou a tese da defesa, que alegava ter a vítima tido a possibilidade de lograr êxito na última questão do programa, chance que lhe havia sido suprimida pelo fato de uma das questões não ter, deliberadamente, resposta possível. Como o obstáculo final consistia em uma questão de múltipla escolha, contendo quatro opções, poder-se-ia dizer, estatisticamente, que a vítima possuía 25% de chances de ganhar os R$ 500.000,00 e, portanto, sua chance valeria R$ 125.000,00.

Mais atual é a decisão, digna de aplausos[57], que apreciou um caso de chance perdida pela falha do causídico em apresentar recurso tempestivo. A importância desse julgado é inegável, pois bem aprecia as condições e os efeitos da aplicação da teoria da perda de uma chance. A conclusão é que o autor da demanda não faz jus à indenização por danos patrimoniais, tendo em vista o bem da vida (vantagem esperada) almejado na demanda judicial patrocinada pelo réu ter sido  alcançado em demanda posterior, . Ademais, o acórdão ainda deixa absolutamente claro não estar a teoria da perda de uma chance circunscrita à seara dos danos morais, podendo, em tese, ser considerada como dano patrimonial.

Em que pese seguir-se, nessas decisões, o bom caminho, atento aos requisitos exigidos pela Teoria da perda de uma chance, em outras ocasiões - muito provavelmente pela ausência, por longos anos, de um modelo doutrinário a oferecer fundamentos sólidos à hipótese – são verificados alguns problemas.

2. As vicissitudes do transplante: os julgados e suas idiossincrasias

A natureza do “dano chance perdida” será a mesma do “dano vantagem esperada”: se a vítima esperava ganhar, ao final de uma demanda judicial, R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a perda da chance terá, evidentemente, natureza patrimonial. Do contrário, se a vantagem esperada pela vítima, ao final da demanda judicial, fosse obter a guarda dos filhos, o dano terá caráter extrapatrimonial. Infelizmente, porém, a jurisprudência, consoante linha bastante difundida, nem sempre  parece seguir esse raciocínio essencial[58].

Encontra-se bom exemplo do equívoco acima apontado em manifestação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, quando julgou demanda proposta por pessoa jurídica contra seu antigo advogado, visto que este havia perdido a oportunidade de recorrer de uma sentença proferida em uma reclamatória trabalhista, devido à intempestividade do recurso interposto[59]. O Relator afirmou: “estabelecida a certeza de que houve negligência do mandatário, o nexo de causalidade e estabelecido o resultado prejudicial, demonstrado está o dano moral, haja vista que, segundo a doutrina majoritária, o dano moral advém do próprio fato”. O fato de a autora da referida demanda ser pessoa jurídica é importante, pois, mesmo o Código Civil prevendo a possibilidade de se indenizar o dano moral sofrido por pessoa jurídica[60] indene de dúvidas que tal reparação somente ocorre em casos bem específicos, advindos da lesão à chamada honra objetiva. Portanto, além da dificílima tarefa de imaginar a existência de dano moral na espécie, certa é a existência de dano patrimonial (representado pela condenação pecuniária na demanda trabalhista) decorrente da chance perdida, o que foi ignorado pelo julgado. Em outro caso, porém, decidido no mesmo Tribunal[61], a indenização por dano moral foi denegada, alinhando-se com o entendimento expresso no Enunciado 444 da V Jornada de Direito Civil[62].

Sobre o mesmo tema - isto é, a definição da natureza da chance perdida -, o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão[63] já antes citado sublinhou a necessidade de se garantir a correta definição da natureza jurídica da chance perdida, demonstrando a inadequação de conferir indenização sob o manto do dano moral para prejuízos de natureza evidentemente patrimonial.

Como se pôde notar, a identificação dos danos extrapatrimoniais como única manifestação da teoria da perda de uma chance é um dos principais problemas evidenciados pela análise jurisprudencial, como se a porta larga do "dano moral" a tudo deixasse entrar. Outras idiossincrasias podem ser identificadas nos tribunais pátrios: a confusão conceitual existente entre a indenização das chances perdidas e a indenização da própria vantagem esperada pela vítima, que seria auferida caso esta lograsse êxito ao final do processo aleatório em que se encontrava, é um dos principais obstáculos.

