A renovação das razões recursais em agravo de instrumento no processo do trabalho  

09/10/2021

A tese jurídica fixada pelo Pleno do TST merece ser prestigiada, pois restabelece o uso adequado das espécies recursais e avança no sentido contrário à jurisprudência defensiva.

O objetivo do presente texto é analisar criticamente o tema relativo à necessidade ou não de que o agravo de instrumento, no direito processual do trabalho, seja acompanhado da renovação das razões recursais apresentadas no recurso principal ao qual foi denegado seguimento por óbice processual.

Para alcançar o objetivo aqui proposto, fizemos uso, principalmente, da análise jurisprudencial, tendo como fio condutor a recente decisão proferida pelo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) nos embargos de divergência nº. 291-13.2016.5.08.0124, da lavra do ministro relator Vieira de Mello Filho, no qual se buscou uniformizar a jurisprudência relativa ao tema, em que pese a ausência do caráter vinculante da decisão.

 

A disposição legal e a jurisprudência

No processo do trabalho, o agravo de instrumento não se destina a atacar as decisões interlocutórias em geral [3], o que é próprio do processo civil, sendo empregado no âmbito trabalhista como meio cabível para impugnar as decisões que denegam seguimento à interposição de determinados recursos, tais como “ordinário, de revista, extraordinário, adesivo, de petição e, por óbvio, contra as decisões que denegarem seguimento ao próprio agravo de instrumento” [4], daí a costumeira expressão utilizada para se referir ao objetivo do agravo, qual seja, “destrancar o recurso”.

É precisamente essa é a disposição contida o art. 897, alínea “b”, da CLT, dispositivo que concede o prazo de 8 dias para que a parte interessada faça uso da medida. Vale notar que um dos requisitos impostos ao processamento do agravo, conforme § 5º, incisos I e II, do mesmo artigo, diz respeito à juntada de peças que acompanharão o recurso, o que inclusive fundamenta o seu nomen juris: “o agravo de instrumento teve inicialmente esse nome pelo fato de consistir num instrumento confeccionado com peças trasladadas dos autos...” [5].

Não se verifica, na legislação, a obrigação de que o agravo de instrumento faça qualquer referência ou mesmo reproduza as razões recursais que fundamentam o recurso principal interposto. Todavia, a atuação prática mostra precisamente o contrário.  E a razão disso está na própria jurisprudência dos tribunais superiores, cujas decisões, nesses casos, acabam por criar uma prática equivocada em termos de rigor processual e adequado manejo das diferentes espécies recursais.

Em termos concretos, pensemos em algumas das muitas hipóteses que, cotidianamente, são arguidas para que seja negado seguimento, por exemplo, ao recurso de revista: é o caso da alegada ausência de transcendência (art. 896-A da CLT), da impossibilidade de revolvimento de fatos e provas (Súmula 126 do TST), da ausência de impugnação dos fundamentos da decisão recorrida (Súmula 422 do TST), da ausência de prequestionamento (Súmula 297 do TST) e etc.

Pois bem, por honra à lógica processual e respeito às espécies recursais, podemos concluir que o agravo de instrumento destinado a impugnar os fundamentos de uma decisão que nega seguimento ao recurso de revista, deve se limitar a atacar o obstáculo processual que não permitiu o processamento regular do recurso principal, como por exemplo a suposta ausência de prequestionamento da matéria. Portanto, a única e exclusiva matéria do agravo seria aquela destinada a infirmar a decisão prolatada com fulcro na Súmula 297 do TST.

Porém, para a surpresa do jurisdicionado e dos(as) advogados(as) atuantes no âmbito da Justiça do Trabalho, inúmeras decisões passaram a interpretar a situação de forma absolutamente teratológica, criando uma prática estranha ao processo e à própria legalidade, isto é, a obrigação no sentido forte do termo de que o agravo consignasse também as matérias do recurso principal, sob pena de preclusão ou ausência de fundamento. Vejamos:

Desfundamentado o agravo que não reitera as alegações de violação legal e de dissenso de teses, tal como expendidas na revista. Agravo a que se nega provimento. (TST - AIRR: 8895400042003502 8895400-04.2003.5.02.0900, Relator: José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, Data de Julgamento: 31/05/2006, 5ª Turma, Data de Publicação: DJ 16/06/2006.).

Não se conhece do Agravo de Instrumento interposto contra despacho que denegou seguimento ao Recurso de Revista, quando a parte agravante não renova os temas veiculados no recurso de revista. Agravo de instrumento não conhecido. (TST - AIRR: 4908020115030146, Relator: Aloysio Correa Da Veiga, Data de Julgamento: 10/04/2013, 6ª Turma, Data de Publicação: 12/04/2013).

Em meio a esse cenário, o Plenário do TST, em recente decisão, enfrentou a matéria por ocasião do julgamento dos embargos de divergência protocolizados nos autos processo nº. 291-13.2016.5.08.0124, fixando a seguinte tese: “o agravo de instrumento que impugna óbice processual eleito na decisão denegatória do recurso de revista não necessita renovar as razões do mérito do recurso, as quais não foram examinadas no decisum agravado”.

