A responsabilidade do Ser Humano com o Meio Ambiente Político

21/10/2018

 

Introdução.

Em regra, todo Ser Humano está envolvido por alguma filosofia (política, moral, religiosa), capaz de direcionar ações e atitudes nos diversos ambientes sociais, dentre os quais a família, a escola, o trabalho e a comunidade. As filosofias diferenciam a compreensão do Ser Humano sobre o que seja certo ou sobre o que seja errado, induz divisões que podem ser vistas desde a segregação de territórios, o estabelecimento de guerras (inclusive guerras religiosas), até na forma de organização do Estado e do núcleo familiar.

Nesse contexto, por exemplo, filosofias que estejam voltadas à democracia e à igualdade de gênero são confrontadas cotidianamente com filosofias que afirmam a necessidade da autocracia e da introdução, nos direitos civis, de elementos de filosofias religiosas, uma espécie de padroado à brasileira.

As múltiplas e diversas compreensões sobre a vida e de como a vida deve ser cumprida no ambiente terreno, acaba gerando tensões e cisões partidarizadas que resultam na distração do homem, desviando-o do foco principal – o respeito à vida do Ser Humano e de toda a natureza. Gasta-se muita energia, muito tempo e muito recurso financeiro para conquistar adeptos ou seguidores, para alimentar o processo de alienação e para impor a perspectiva filosófica - veja na história, desde as Cruzadas, passando pelo Nazismo até chegar nos golpes militares -,  ao passo que nada ou quase nada é feito pela propagação dos ideais da insigne Declaração do Homem e do Cidadão liberté, egalité e fraternité (liberdade, igualdade e fraternidade) no mundo.

A resolução do embaraço social, dos conflitos e das tensões pela prevalência desta ou daquela filosofia não se mostra de fácil solução para o Ser Humano; seja pelo fato de que na ciência humana o homem é ao mesmo tempo pesquisador e objeto de pesquisa ou seja pelo fato de que, culturalmente, o discurso de fundo filosófico ocorre no universo acadêmico, tendo linguagem, signos complexo e, sobretudo, uma aplicação muito teórica e de difícil percepção prática pelo cidadão no cotidiano da vida.

O problema é alargado na medida em que o Ser Humano terceiriza a responsabilidade pela gestão e implantação de uma filosofia para o grande Leviatã, praticando o conhecido ato bíblico de lavar as mãos, desconsiderando que as premissas básicas de formação de um Estado e de uma nação exigem a participação responsável de todos os Seres Humanos, debatendo e decidindo sobre o modelo de sociedade (comunidade) que deverá ser implantada.

Palmilhando o caminho da responsabilidade do Ser Humano pelo modelo de sociedade do presente e do futuro, o presente ensaio destaca a filosofia de Pelágio da Bretanha e fixa as matrizes constitucionais que constituem o apanágio da responsabilidade do Ser Humano com a Vida e com a Natureza.

A responsabilidade do Ser Humano na visão de Pelágio.           

Pelágio da Bretanha, foi um monge ascético que viveu entre os anos 350 e 423 (depois de Cristo), responsável por escrever a importante obra Da natureza e Do livre arbítrio[1]. Sem pretender deduzir a teoria do pelagianismo, utiliza-se das premissas conclusivas de Pelágio da Bretanha para encontrar um núcleo comum à pretensão de explicar que o Ser Humano é responsável pelo Meio Político em que vive. A primeira premissa é que todo homem é responsável pela sua própria salvação. A segunda premissa é de que todo homem nasce moralmente neutro. Por fim, a terceira premissa reputa que todo homem é capaz, por si mesmo, sem influência divina, de salvar-se, quando desejar.

A propósito das premissas, Tzvetan Todovov (2012, p. 26) [2], explica:

Entre as disposições positivas de que os homens são dotados, uma merece ser destaca. O Deus do monoteísmo desfrutou de uma liberdade de vontade que lhe permitiu criar, a partir do nada, o mundo e o homem. Ora, ele fabricou este ultimo à sua imagem, portanto o homem, por sua vez, dispõe de uma vontade livre. Pelágio encontra apoio, para sua convicção, num texto bíblico que será frequentemente citado depois, em contextos semelhantes: lê-se na versão grega do Eclesiástico (xv, 14) que Deus ‘criou o homem e o entregou ao poder de sua própria decisão’ (o original hebraico diz ‘de sua própria inclinação’). E, assim, como a vontade divina não conhece limites, a vontade humana pode ultrapassar todos os obstáculos. É por dispormos de vontade que podemos dirigir nossos atos e que distinguimos o Bem do Mal. ‘Nós não podemos fazer nem o Bem nem o Mal sem o exercício de nossa vontade, e temos sempre a liberdade de fazer um dos dois (A Demétria, 8:1). Um ser inteiramente determinado por sua natureza não pode ser objeto de julgamento moral. A dignidade do homem lhe vem de sua capacidade de escolher, e é por essa faculdade deliberativa que ele se distingue dos animais.   

Apartando-se as polêmicas envolvendo Pelágio da Bretanha e as decisões sobre a existência de práticas hereges na sua filosofia, dentre as quais a de que a salvação não prescinde da igreja; as premissas indicam que o Ser Humano, na modernidade, deve realizar escolhas, sob pena de ser igualado aos animais irracionais e, especialmente, tornar-se indigno da criação divina. Aos Seres Humanos, exige-se a inserção no mundo real, praticando ações que ultrapassam o cotidiano individual, com o propósito de garantir a existência de uma sociedade que seja Solidária, Fraterna e Justa.

