A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

08/12/2020

Coluna Direito Negocial em Debate / Coordendor Rennan Mustafá

O aumento de ações referentes a responsabilidade civil do médico e a expansão de escolas médicas no Brasil, demonstram a importância da discussão sobre os danos provenientes de erro médico. Com o avanço da globalização, as pessoas são tratadas por técnicas médicas e aparelhos mais seguros. Em contrapartida, a sociedade passa a valorizar mais os aspectos econômicos, não hesitando em buscar a reparação dos danos sofridos.

Após muito debate quanto à natureza jurídica da relação entre o médico e o paciente, não há mais dúvida sobre a natureza contratual do dever médico. No entanto, a natureza contratual da responsabilidade do médico não cria a presunção de culpa desse, uma vez que o fato do paciente não ter se recuperado, não revela que o médico foi inadimplente.[1]

Nota-se que em algumas atividades o dever se limita ao emprego de procedimento qualificado, sem que haja a responsabilidade de garantia da finalidade pretendida. Desse modo, o insucesso não ocasiona a obrigação de indenizar, havendo o descumprimento da obrigação apenas quando o trabalho for mal desempenhado.[2]

É importante destacar que a atuação do médico não admite convicção de que obterá a recuperação ou eliminará uma enfermidade, sendo, portanto, de meio. Todavia, em algumas áreas tais como: na realização de exames, transfusão de sangue, vasectomia, ligamento das trompas de uma mulher, verifica-se a obrigação de resultado, razão pela qual é necessário o adimplemento da obrigação.[3]

Outrossim, o profissional se compromete a comportar-se com dedicação, utilizando-se dos meios apropriados, sendo responsabilizado civilmente somente nos casos em que haja a comprovação da culpa, mediante negligência, imprudência ou imperícia.[4] A responsabilidade médica pressupõe o preenchimento de alguns requisitos, quais sejam: o agente (médico); a conduta realizada no exercício da profissão; a culpa (imperícia, imprudência ou negligência); o dano (que pode compreender o agravo da enfermidade, um ferimento, ou até mesmo o óbito) e, a relação de causa e efeito entre o ato e o prejuízo.[5]

Por seu turno, há circunstâncias em que, através de suas características, verifica-se a exclusão da responsabilidade do profissional médico, sendo elas: a culpa exclusiva do paciente, o fato de terceiro, fato das coisas, caso fortuíto e força maior.[6]

Nota-se que o consumidor é partícipe no fornecimento de serviço médico, sendo de sua responsabilidade a maior parte da reabilitação de sua saúde.[7] Ou seja, também há a obrigação do paciente obedecer as prescrições médicas, uma vez que se o dano ocorre devido ao comportamento do paciente, o médico poderá se eximir da total ou parcial da responsabilidade.[8]

Além disso, ressalta-se a importância da análise dos prontuários e da prova pericial, para que seja apreciado se o diagnóstico médico encontra respaldo em literatura científica. Nesses casos, é importante observar se a conduta adotada pelo profissional é reconhecida nas escolas de medicina, além de, considerar os recursos materiais disponíveis no local de trabalho, a condição do doente, complexidade e relevância do ato praticado.[9]

Este contexto instiga o debate sobre as dificuldades nas condições de trabalho, diante da precariedade da estrutura e dos materiais disponíveis nos hospitais, bem como, devido ao atendimento em massa, que valoriza a quantidade ao invés da qualidade.

Em que pese o juiz tenha que avaliar as faltas técnicas, nota-se que o juiz é leigo em procedimentos médicos e a dificuldade aumenta com o progresso da medicina[10], razão pela qual faz-se mister a nomeação de peritos.[11] Outro fator imprescindível é a análise do prontuário de atendimento médico, que documenta o histórico clínico do paciente.[12] A respeito do assunto, João Monteiro de Castro ressalta as palavras de Irany Novah Moraes:[13]

O prontuário, teoricamente completo, traz todas as indicações do que deve ser feito, o que dá ideia mais próxima da importância e valor dessa peça como documento de extrema autenticidade para dirimir qualquer dúvida que porventura apareça quanto aos procedimentos médicos e às respostas do organismo do paciente.