Destarte, fragmentos de alguns acórdãos[64] parecem indicar que a Teoria da perda de uma chance estaria sendo utilizada para suavizar o ônus da prova do nexo de causalidade entre a conduta do réu e a perda da vantagem esperada, normalmente identificada com a categoria dos lucros cessantes. Essa orientação pôde ser notado no aresto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[65], em que o réu foi impedido de vender sua quota-parte de um caminhão porque este havia sido, integral e equivocadamente, alienado para um banco. A teoria da perda de uma chance foi usada para garantir a indenização, mesmo as perdas financeiras sofridas pela vítima se encaixando naquilo que ela “razoavelmente deixaria de ganhar”, hipótese típica, portanto, de lucros cessantes.

O avançar deste entendimento seria um duro golpe na interessante caminhada dogmática acerca da perda de uma chance em nosso ordenamento, pois seria confundida com a categoria dos lucros cessantes, já tão bem delimitada no art. 402 do Código Civil e tão bem trabalhada pela doutrina e pela jurisprudência. Devemos ressaltar que a noção de perda de uma chance somente pode ser utilizada quando não existe causalidade necessária entre o fato danoso e a perda da vantagem almejada pela vítima. Neste sentido, também é considerada abusiva a utilização da perda de uma chance no caso em que um notário, por sua negligência, deixara de efetuar, tempestivamente, a averbação da partilha dos bens de um casal, ocasionando a penhora dos bens de um dos cônjuges pelos credores do outro cônjuge. Ora, nesse caso a falha do notário foi muito além da subtração de uma simples chance, constituindo-se como conditio sine qua non para o aparecimento do dano sofrido pela vítima, devendo gerar responsabilidade integral pela perda do patrimônio[66].

Felizmente, já se pode afirmar que muitos dos acórdãos mais recentes estão aperfeiçoando a jurisprudência brasileira, livrando-a das idiossincrasias mais marcantes. Para tanto, o modelo dogmático oferecido pode ser de valia.

Conclusão

Como argutamente observou Rui Cardona Ferreira, em recente monografia, “a evidência da utilidade prática da perda de chance é, justamente, o seu maior inimigo[67].

A observação do professor lusitano atesta que a grande aplicabilidade prática da teoria da perda de uma chance e o sentido de equilíbrio e justiça que emana da sua utilização em relação a casos muitas vezes complexos faz aflorar – em países de tradição recente como a Itália e, ajunto eu, o Brasil -- uma aplicação “meteórica” do instituto, destituída de fundamentação teórica sólida.

Durante o presente trabalho analisou-se, de maneira sintética, os requisitos de aplicação da teoria da perda de uma chance, como a seriedade das chances perdidas, a consideração da álea na quantificação da chance perdida e a perda definitiva da vantagem esperada, que constituem, em nosso sentir, os fatores que podem conferir a referida solidez teórica necessária para uma correta aplicação do instituto da responsabilidade civil pela perda de uma chance.

As considerações sobre as idiossincrasias observadas na aplicação prática da teoria da perda de uma chance, por nossos tribunais, revela certo divórcio com a recente doutrina produzida no país. Entretanto, o inegável avanço dos recentes posicionamentos jurisprudenciais, com destaque para o Superior Tribunal de Justiça, comprova a importância e a influência do incipiente modelo hermenêutico nacional. Vale lembrar que o ordenamento jurídico é composto por normas e por modelos jurídicos --- conforme pensamento de Miguel Reale --- estes últimos consistindo em estruturas normativas que provém das quatro fontes de produção jurídica: a legislativa, a jurisdicional, a costumeira e a negocial, todas dotadas de prescritividade. A essas fontes se ajunta a doutrina no papel de vanguarda, apontando possíveis soluções e assim formando modelos hermenêuticos ou prospectivos. Estes, conquanto não prescritivos, pois à doutrina não é reconhecido o caráter de fonte, podem ser apreendidos pela fonte jurisprudencial, acabando, por esta razão, por revestir-se de positividade[68].


Notas e Referências:

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Lista de abreviaturas e siglas:

Chron – Chronique

D - Dalloz Gaz. Pal – Gazette du Palais I.R.- information rapide JCP – Juris-classeur périodique pan.- panorama Resp. civ. et assu. - Revue de Responsabilité civile et assurance RGAT – Revue générale des assurances terrestres RIDC – Revue internationale de droit comparé RTDC – Revue Trimestrielle de Droit Civil RTDSS - Revue trimestrielle de droit sanitaire et social
Notas e Referências: [1] Trabalho originalmente publicado em Martins-Costa, Judith. (org.). Modelos de Direito Privado. São Paulo: Marcial  Pons. 2014.

