A responsabilidade civil da Administração Pública na ocorrência de desastres naturais e o que muda com o Decreto Federal assinado por Dilma – Por Jonathan Cardoso Régis e Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes

16/12/2015

As mudanças climáticas e ações humanas intervenientes na natureza ocorridas em todo planeta tem gerado situações de grandes prejuízos a pessoas indistintamente. Os desastres naturais atingem pessoas, independente de classe social.

Assim, em matéria ambiental, imperioso se faz que o Estado participe efetivamente em prol da prevenção dos desastres naturais. A preocupação que o Estado deve ter com as áreas mais vulneráveis aos desastres naturais foi matéria discutida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento que destaca: “vivendo em habitações improvisadas situadas em encostas vulneráveis a inundações e deslizamentos de terra, os habitantes das zonas degradadas estão altamente expostos e vulneráveis aos impactos das alterações climáticas. [...] As políticas públicas podem melhorar a resiliência em muitas zonas, desde o controle de Inundações à proteção infraestrutural contra os deslizamentos de terra e à provisão de direitos formais de habitação aos habitantes de áreas urbanas degradantes”.[1]

No Informe sobre Desenvolvimento Humano de 2014 das Nações Unidas novamente aparece a preocupação com a atividade estatal[2]:

El Informe reconoce que sin importar lo eficaces quesean las políticas públicas a la hora de reducir las vulnerabilidades inherentes, las crisis seguirán ocurriendo con consecuencias potencialmente destructivas. Crear capacidades para la preparación y la recuperación ante desastres, que permitan a las comunidades lidiar con las crisis y recuperarse de ellas, es vital. A escala mundial, al reconocer que los riesgos que son transfronterizos por naturaleza requieren de acción colectiva, el Informe aboga por compromisos globales y una mejor gobernanza internacional.

Com o colapso ambiental que se avizinha em decorrência das mudanças climáticas, o Estado não pode silenciar, uma vez que o seu silêncio e inércia, do ponto de vista jurídico, resultam em omissão inconstitucional para com os seus deveres imperativos de proteção da qualidade ambiental e dos direitos fundamentais das pessoas que habitam o seu território, inclusive sob a perspectiva das futuras gerações. E tais omissões ganham maior intensidade normativa, sob a perspectiva da sua inconstitucionalidade e da necessidade de reparação por parte do Estado, quanto maior o grau de exposição existencial dos indivíduos e grupos sociais atingidos.[3]

A partir do dever de proteção ambiental conferido constitucionalmente ao Estado brasileiro, submerge a responsabilidade estatal em face de danos ambientais ocorridos, tanto em razão da sua ação quanto de sua omissão. O Estado foi alçado pela norma constitucional como um dos principais protagonistas, juntamente com a sociedade civil, da tutela do ambiente. E tal protagonismo constitucional implica deveres e responsabilidades que devem ser assumidas pelo Estado, sob pena de eivar as suas práticas (ações e omissões) de inconstitucionalidade.[4]

A responsabilidade do Poder Público é baseada na teoria do risco que importa em atribuir ao Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa. Assim, toda lesão sofrida pelo particular deve ser ressarcida, independentemente de culpa do agente público que a causou. O que se tem que verificar é, apenas, a relação de causalidade entre a ação administrativa e o dano sofrido pelo administrado.[5]

O Direito Ambiental engloba duas funções da responsabilidade civil objetiva do Estado devido às catástrofes: a função preventiva, que visa evitar o dano, e a função reparadora, que tenta reconstituir e/ou indenizar os prejuízos ocorridos.[6]

Os Tribunais pátrios vêm decidindo pela responsabilidade civil do Poder Público. Assim foi entendido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÕES CÍVEIS E REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. PORTO XAVIER. ALAGAMENTOS. OMISSÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR. [...] A prova produzida é suficiente para atestar a negligência no município, que deixou de realizar obras adequadas de drenagem de águas pluviais. Tratando-se de ato omissivo, a responsabilidade civil do ente público é subjetiva, restando configurada. Obrigação de indenizar pelos danos materiais e morais comprovados. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. Via de regra, não cabe ao Judiciário interferir em escolhas relativas a políticas públicas, pois a destinação dos recursos estatais, em face de sua escassez, compete ao Poder Executivo, legitimado democraticamente para tal. Em situações excepcionais, configurada omissão que atinja direitos fundamentais dos cidadãos, incluindo-se construções em áreas de risco, e existindo grave lesão a bens coletivos de hierarquia constitucional, como a proteção ao meio ambiente, pode e deve o Judiciário intervir quando provocado. REEXAME NECESSÁRIO. Excluída a condenação em verba honorária pelo trabalho de advogado dativo, pois caracterizada duplicidade, em razão dos ônus sucumbenciais que perceberá. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA E RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. REEXAME NECESSÁRIO PROVIDO EM PARTE. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70056991672, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 02/04/2014)

