A responsabilidade do clube por lesão do atleta profissional de futebol  

17/10/2018

 

Conforme cotidianamente se verifica, o atleta profissional de futebol encontra-se extremamente exposto à ocorrência de acidente de trabalho, que, no particular desta atividade, caracteriza-se, prioritariamente, pelas lesões físicas sofridas no exercício da profissão.

Embora esta espécie de acidente de trabalho não traga grandes consequências ao cotidiano do trabalhador – diferente daquele trabalhador que, no exercício de sua profissão, perde um membro do corpo, ou sofre um dano de natureza estética – sua ocorrência, a depender das sequelas, pode impossibilitar a continuidade do exercício da profissão.

A grande verdade é que para o jogador profissional resta impossível a “transferência para outro setor”, ou o “exercício de outra atividade”. Havendo um problema físico incurável, não resta ao atleta outra alternativa que não a aposentadoria dos gramados. A quem acompanha o futebol, inúmeros são os exemplos daqueles obrigados a encerrar precocemente sua carreira em razão de lesões sofridas.

Pois bem, dentro deste cenário mais radical, do atleta que em razão da lesão é obrigado a abreviar sua carreira, surge a questão da responsabilidade do clube em razão de tal infortúnio. Se por um lado, é difícil reconhecer ação ou omissão do empregador – clube – na ocorrência da lesão, de outro é fato que o trabalhador – sim, o jogador de futebol é um trabalhador como outro qualquer – sofreu um acidente de trabalho, resultando na completa incapacidade laborativa.

Com efeito, no âmbito do direito do trabalho, em matéria atinente à responsabilidade civil pelos acidentes de trabalho e/ou pelas doenças a ele equiparadas, vigora, regra geral – exceção feita às atividades de risco – a responsabilidade subjetiva do empregador, cuja obrigação de indenizar o dano dá-se mediante comprovação de sua conduta culposa ou dolosa. 

        Entretanto, com fulcro no artigo 7º da Constituição Federal, infere-se que o Legislador Constituinte não criou qualquer óbice à extensão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores, entendendo significativa parcela da doutrina e jurisprudência que o dispositivo constitucional trata apenas de “direitos mínimos”. 

        Desta forma, é juridicamente viável a tese da responsabilidade objetiva da empresa, a qual encontra fundamento legal nos comandos dos artigos 200, VIII, e 225, § 3º, ambos da Constituição Federal c/c artigos 927, 932, 933 e 942, todos do Código Civil Brasileiro. 

        Tratando da espécie, o C. Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do Recurso de Revista n.º 393600-47.2007.5.12.0050, em acórdão da lavra de seu relator, o Ministro Walmir Oliveira da Costa (publicação em 7/3/2014), reconheceu a responsabilidade objetiva de um clube de futebol em razão de lesão que obrigou o atleta a encerrar sua carreira profissional, assim fundamentando:

(...)

Ocorre, todavia, que, conforme o disposto nos arts. 34, III, e 45, da Lei nº 9.615/98, são deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em especial, submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva, e contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos.

Em tal contexto, incide, à espécie, a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Nem poderia ser de outro modo, dado que, na prática desportiva, o risco de lesões a que submetido o atleta profissional é tão expressivo que o legislador ordinário passou a exigir que o respectivo clube empregador contrate seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo, expresso, de “cobrir os riscos a que eles estão sujeitos”.

(...)

Verifica-se, pois, que a atividade do atleta profissional de futebol, segundo tal julgado, foi praticamente considerada entre aquelas tidas como “de risco”. Ainda que se aponte respeitáveis entendimentos em sentido contrário, é correta a interpretação dada ao caso à época, vez que, embora, de fato, a atividade não represente risco iminente à vida do jogador, o risco de incapacidade laborativa permanente – para a prática do futebol profissional – é altíssimo, até maior do que em outras atividades.

Cumpre salientar, ainda nas palavras do Ministro Walmir Oliveira da Costa, o sentido de que, em vista da peculiaridade da prática desportiva, “(…) o risco de lesões a que submetido o atleta profissional é tão expressivo que o legislador ordinário passou a exigir que o respectivo clube empregador contrate seguro de vida e de acidentes pessoas, com o objetivo, expresso, de ‘cobrir os riscos a que eles estão sujeitos’ (…)”.

A obrigação imposta às entidades de prática desportiva, ora contida no artigo 45 da Lei nº 9.615/98, com a redação dada pela Lei nº 12.395/2011, é que contratem, a favor de seus atletas profissionais, ou aos beneficiários por eles indicados no contrato, apólice de seguro apta a assegurar indenização mínima correspondente ao valor anual da remuneração pactuada entre as partes.

Portanto, entende-se correta a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva para os casos de acidentes de trabalho sofridos pelos jogadores de futebol, haja vista o sabido risco da atividade profissional, tese esta que preserva, por conseguinte, a unidade, a harmonia e a efetividade da própria Constituição Federal de 1988.

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: Lobão no aquecimento // Foto de: Esporte Clube Pelotas // Sem alterações

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