[2] SPEAKER, Paul. The applications of the loss of a chance doctrine in class actions. Review of Litigation. Spring, 2002, p. 350. “Regardless of whether it is applied in the class action or individual context, the loss of chance doctrine is a major departure from the state of the law before its introduction, no matter what justification a court offers. Application of the loss of chance doctrine requires a complete reconceptualization of both the causation analysis as well as the measure of damages. [Sem grifos no original].

[3] Nesse sentido BORÉ, Jacques. L’ indemnisation pour les chances perdus: une forme d’appreciation quantitative de la causalite d’un fait dommageable. J.C.P, 1974, I. 2620. e MAKDISI, John. Proportional Liability: A Comprehensive Rule to Apportion Tort Damages Based On Probability. North Carolina Law Review, vol. 67, p. 1063, 1989.

[4] Ver, por todos, KING JR., Joseph H. Reduction of likelihood reformulation and other retrofitting of the loss-of-a-chance doctrine. University of Memphis Law Review. p. 492, Winter 1998, p. 492. No direito brasileiro, interessante ver a sistematização proposta por NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003.

[5] Para uma análise ampla de todas as teorias, ver PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013, pp. 50-114.

[6] O Superior Tribunal de Justiça julgou espécie semelhante, quando decidiu o famoso caso do “show do milhão”, que será tratado com maior vagar na última seção.

[7] Espécie julgada pela Corte de Cassação francesa em 1998: em J.C.P. 1988, II. 10143 Nota Raymond Martin. O Superior Tribunal de Justiça ratificou seu entendimento em relação à teoria da perda de uma chance nesta recente decisão: Superior Tribunal de Jutiça. Terceira Turma.  REsp 1.079.185/MG. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 11 de novembro de 2008.

[8] Espécie julgada pela Corte de Cassação francesa em 1970. Em J.C.P,. 1970 II. 16456, Notas de Le Tourneau.

[9] CHABAS, François. La perte d’une chance en droit français. Palestra inédita proferida na Faculdade de Direito da UFRGS, em 26 de maio de 1990.

[10] PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 12.

[11] Nesse sentido BORÉ, Jaques. L’ indemnisation pour les chances perdus: une forme d’appreciation quantitative de la causalite d’un fait dommageable. J.C.P. 1974, I.2620

[12] PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 13.

[13] Acerca dos modelos hermenêuticos e da teoria dos modelos de Miguel Reale, confira-se MARTINS-COSTA, Judith.  Direito e cultura: entre as veredas da existência e da história, Revista do Advogado, nº 61, nov./ 2000, p. 75, “Correspondentes, no plano jurídico, às estruturas normativas verificadas nas estruturas sociais, os modelos são constantemente construídos pela experiência jurídica, distinguindo-se entre modelos jurídicos - assim provenientes das quatro fontes de produção jurídica, dotados que são de força prescritiva - e os modelos dogmáticos, ou hermenêuticos, cuja elaboração é doutrinária e cuja força é indicativa, argumentativa e persuasiva.”

[14] O fenômeno é recente e não é comum a todos os países do common law, estando restrito aos Estados Unidos. Como referem Jamin e Jestaz, em alguns aspectos, a doutrina norte-americana, formada por estudos de professores, está se aproximando do papel da doutrina francesa na tarefa de orientar e de "racionalizar" as soluções jurídicas. JESTAZ, Philipe; JAMIN, Christople. La Doctrine. Paris: Dalloz, 2004, p. 11.