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na mesma linha, decidiu:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADECIVIL DO MUNICÍPIO. DESLIZAMENTO DETERRA. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. 1. Ação indenizatória ajuizada por proprietário de imóvel que desabou em decorrência de deslizamento de terra provocado por ocupação irregular de encosta. Sentença de procedência atacada pela municipalidade. 2. Pretensão de reverter o resultado do julgamento, alegando-se ausência de nexo de causalidade e de conduta ilícita. Pedido alternativo de redução das verbas indenizatória e honorária. 3. Tese recursal dissonante do conjunto probatório carreado aos autos, que aponta no sentido do prévio conhecimento do ente municipal acerca da ocupação irregular do morro situado atrás do imóvel do Autor, bem como do despejo de esgoto sanitário e lixo encosta abaixo. 4. Omissão concreta e bem delineada do Apelante, acompanhada da violação de princípios constitucionais. 5. Correto reconhecimento da responsabilidade civil do Município com fulcro no art. 37, §6º, da Constituição Federal, sendo patente o dano moral sofrido pelo Autor ao ter destruído seu lar, sendo necessário que ele e sua família composta por esposa e três filhos fossem resgatados dos escombros por vizinhos, no meio da madrugada, com sérios riscos de vida.[...] (APELAÇÃO CÍVEL/REEXAME NECESSÁRIO Nº: 2009.227.03905. OITAVA CÂMARA CÍVEL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADODO RIO DE JANEIRO. Relatora Desembargadora Mônica Maria Costa. Julgado em 16 de março de 2010.)

O Estado brasileiro, independentemente da sua responsabilização pelos danos causados às vítimas de desastres naturais relacionados às mudanças climáticas, diante do seu papel constitucional de guardião dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, tem o dever de assegurar a tais pessoas, inclusive em termos prestacionais, condições mínimas de bem-estar (individual, social e ecológico). E tal obrigação ganha um significado jurídico ainda maior quando a situação de vulnerabilidade existencial é resultante da omissão estatal em prevenir danos resultantes de desastres ambientais decorrentes das mudanças climáticas. E, com base em tal perspectiva, encontrando-se determinados indivíduos ou mesmo grupos sociais desprovidos de tais condições materiais indispensáveis ao desfrute de uma vida minimamente digna, justamente terem sido vitimados por episódios climáticos, poderão os mesmos pleitear em face do Estado a adoção de medidas prestacionais no sentido de suprir tais necessidades. E, diante da omissão estatal, poderão servir-se da via judicial para corrigir eventuais omissões provindas dos Poderes Executivo e Legislativo em lhes prestar o devido auxílio material.[7]

E quanto ao Decreto Federal 8.572[8], de 13 de novembro de 2015, assinado pela Presidente da República Dilma Rousseff? Interfere ele na responsabilidade civil decorrente dos desastres naturais?

A resposta é não. O Decreto visa tão somente regulamentar a liberação de FGTS para os afetados de desastres naturais, incluindo no rol de situações o rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais. A análise literal do parágrafo único já demonstra que considera-se também como natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens para fins do disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº 8.036/90.

A mencionada lei dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e o art. 20 estabelece as hipóteses nas quais podem ser sacados os valores correspondentes ao FGTS. O inciso XVI, por sua vez, determina que poderá haver saque do FGTS por motivos de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural.

Assim, o Decreto 8.572/15 em nada altera a responsabilidade civil em decorrência de desastres naturais já tratada anteriormente.


Notas e Referências:

[1] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório de desenvolvimento Humano 2007/2008 do Programa das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/HDR/Relatorios-Desenvolvimento-Humano-Globais.aspx?indiceAccordion=2&li=li_RDHGlobais#2007/2008>. Acesso em: 24 fev. 2015.

[2] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Informe de desenvolvimento Humano 2014 do Programa das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/arquivos/RDH2014es.pdf>. Acesso em: 24 fev. 2015.

[3] FENSTERSEIFER, Tiago. A responsabilidade do estado pelos danos causados às pessoas atingidas pelos desastres ambientais associados às mudanças climáticas: uma análise à luz dos deveres de proteção ambiental do Estado e da proibição de insuficiência na tutela do direito fundamental ao ambiente. Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/31/Documentos/12.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2015.

[4] FENSTERSEIFER, Tiago. A responsabilidade do estado pelos danos causados às pessoas atingidas pelos desastres ambientais associados às mudanças climáticas: uma análise à luz dos deveres de proteção ambiental do Estado e da proibição de insuficiência na tutela do direito fundamental ao ambiente. Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/31/Documentos/12.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2015.

[5] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2011. p. 223.

[6] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 366

[7] FENSTERSEIFER, Tiago. A responsabilidade do estado pelos danos causados às pessoas atingidas pelos desastres ambientais associados às mudanças climáticas: uma análise à luz dos deveres de proteção ambiental do Estado e da proibição de insuficiência na tutela do direito fundamental ao ambiente. Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/31/Documentos/12.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2015.

[8] Art. 1º O Decreto nº 5.113, de 22 de junho de 2004, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 2º...

...

Parágrafo único. Para fins do disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, considera-se também como natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais.” (NR)

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2011.

FENSTERSEIFER, Tiago. A responsabilidade do estado pelos danos causados às pessoas atingidas pelos desastres ambientais associados às mudanças climáticas: uma análise à luz dos deveres de proteção ambiental do Estado e da proibição de insuficiência na tutela do direito fundamental ao ambiente. Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/31/Documentos/12.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2015.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório de desenvolvimento Humano 2007/2008 do Programa das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/HDR/Relatorios-Desenvolvimento-Humano-Globais.aspx?indiceAccordion=2&li=li_RDHGlobais#2007/2008>. Acesso em: 24 fev. 2015.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Informe de desenvolvimento Humano 2014 do Programa das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/arquivos/RDH2014es.pdf>. Acesso em: 24 fev. 2015. 


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