A filosofia de Pelágio, ao contrário do que se possa fazer acreditar, transcende a moral religiosa e alcança o padrão de um código de ética para a vida, não propondo a constituição de um homem abstrato, que ignora a realidade prática da vida, ao contrário, suplica por um Ser Humano que intervenha, por sua capacidade e sua semelhança com Deus, no mundo através da participação ativa nas decisões que envolvem os rumos da sociedade.  Tzvetan Todorov (2012, p. 27), compreende que Pelágio possui uma visão auspiciosa das capacidades humanas e, por isso mesmo, situa bem alto o nível de suas exigências e recomenda que se deve desconfiar do voluntarismo político que esteja desprovido do lastro da prática da vida. (g.n.)  

Por outro lado, o preço da filosofia de Pelágio da Bretanha é a responsabilidade pelo fracasso, pois, o Ser Humano, se fracassar, não tem desculpa, sendo inútil vituperar Deus, a sociedade ou as circunstâncias, já que ele só pode incriminar a si mesmo pelo erro pessoal. Assim, um Ser Humano de matriz antropocêntrica, autoritário, e com a síndrome da autossuficiência não poderá justificar a desgraça individual ou da sociedade na síndrome do azar ou da falta de sorte. Ademais, um Ser Humano desconectado da realidade, afastado por opção da vida social de sua comunidade, acaba por conduzir sua vida até entrega-la aos semideuses e aos profetas da modernidade; uma ilusão de ótica representada por dois lados: de um lado um Ser Humano fracassado que entrega sua vida sem resistência para que outro Ser Humano a conduza e, de outro lado, um Ser Humano, forte, hábil e sagaz, com capacidade de submeter os Seres Humanos  fracos e realizar seus desejos de proteção contra o mundo tirano e impiedoso – capaz de conduzir a sociedade até a salvação.      

A responsabilidade com a democracia e a participação social.

A abertura democrática do Brasil, registrada a partir do texto constitucional de 1988, representa a primeira conquista do povo brasileiro, considerando a história das constituições brasileiras, o formato da declaração de independência e até mesmo do fim da escravidão. A luta das Diretas Já e a participação de toda a sociedade na confecção da Carta Magna de 1988, foi o ápice de uma geração que assumiu a responsabilidade com constituição de um Estado Democrático, um Estado de Direito e um Estado que valoriza a participação social no processo de decisão política. As marcas estão registradas especialmente nos fundamentos da Constituição de 1988, com destaque para os primeiros artigos, a saber: 

TÍTULO I
Dos Princípios Fundamentais

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (g.n.)

I - a soberania;

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (g.n.)

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos;

III - autodeterminação dos povos;

IV - não-intervenção;

V - igualdade entre os Estados;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X - concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. (g.n.)

O art. 1º, §único da CF/88 fixa que todo poder nasce do povo, uma perspectiva que pode ser traduzida de forma simples – o poder não pertence aos representantes eleitos, mas ao povo e somente ao povo. A questão, contudo, é saber se a população compreende adequadamente as estruturas de organização do poder e, ainda, se a população realmente pretende exercer seu direito ao trono e ao poder.

A indagação é cabível em razão de que, em regra, o Ser Humano desperdiça a oportunidade de participar da vida social de sua comunidade e de seu País. Em que pese as vidas entregues ao destino pelo fim da Ditadura e pela abertura democrática, os brasileiro de hoje parecem desconhecer a historia do Brasil e da Humanidade e, com isso, entregam o poder aos iluminados e aos fortes – uma ação que além de delegar a responsabilidade pelos rumos da nação, faz acreditar que há inocência pessoal pelos fracassos sociais enfrentado por todos quando as políticas econômicas e sociais não acontecem ou quando a derrocada da paz permite o aumento da violência.

O Ser Humano, no caso o Brasileiro, é o único responsável pela manutenção do Estado Democrático e de Direito. Os milhares de cidadãos brasileiros que lutaram para que os direitos civis fossem estabelecidos e respeitados fizeram a sua parte e, agora, compete aos brasileiros de hoje empenhar toda a capacidade em ações de defesa da vida, da democracia, do bem-estar e da justiça social.

Conclusão.

O Ser Humano é responsável pelo Meio Ambiente político, espaço de debate e de exercício do poder. Ignorar o desiderato da democracia e da justiça social é o mesmo que enterrar a sociedade na esperança de que um salvador da pátria possa ressuscitar os mortos, redimir nossa omissão e reestabelecer a harmonia.

Questões sociais que orbitam a vida da comunidade brasileira, como a violência, a fome e o desemprego não nasceram do acaso e não são responsabilidade específica de uma agremiação política, antes de tudo estão vinculados a irresponsabilidade dos Seres Humanos com o Meio Ambiente Político e, depois, com o sistema econômico de morte – o capitalismo.

Quanto ao capitalismo, a discussão é de outra monta, porém, no que diz respeito aos Seres Humanos, a percepção é que vivemos a cólera irracional, desmedida e sem qualquer fundamento válido – contra todos e contra ninguém... estou esperando pelo que vai acontecer.  

É necessário que o Ser Humano assuma a responsabilidade pela democracia e pela justiça, afastando a teoria de que o homem é o lobo do homem, para ressaltar as boas práticas e inclinações humanas para fazer o bem, geralmente eficazes para toda a sociedade e que nascem da participação social. 

 

Notas e Referências

[1] Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Pel%C3%A1gio_da_Bretanha. Acesso em 17 de out. 2018.

[2] TODOROV, Tzvetan. Os inimigos da democracia. Cia das Letras: São Paulo, 2012.

 

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