[15] “As sentenças, em nosso País, desde muito tempo, decerto desde a Lei da Boa Razão, ou antes ainda, refletiam as opiniões de autores de diversos sistemas jurídicos, permanecendo assim, até mesmo após o advento de nosso Código Civil. Para a aplicação do Direito, os juízes servem-se de autores nacionais e estrangeiros, como se houvesse ainda um ‘Direito Comum’, supranacional. Essa orientação, em geral, não existe na Europa; e daí a espeficiente de nossas sentenças, a sua maior abertura à doutrina, que é, assim, fonte de Direito.” COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Miguel Reale civilista. Revista dos Tribunais, vol. 672, 1991, p. 54. Ver também COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. O direito civil brasileiro em perspectiva histórica e visão de futuro. Revista Ajuris, vol. 40, 1987, p. 138. “Ficou, de tudo, o gosto – maior, talvez em Portugal que no Brasil, e ainda em pleno vigor em nossos dias – em argumentar com as opiniões de autores e textos estrangeiros em confronto e complementação do Direito nacional. Esse intercâmbio de ideias pode ser considerado como uma permanente recepção do Direito estrangeiro, com o que se supera o fatal imobilismo dos códigos.” Judith Martins-Costa explica a origem do termo “bartolismo”: “É que a importância da penetração, em Portugal, da obra dos juristas do Direito comum, testemunhada desde o século XII, tenderá a crescer mediante o recurso cada vez mais intenso às opiniões e ao método de Bartolo de Saxoferrato (1315-1357), o mais célebre dos comentaristas, justamente o que se particularizou por um singular método, qual seja o de compatibilizar os ‘ensinamentos universais’ com os costumes locais [...].” MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 242.

[16] REALE, Miguel. Fontes e Modelos do Direito – para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1999.

[17] CHARTIER, Yves. La réparation du préjudice. Paris: Dalloz, 1996. p. 10 e LE TOURNEAU, Philippe; CADIET, Loic. Droit de la responsabilité, action dalloz. Paris: Dalloz, 1998, p. 212.

[18] Em uma situação de responsabilidade de advogado pela interposição de recurso intempestivo, o Desembargador Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, em decisão de 17 de setembro de 2003, realizou coerente análise da seriedade das chances perdidas. Diante da pouquíssima probabilidade de o recurso obter provimento de mérito, considerou que o não-conhecimento do recurso, devido à intempestividade, não representava uma chance digna de reparação. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 70005635750. Relator: Des. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Julgado em 17 de setembro de 2003.

[19] Decisão de 19.02.75, Bull.crim. 1975, nº 59, p. 161. Entretanto, em mais recente acórdão da Corte de Apelação de Paris (12.04.96, in J.C.P. 1996. II. 22705, nota de Philippe Le Tourneau), foi julgado um caso extremamente semelhante que recebeu decisão distinta. Uma pessoa física intentou ação de indenização contra uma companhia que administrava fundos de ações, com a qual havia firmado contrato de gestão de carteira de ações. A carteira de ações (portfólio) do demandante sofreu uma perda de mais de 20% em menos de 9 meses, enquanto o índice “CAC 40” havia aumentado 7%. O demandante não teve sua pretensão acolhida pelas instâncias inferiores. Philippe le Tourneau, ao comentar o caso, afirma que, apesar da obrigação da empresa ser de meios, o tribunal considerou que o demandante comprovou a culpa da empresa por não ter informado de maneira eficiente o cliente sobre o desenvolvimento dos investimentos e por ter realizado operações absolutamente “amadoras” e sem coerência. Deste modo, condenou a empresa pela “perda da chance de encontrar um novo equilíbrio em uma gestão melhor supervisionada e de efetuar uma estratégia com escopo de limitar as perdas” sofrida pelo cliente. Para quantificar a indenização, a Corte fixou uma indenização arbitrária de 50.000,00 francos, bem abaixo das perdas econômicas sofridas pelo demandante. Porém acreditamos que o referido acórdão seria cassado pelo Corte de Cassação, tendo em vista que fixa a indenização sem atentar para bases técnicas. Note-se que o caráter aleatório do dano impede uma fixação coerente.

[20] Nesse sentido CHARTIER, Yves. La réparation du préjudice. Paris: Dalloz, 1996, p. 14.

[21] VINEY, Geneviéve; JOUIDAIN, Patrice. Traité de Droit Civil. 2. ed. Paris: L.G.D.J., 1998, p.82.

[22] J.C.P. 1985.II. 20360 note Chartier. Decisão proferida em 9 de novembro de 1983.

[23] J.C.P. 1985.II. 20360 note Chartier. Decisão proferida em 9 de novembro de 1983.

[24] VINEY, Geneviéve; JOUIDAIN, Patrice. Traité de Droit Civil. 2. ed. Paris: L.G.D.J., 1998,  p. 83.