Portanto, deve-se aplicar a teoria da carga probatória compartida, segundo a qual quem tem o encargo de demonstrar, é aquele que está em melhores condições, conforme as circunstâncias do caso concreto.[14]

Além disso, insta salientar que, tem se tornado constante, em algumas intervenções médicas, notadamente cirúrgicas, a fixação de cláusulas de não responsabilizar ou de irresponsabilidade. No entanto, as aludidas cláusulas não tem eficácia no âmbito do direito penal, visto que o direito de punir do Estado é exercitado independentemente do interesse dos particulares.[15]

Os hospitais e as clínicas de prestação de serviços privados assumem os danos causados aos pacientes, uma vez que são fornecedores de serviços de saúde. Destarte, ostentam responsabilidade objetiva nos casos em que o médico tenha procedido com culpa, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor.[16]

Nos países de primeiro mundo, os hospitais e médicos possuem seguros de responsabilidade civil por prejuízo a terceiro, destinados ao pagamento de reparações na hipótese de culpa médica, tornando possível o custeio de indenizações significativas.[17]

É certo que, a massificação dos serviços médicos nos hospitais e a conscientização da população tem ocasionado um aumento gradativo nas demandas judiciais para a reparação dos prejuízos por erro médico. Todavia, não é costume entre os brasileiros a contratação de seguros de responsabilidade civil pelos médicos e pelos hospitais.[18]

No Brasil, os seguros não incluem as anomalias estéticas, tratamentos proibidos pela ordem jurídica, quebra da confidência profissional, procedimento radiológico e similares (exceto convenção adversa), difamação ou calúnia, bem como, a utilização de procedimentos com substâncias não validadas pelos órgãos competentes.[19]

Por seu turno, França defende que as demandas judiciais terão como resultado a inibição do médico no exercício da profissão, além do acréscimo dos honorários médicos correspondente as prestações de seguro.[20]

Não obstante, constata-se que o seguro de responsabilidade é eficaz mecanismo em favor de ambos, pois defende o patrimônio do médico que embora atue com diligência e cautela, poderá ser comprometido a pagar uma quantia milionária e, também protege o paciente, visto que este sempre terá a garantia de indenização por eventual erro médico.[21]

Por fim, nota-se que o acréscimo das demandas judicias para a reparação dos prejuízos por erro médico tem ocasionado a contratação de seguros de responsabilidade civil pelos médicos e pelos hospitais, todavia, é necessário que a reparação seja proporcional ao dano causado, para que não haja inibição do médico no exercício da profissão.

 

Notas e Referências

[1]GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 266-267.

[2]RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 319-320.

[3]Ibidem, p. 320.

[4]GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 267.

[5]GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico: à luz da jurisprudência comentada. 5.ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 43.

[6]Ibidem, p. 64-67.

[7]COUTINHO, Léo Meyer. Responsabilidade Ética - penal e civil do médico. Brasília: Brasília Jurídica, 1997, p. 44.

[8]BARROS JÚNIOR, Edmilson de Almeida. A Responsabilidade civil do médico: uma abordagem constitucional. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 66.

[9]FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 14.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 265.

[10]CASTRO, João Monteiro de. Responsabilidade civil do médico. 1.ed. São Paulo: Método, 2005, p. 141.

[11]BARROS JÚNIOR, Edmilson de Almeida. Op. Cit, p. 135-136.

[12]VIANA, Thiago Henrique Fedri. Erro médico. 1.ed. Campinas: Millennium, 2012, p. 21.

[13]CASTRO, João Monteiro de. Op. Cit., p. 204.

[14]BARROS JÚNIOR, Edmilson de Almeida. Op. Cit., p. 138-139.

[15]KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 9.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018, p. 135-136.

[16]RINALDI, Talita Jaroskievicz; CONSALTER, Zilda Mara. O erro de diagnóstico médico e a teoria da perda de uma chance: linhas sobre a questão indenitária. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 99, abr 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11316>. Acesso em mar 2019.

[17]KFOURI NETO, Miguel. Op. Cit., p. 42.

[18]MELO, Nehemias Domingos de. Responsabilidade Civil por Erro Médico: doutrina e jurisprudência. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 298.

[19]KFOURI NETO, Miguel. Op. Cit., p. 42.

[20]FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 14.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 256.

[21]MELO, Nehemias Domingos de. Responsabilidade Civil por Erro Médico: doutrina e jurisprudência. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 304.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura