A representatividade das mulheres nas eleições municipais

07/10/2016

Por Aline Amábile Zimmermann e Fernanda Donadel da Silva - 07/10/2016

Neste último domingo (02/10) foram realizadas as eleições de 2016 para a ocupação de cargos nas prefeituras e nas câmaras de vereadores. Por conta de toda a conjuntura política conturbada que está colocada no país, as disputas travadas chamaram a atenção das eleitoras e dos eleitores para um voto com mais responsabilidade para esses cargos que são tão determinantes na direção e na propositura de leis no âmbito local. Ao se observar os resultados e números apresentados, duas questões alarmantes saltam aos olhos: a acanhada presença de mulheres na política e a posição de Santa Catarina em relação aos outros Estados no ranking atual de representatividade feminina.

Na coluna publicada em 17 de junho, havíamos iniciado o resgate histórico de invisibilidade da mulher no espaço político, destacando algumas das causas para a sua ocorrência, bem como um levantamento de dados estatísticos que já evidenciavam essa desigualdade[1]. Há muito o que refletir após a divulgação dos resultados da votação que ocorreu no último domingo. As mulheres são 52%[2] do total de eleitores este ano e não encontraram a respectiva representatividade nas candidaturas e nos resultados das votações para as câmaras e prefeituras municipais.

A Lei n. 9.504, publicada em 1997, previa que os partidos e coligações reservassem, para os cargos proporcionais – sistema utilizado nas eleições para deputados(as) e vereadores(as) –, o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de homens e mulheres. Em 2009, foi publicada a Lei n. 12.034, que passou a exigir, além da reserva, o preenchimento das candidaturas nesses percentuais, efetivando a ocupação de no mínimo 30% de candidatas mulheres nas eleições proporcionais.

O panorama nacional da preparação e dos resultados das eleições demonstra que os partidos têm cumprido o disposto nas citadas leis apenas como mera formalidade. O Instituto Patrícia Galvão, que se dedica à comunicação e aos direitos das mulheres, realizou pesquisa[3] que demonstra que a preocupação é apenas atender formalmente o que determina a lei: os partidos realizam convites às mulheres para que se candidatem com um ou dois meses de antecedência às campanhas políticas, prazo estreito para estabelecer campanha e propostas viáveis e relevantes. Procuram-se mulheres figurantes e não protagonistas apenas para preencher a cota de 30% - o que colabora para ser inatingível a eleição.

Outra pesquisa, que reforça e deixa clara a falta de comprometimento com a eleição de mulheres, apresentou que a maioria dos partidos no país destinou mais recursos às candidaturas encabeçadas por homens: em média 30% a mais do que o que foi repassado às candidatas.[4] Essa falta de apoio financeiro e político teve consequências tanto no lançamento de candidaturas como nas eleições já definidas. As mulheres perderam representatividade entre os políticos eleitos, sendo que em todos os Estados ficaram com um percentual de eleitas abaixo de 30%, mesmo com a campanha fortemente lançada pelo Tribunal Superior Eleitoral de incentivo a mais participação delas nesse espaço marcado quase hegemonicamente por vozes de homens[5]. Em números, das 5.509 cidades que tiveram eleições definidas no primeiro turno, somente 639 (11,6%) serão dirigidas por prefeitas a partir do ano que vem - 24 a menos em relação ao resultado das eleições de 2012. Quanto às candidaturas, houve um aumento inexpressivo: foram apenas 7 candidatas a mais do que no último pleito.[6]

O Estado de Santa Catarina apresentou nas eleições municipais deste ano, nos 295 municípios, 737 candidatos para as prefeituras, sendo que destes apenas 64 mulheres para prefeita e 86 para vice. Para os 2.898 cargos de vereador, dos 15.523 candidatos, apenas 5.119 mulheres.[7]

Verifica-se o alcance limitado da lei: os cargos sujeitos ao sistema proporcional de eleição apresentam a candidatura de mulheres no percentual mínimo estabelecido (32%); já com relação ao sistema majoritário de eleição, para o cargo de prefeito, percebe-se a enorme desproporção entre candidatas e candidatos, sendo que as mulheres representaram um percentual aproximado de apenas 12% das candidaturas.

O resultado das eleições em Santa Catarina demonstra maior (e a real) desproporção: apenas 24 mulheres se elegeram prefeitas e 390 foram escolhidas vereadoras[8], o que revela um percentual de 13,4% e 8,4%, respectivamente, de representatividade feminina nos espaços políticos legislativos e executivos dos municípios catarinenses. Comparativamente aos outros Estados brasileiros com eleições já definidas para o cargo de prefeito, Santa Catarina elegeu menos mulheres que a maioria deles, ocupando a 21ª posição[9].

A partir desses dados, claro está que a aplicação da lei não é suficiente para que haja o alcance da representatividade adequada na ocupação das cadeiras pelas mulheres, ainda que tenha ocorrido aumento de candidaturas como consequência da política de cotas, não há correspondência no número de eleitas. Com o objetivo de mudar esta realidade, encontra-se em tramitação a Proposta de Emenda Constitucional n. 98/2015, chamada de “PEC das mulheres”, que busca estabelecer cotas para um aumento gradual de ocupação pelas mulheres das vagas nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional, garantindo percentuais mínimos de representação em três legislaturas: 10% das cadeiras na primeira, 12% na segunda e 16% na terceira.

Esses percentuais, ainda que não signifiquem representatividade compatível com a população de mulheres, implicariam avanços, tendo em vista que existem cidades que não contam com sequer uma vereadora - como foi o caso de Florianópolis nas duas últimas legislaturas. De 2005 a 2008, no legislativo municipal da “Ilha da Magia”, havia apenas uma mulher[10]; passados 8 anos de retrocesso sem nenhuma representação feminina na Câmara dos Vereadores, a cidade elegeu no último domingo novamente uma única mulher[11]. É lamentável perceber que até mesmo a cidade referência do Estado ainda perpetua a figura patriarcalista[12] na sua organização política. Fica evidente a necessidade urgente de uma mudança legislativa que garanta uma alteração nas estruturas eleitorais, a fim de alcançar uma maior equidade no espaço público e na construção de políticas públicas.

As eleições municipais são muito relevantes para o avanço, conquista e manutenção de direitos para as mulheres. Pensar e legislar buscando uma cidade mais acolhedora e segura é questão urgente para possibilitar a ocupação livre e tranquila desses espaços pela mulher. Ainda que não haja impedimentos concretos à sua circulação e permanência, os códigos da cidade são majoritariamente masculinos. Há sempre a ameaça de violência que toma forma no assédio sexual, seja verbal ou físico, nas ruas e no transporte público, cerceando direitos, como de ir e vir e à integridade física e psíquica.

Apesar do lento avanço, desqualificar as políticas de gênero atuais que buscam a igualdade de condições não é o caminho, e sim buscar o seu incremento. Políticas compensatórias como ações afirmativas são hoje colocadas como verdadeiro mecanismo para a aceleração da igualdade enquanto processo. Sendo a política um verdadeiro espaço de exclusão feminina e, por isso, materialmente antidemocrático, deve-se ter em vista as cotas como possibilidade de transformação dessa realidade.

Sabe-se que os sistemas de cota não serão capazes, por si só, de transformar as estruturas patriarcais da sociedade - não é novidade que a publicação de uma lei não é o bastante para superar o conservadorismo e a misoginia que as mulheres confrontam diariamente[13]. Uma participação paritária de homens e mulheres na política exige outras medidas que busquem o fortalecimento da participação feminina e a sua real inserção nas estruturas estatais de poder e, em maior ou menor escala, devem estar vinculadas a políticas que favoreçam a igualdade de gênero.


Notas e Referências:

[1] Disponível em:  http://emporiododireito.com.br/representatividade-politica-das-mulheres/.

[2] Dados disponíveis em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/03/mulheres-sao-maioria-da-populacao-e-ocupam-mais-espaco-no-mercado-de-trabalho>. Acesso em: 03. out. 2016.

[3] Pesquisa disponível em: http://agenciapatriciagalvao.org.br/politica/noticias-politica/apenas-para-cumprir-cota-partidos-preferem-candidatas-sem-chance-de-se-eleger/. Acesso em: 04. out. 2016.

[4] Pesquisa disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/10/1818675-candidatos-homens-recebem-30-mais-verba-que-mulheres.shtml>. Acesso em 04. out. 2016.

[5] Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=u0VFiGXqyZs>. Acesso em: 04. out. 2016.

[6] Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/10/1819610-numero-de-eleitas-cai-e-mulheres-perdem-representacao-politica.shtml>. Acesso em: 04. out. 2016.

[7] Disponível em: <http://www.tre-sc.jus.br/site/eleicoes/eleicoes-municipais-2016/resultado-1o-turno-2-de-outubro/index.html>. Acesso em 03. out. 2016.

[8] Disponível em: <http://www.tre-sc.jus.br/site/fileadmin/arquivos/eleicoes/eleicoes2016/resultado_turno_1/mulheres_eleitas.pdf>. Acesso em 03. out. 2016.

[9] Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/10/1819610-numero-de-eleitas-cai-e-mulheres-perdem-representacao-politica.shtml>. Acesso em: 04. out. 2016.

[10] Dados disponíveis em: <http://www.cmf.sc.gov.br/legislaturas>. Acesso em: 04. out. 2016.

[11] Dados disponíveis em:<https://www.eleicoes2016.com.br/candidatos-vereador-florianopolis-sc/>. Acesso em: 04. out. 2016.

[12] Dolores Reguant, teórica feminista, trabalha o termo patriarcado como “forma de organização política, econômica, religiosa, social baseada na ideia de autoridade e liderança do homem, no qual se dá o predomínio dos homens sobre as mulheres.” Traduzido e retirado de: REGUANT, Dolores. La mujer no existe. Bilbao: Maite Canal, 1996, p.20. In: Victoria Sal. Diccionario ideológico feminista, vol. III. Barcelona: Icaria, 2001.

[13] Para exemplificar, reportagem que reuniu depoimentos de candidatas à vereadora mostra as dificuldades, e até mesmo situações de violência, que as mulheres que buscam ocupar cargos políticos enfrentam: http://www.geledes.org.br/feministas-merecem-tortura-ouve-candidata-camara-municipal-em-sp/#gs.20438b052a4e4dd49578972b8635fe8f. Acesso em 04. out. 2016..


Aline Amábile Zimmermann. Aline Amábile Zimmermann é Acadêmica do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É pesquisadora do Projeto de Pesquisa e Extensão “Direito das Mulheres” e membra do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Popular (SAJU), ambos da mesma instituição de ensino. .


Fernanda Donadel da Silva. Fernanda Donadel da Silva é Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, Advogada, pesquisadora do Projeto de Pesquisa e Extensão “Direito das Mulheres” – UFSC.. .


Imagem Ilustrativa do Post: Mujer feminista // Foto de: Karen García R // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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