[25] Oportuno transcrever o fragmento do voto da desembargadora relatora Mara Larsen Chechi: “A situação de Edinei não se reveste daqueles requisitos. Em primeiro lugar, o titular do cargo em comissão não tem carreira, que é atributo da organização dos cargos de provimento efetivo, conforme Lei Complementar no 10.098/94. Ademais, o autor Edinei encontrava-se na melhor posição a que suas atribuições poderiam conduzi-lo, não se vislumbrando possibilidade de ascensão a cargo de nível superior ao que exercia.

É evidente que as chances, hipoteticamente perdidas, por Edinei, só podem ser consideradas no contexto do funcionalismo, já que a ação veio dirigida contra o Estado e não consta nenhum registro de que tivesse trabalhado em outra atividade privada, com possibilidade de ascensão. Assim, representaria simples exercício especulativo atribuir-lhe indenização por perda de chance na esfera privada, sem prova nesse sentido. Se do fato não resulta frustração de expectativa séria de evitar uma perda, não é possível conferir ao apelante Edinei a reparação correspondente.”

[26] Georges Durry afirma que a Corte de Cassação foi muito rigorosa quando não proveu o apelo de um policial inválido que requereu a indenização pela perda de uma chance de conseguir um emprego após a aposentadoria, tendo em vista que as estatísticas mostram que uma enorme parte dos policiais exercem funções remuneradas após a aposentadoria. DURRY, Georges. La notion de perte d’une chance réparable. RTDC, 1976, p.778.

[27] Nesse sentido SAVI, Sergio. Responsabilidade Civil Por Perda de uma Chance. São Paulo: Atlas. 2006, p. 31, que considera correto o entendimento manifestado na doutrina e jurisprudência italianas.

[28] Enunciado 444. V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, Brasília, 2011, por nós proposto e provado por unanimidade.

[29] Superior Tribunal de Justiça. REsp 1104665/RS. Rel. Min. Massami Uyeda. Julgado em 09.06.2009. Disponibilizado em 04.08.2009. Revista Forense, vol. 405 p. 449 RSTJ vol. 216, p. 464. Do voto do Relator extrai-se: “Na espécie, o Tribunal de origem, ao analisar a relação entre a conduta do profissional do médico ANTÔNIO CLÁUDIO MARQUES CASTILHO e o resultado morte causado à paciente Eracy Moura dos Santos, assim fundamentou, in verbis: "O resultado morte poderia ter sido evitado caso tivesse havido acompanhamento prévio e contínuo de cardiologista, caso tivesse havido acompanhamento médico mais próximo, no período pós-operatório? Não há como fazer qualquer afirmação. Mas é possível que sim" (grifo desta Relatoria). Tal conclusão do Tribunal de origem, aliada aos fundamentos expostos, afasta a aplicação da teoria da perda da chance ao caso dos autos”. Na ementa, vem bem explicitado o raciocínio, registrando-se: “(...). A chamada "teoria da perda da chance", de inspiração francesa e citada em matéria de responsabilidade civil, aplica-se aos casos em que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável; (...)”.

[30] Assim, em regra, na doutrina francesa, v.g., LE TOURNEAU, Philippe; CADIET, Loic. Droit dela Responsabilité. Action Dalloz. Paris: Dalloz, 1998 p. 212. Utilizou-se essa adjetivação em: PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil pela Perda de Uma Chance. São Paulo, Atlas, 2013, p. 138; e em MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do Inadimplemento das Obrigações. Arts. 389 a 420. Vol. V, Tomo II. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 540.

[31] “Substancial chance”, como está na decisão canadense: Hotson V. Fitzgerald (1985) Q>B>D.1; W.L.R. 1036

[32] Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. REsp 1115687/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgado em 18.11.2010. Disponibilizado em 02/02/2011.

[33] Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. REsp. 1190180/RS. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 16.11.2010. Disponibilizado em 22/11/2010.

[34] Tribunal de Justiça do Paraná. Sétima Câmara Cível. AC 0511948-2. Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Ruy Francisco Thomaz. Julgado em 16.09.2008. Votação Unânime.

[35] Nesse sentido CHARTIER, Yves. J.C.P. 1985. II, 20360, 2ª espécie; MAZEAUD, Henri; Leon, Jean; CHABAS, François. Leçons de Droit Civil. Vol. 1. Tomo II. 9. ed. Paris: Montchrestien, 1998; VINEY, Geneviéve; JOUIDAIN, Patrice. Traité de Droit Civil. 2. ed. Paris: L.G.D.J., 1998;  LE TOURNEAU, Philippe; CADIET, Loic. Droit de la responsabilité, action dalloz. Paris: Dalloz, 1998, p. 213.

[36] DOLL, Paul-Julien. Gazette du Palais, Paris, 1973, p. 630. No mesmo sentido decidiu a Corte de Cassação em 19.06.96 em Dalloz, 1998. sommaires commentés. 50 obs Claude J. Berr.

[37] MARTIN, Raymond. J.C.P, 1998.II. 10.143.

[38] Nesse sentido o caso comentado por SAVATIER. J.C.P, 1974. II. 17643.

[39] CHARTIER, Yves. La réparation du préjudice. Paris: Dalloz, 1996, p. 15. Como bom exemplo de coerente resultado quantitativo temos a Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível 7219871900. Apelante: Unibanco. Apelado: Ricardo Audi. Relator: Des. Moura Ribeiro, julgado em 27 de novembro de 2008, cujo extrato da ementa segue abaixo, “(...)Evidente responsabilidade do banco-réu, que foi negligente ao firmar e executar contrato que continha assinatura falsa - Prejuízos morais e materiais ao autor, empresário que teve obstada a concessão de crédito para o desenvolvimento de projeto em' razão da negativação do seu nome - Dano .moral que independe de comprovação - Verba indenizatória dos danos morais mantida, face à repercussão da conduta do. banco réu, da condição econômica das partes, do abalo sofrido e da quantia pela qual o autor foi demandado - Critério para,a fixação dos danos materiais que merece ser reformado em parte - Aplicação da teoria dá “perda de uma chance”- Foi tirada do autor a oportunidade de obter um provável, mas não absolutamente certo, resultado proveitoso - Indenização pela chance perdida e não pelo resultado visado - Preliminares rejeitadas - Recurso parcialmente provido” (grifos nossos)

[40] SARGOS, Pierre. J.C.P. 1997.II.22921 e MAZEAUD, Henri; Leon, Jean; CHABAS, François. Leçons de Droit Civil. Vol. 1. Tomo II. 9. ed. Paris: Montchrestien, 1998, p. 428 e ss.

[41] Nesse sentido COUTURIER, Jean-Pierre. Dalloz. Paris:, 1991, p. 158 e seguintes.

[42] Falcon v. Memorial Hosp., 462 N.W.2d 44, 52 (Mich.1990).

[43] WILLGING, Kevin Joseph, 1993, p. 554. “In Falcon, the Michigan Supreme Court found a solution to the problem of valuing Mrs. Falcon's loss: because the defendants in Falcon were responsible for depriving Nena Falcon of only a percentage of her chance of survival, the court determined that their liability should reflect that percentage. Therefore, because Nena Falcon had only a 37.5% chance of survival due solely to her preexisting condition, the physicians were held liable only for an identical percentage of the amount awarded under a wrongful death action.”[Sem grifos no original] No mesmo sentido KING JR, Joseph H, Reduction of likelihood reformulation and other retrofitting of the loss-of-a-chance doctrine. University of Memphis Law Review, Winter, 1981, p. 1381 e ss.

[44] 741 P. 2d 467 (Okla. 1987)

[45] BRUER, Robert S. Loss of a chance as a cause of action in medical malpractice cases. Missouri Law Review, Fall, 1994, p. 983.

[46] Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível 2007.056997-6. Relator: Des. Pedro Manoel Abreu. Julgado em 12 de fevereiro de 2010.

[47] Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. REsp 821004/MG. Rel. Min. Sidnei Beneti. Julgado em 19/08/2010. Disponibilizado em 24/09/2010.

[48] Nesse sentido, VINEY, Geneviéve; JOUIDAIN, Patrice. Traité de Droit Civil. 2. ed. Paris: L.G.D.J., 1998. p. 85. Nas precisas palavras de José Duclos temos “Aussi, en général, une jurisprudence constante prend en compte l’aléa inhérent à la chance perdue, et module l’indemnisation selon que cette chance était plus ou moins grande. Le quantum des dommages-intérêts est donc nécessairemente inférieur au profit ou à l’absence de perte que la victime aurait connu, si l’espoir légitime qu’elle nourrissait s’était finalement concrétisé. En aucun cas, la réparation ne peut égaler ce profit ou cette perte” DUCLOS, José. Le régime de la responsabilité du banquier et la décharge des cautions. J.C. P. 1984. II. 20237 observations. (grifos nossos)

[49] Não podemos deixar de registrar, a este propósito, que as contribuições mais valiosas para a quantificação das chances perdidas pela vítima advêm dos juristas da Common Law . O professor Paul Speaker, em original trabalho, publicado em 2002, propugna por um padrão de quantificação que modifica a forma de calcular o valor da chance perdida nos casos em que a causalidade parcial é chamada a depor , mas tal estudo vai além dos limites do presente trabalho. Vide: SPEAKER, Paul. The applications of the loss of a chance doctrine in class actions. Review of Litigation, Spring, 2002, e os juristas mencionados em: PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil pela Perda de Uma Chance. São Paulo, Atlas, 2013, pp 147 e ss.

[50] BORÉ, L’ indemnisation pour les chances perdus: une forme d’appreciation quantitative de la causalite d’un fait dommageable. J.C.P, 1974, I. 2620.

[51] MAZEAUD, Jean, Leon e Heni, Traité Theorique et pratique e la responsabilité civile. 6. ed., Paris: Montchrestien, 1978, p. 273

[52] Alguns doutrinadores provenientes do sistema da Common Law incluem na teoria “loss of chance” casos nos quais a vantagem esperada não está definitivamente perdida. Nesse sentido ver PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil pela Perda de Uma Chance. São Paulo, Atlas, 2013, pp. 123 e ss.

[53] Decisão de 20 de janeiro de 1930, em: Gaz. Pal. 1930. 1. 413.

[54] Nesse sentido, LE TOURNEAU, Philippe; CADIET, Loic. Droit de la responsabilité, action dalloz. Paris: Dalloz, 1998. p. 213. “On prendra soin de distinguer la perte d’une chance d’un risque qui peut survenir. Les choses sont déjà suffisamment complexes pour ne pas les embrouiller encore par un vocabulaire ambigu. Ansi, il est maladroit de dire (bien que correct selon l’Académie française) qu’à la suite d’un accident, il y a “des chances” que les parents de la victime tombent dans le besoin et ne puissent plus obtenir des secours alimentaires: non il y a un risque que cette situation se présente!” No mesmo sentido KING JR, Joseph H, Reduction of likelihood reformulation and other retrofitting of the loss-of-a-chance doctrine. University of Memphis Law Review, Winter, 1998, p. 502. “Where the defendant's tortious conduct created a risk of future consequences, the operation of the loss-of-a-chance doctrine should be suspended until the harmful effects actually materialize.” Para um estudo mais aprofundado sobre a responsabilidade pela criação de riscos ver PETEFFI DA SILVA, 2013, pp.115-137; e THOMPSON, Melissa Moore, Enhanced Risk of Disease Claims: Limiting Recovery to Compensation for Loss, Not Chance. North Carolina Law Review, vol. 72, 1994, p. 453.

[55] PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil pela Perda de Uma Chance. São Paulo, Atlas, 2013, p. 117

[56] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 788.459/BA. Relator: Min. Fernando Gonçalves. Julgado em 08 de novembro de 2005. Nova decisão, recentíssima, em caso análogo, reforça a posição da Corte, nesse sentido ver Superior Tribunal de Justiça . EDcl em AgRg 1.196.957/DF, Relatora Mininstra Maria Isabel Gallotti, Julgado em 10.04.2012. Do relatório do primeiro julgado, pelo Min. Fernando Gonçalves, extrai-se:  “Cuida-se de ação de indenização proposta por Ana Lúcia Serbeto de Freitas Matos, perante a 1ª Vara Especializada de Defesa do Consumidor de Salvador - Bahia - contra BF Utilidades Domésticas Ltda, empresa do grupo econômico "Sílvio Santos", pleiteando o ressarcimento por danos materiais e morais, em decorrência de incidente havido quando de sua participação no programa "Show do Milhão", consistente em concurso de perguntas e respostas, cujo prêmio máximo de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais) em barras de ouro, é oferecido àquele participante que responder corretamente a uma série de questões versando conhecimentos gerais. Expõe a petição inicial, em resumo, haver a autora participado da edição daquele programa, na data de 15 de junho de 2000, logrando êxito nas respostas às questões formuladas, salvo quanto à última indagação, conhecida como “pergunta do milhão”, não respondida por preferir salvaguardar a premiação já acumulada de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), posto que, caso apontado item diverso daquele reputado como correto, perderia o valor em referência. No entanto, pondera haver a empresa BF Utilidades Domésticas Ltda, em procedimento de má-fé, elaborado pergunta deliberadamente sem resposta, razão do pleito de pagamento, por danos materiais, do quantitativo equivalente ao valor correspondente ao prêmio máximo, não recebido, e danos morais pela frustração de sonho acalentado por longo tempo.”

[57]  Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.079.185/MG Relatora: Ministra. Nancy Andrighi. Julgado em 11.11.2008.

[58] Nesse sentido ver PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil pela Perda de Uma Chance. São Paulo, Atlas, 2013, pp. 207-216.

[59] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível no 2003.001.19138. Relator: Des. Ferdinaldo Nascimento. Julgado em 7.10.2003.

[60] Código Civil, art. 52 c/c art. 186. Ainda: Superior Tribunal de Justiça. Súmula 227.

[61] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível no 2008.001.25582. Relator: Des. Nametala Pacheco Jorge, julgado em 25.06.2008. “Civil. Advogado. Responsabilidade. Contrato de prestação de serviços. Ação de despejo proposta em face de pessoa jurídica. Sentença de procedência do pedido. Apelação interposta por intermédio de petição desprovida de assinatura. Intimação do causídico para regularizar a peça recursal. Inércia. Recurso não recebido. Trânsito em julgado da decisão de desalijo. Perda de uma chance. Dano moral não configurado.A pessoa jurídica pode sofrer dano moral (Súmula 227 do STJ), contudo, somente por afronta a sua honra objetiva, vale dizer, a reputação que desfruta perante terceiros, de modo a afetar o seu bom nome no mundo civil e comercial em que atua. A perda de uma chance, contudo e em linha de princípio, somente tem o condão de afetar a dignidade humana, ou seja, a só frustração da justa expectativa de ter sua pretensão recursal apreciada pela instância superior, em tese, interfere no comportamento psicológico da parte, causando-lhe angústia, aflições e desequilíbrio em seu bem estar. Relaciona-se, assim, ao dano moral inerente às pessoas naturais, mas em nada afeta o conceito que a pessoa jurídica goza no seio da comunidade. Não há, pois, falar em dano moral. Sentença reformada.”

[62] Enunciado 444. “Art. 927. A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.

[63] Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. REsp. 1190180/RS. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 16.11.2010. Disponibilizado em 22/11/2010. Extrai-se da ementa do referido julgado: “3.Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da "perda de uma chance", condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais.”.

[64] Para uma completa análise dos acórdãos que suscitam a falta de clareza conceitual aqui aventada ver PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil pela Perda de Uma Chance. São Paulo, Atlas, 2009, pp. 203-208

[65] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Apelação Cível no 70001897719. Relator: Des. Mara Larsen Chechi. Julgado em 9.10.2002.

[66] JOURDAIN, Patrice. Perte d’une chance: une nouvelle forme d’abus de l’utilisation de la notion pour réparer un préjudice certain. R.T.D.C., Paris, 1994. p. 110.

[67] FERREIRA, Rui Cardona. Indemnização do Interesse Contratual Positivo e Perda de Uma Chance. Coimbra: Coimbra Editora, 2011, p. 198

[68] Conforme o ensinamento de Reale, a doutrina, através do estudo do direito comparado, pode formar modelos jurídicos prospectivos. Nas palavras do autor: “Consoante já observei, a doutrina exerce uma função de vanguarda, pois, conforme será logo mais examinado, além de ela dizer o que as normas jurídicas efetivamente significam ou passam a significar ao longo de sua aplicação no tempo, cabe-lhes enunciar os princípios gerais que presidem a vigência e eficácia das normas jurídicas, bem como conceber os modelos hermenêuticos destinados a preencher as lacunas do sistema normativo, modelos esses convertidos em modelos prescritivos graças ao poder constitucionalmente conferido ao juiz”. REALE, Miguel. Fontes e Modelos do Direito – para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 107.


rafael peteffi pngRafael Peteffi da Silva é Professor dos Cursos de Graduação e de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Direito Civil (USP). Diretor-geral da Escola Superior de Advocacia de Santa Catarina.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                


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