 

O entendimento esboçado pelo TST no caso concreto

Embora não tenha ensejado a edição de uma súmula capaz de uniformizar a jurisprudência, a decisão proferida pelo Pleno do TST aponta para uma direção que restabelece a lógica processual e, ao mesmo tempo, combate a jurisprudência defensiva.

Conforme registra Couto [6], a jurisprudência defensiva constitui verdadeiro paradoxo, pelo qual, “a Jurisdição [...] cria mecanismos para defender-se do jurisdicionado”. Em outras palavras, trata-se de mecanismo que cria obstáculos e formalismos excessivos para não se analisar o mérito recursal.  Um desses obstáculos é precisamente a suposta necessidade de renovação das razões recursais em sede de agravo de instrumento.

Com a promulgação do novo Código de Processo Civil, cuja aplicação é supletiva e subsidiária ao processo do trabalho (art. 769 da CLT e art.  1º, da IN 39/2016 do TST), o ordenamento jurídico experimentou verdadeira mudança, na medida em que o processo, incorporando a perspectiva constitucional, passou a privilegiar a obtenção de decisão de mérito, ou seja, a solução da lide, o que se verifica em diversos dispositivos (arts. 4º, 5º, 6º, 139, IX, 488, 932, p. único, 1.029, §3º, todos do CPC).

Nessa nova ordem, não se mostra razoável admitir a imposição de óbices processuais que sequer estão previstos em lei, óbices que visam tão somente inadmitir recursos, sobretudo quando esta prática está em dissonância com princípios que regem os recursos, como por exemplo a dialeticidade recursal, princípio que, segundo Carlos Henrique Bezerra Leite, pode ser assim compreendido:

O princípio ora focalizado, pois, informa que o recurso deve ser discursivo, dialético. Cabe ao recorrente, portanto, indicar no apelo as partes ou capítulos da sentença que pretende impugnar e as respectivas razões da impugnação, possibilitando, assim, ao juízo ad quem a verificação da validade e da justiça da decisão recorrida [7].

Ao estabelecer a necessidade de renovação, no agravo de instrumento, das razões que integram o recurso principal, a jurisprudência cria verdadeiro óbice processual, o que acaba por violar o princípio da cooperação, bem como o princípio da dialeticidade. Quando na fase de execução, por exemplo, o reclamante interpõe um recurso de revista, com fundamento na violação direta e literal à Constituição Federal, pode ser que o presidente do Tribunal Regional, ao fazer o juízo de admissibilidade, denegue seguimento ao recurso, com fundamento, vamos supor, na ausência de prequestionamento.

Assim, para que o agravo interposto em face de tal decisão esteja em consonância com o princípio da dialeticidade, é necessário que o recorrente combata fundamentadamente o óbice que lhe foi apresentado, qual seja, a ausência de prequestionamento, sendo este o objeto do recurso.

Somente na hipótese de o óbice ser superado, ou seja, sendo concedido provimento ao agravo, é que deverão ser analisados, em conjunto com os outros elementos do recurso “destrancado”, os pressupostos intrínsecos de cabimento presentes no recurso de revista, tendo em vista que a decisão agravada se limitou ao prequestionamento.

Caso fosse necessário renovar as razões do recurso principal, este ficaria em descompasso com a decisão combatida, na medida em que exigiria do recorrente manifestação sobre matérias que sequer foram objeto da decisão denegatória. Com base nesses elementos, o pleno do TST proferiu o acórdão nos autos de nº 291-13.2016.5.08.0124, a fim de afastar a jurisprudência defensiva, privilegiando a decisão de mérito e o princípio da dialeticidade. Decisão importante e que merece ser prestigiada.

No caso concreto, o reclamante havia interposto recurso de revista, com fundamento na violação do artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal, tendo em vista que sua jornada de trabalho era de 12 horas por dia, ao longo de 15 dias consecutivos, seguidos por 15 dias de descanso. O Tribunal Regional denegou seguimento ao recurso, proferindo decisão com base na súmula 126 do TST, uma vez que, suspostamente, a medida demandaria o revolvimento fático-probatório.

O reclamante interpôs agravo de instrumento em face da decisão proferida, questionando apenas o fundamento que ensejou a denegação do recurso, ou seja, o óbice imposto pela Súmula 126, do TST, como exige o rigor processual, vez que assim o recurso estaria dialogando com os fundamentos da decisão combatida.  O TST deu provimento ao agravo, afastando o óbice da referida súmula e, ao julgar o mérito do recurso principal, reconheceu a violação constitucional do artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal, julgando procedente o pedido.

No entanto, a reclamada, à luz do que dispõe a súmula 422 do TST, opôs embargos de declaração, afirmando que a alegação de violação constitucional foi invocada somente no recurso principal, não sendo suscitada no agravo de instrumento, o que acarretaria a ausência de fundamento do recurso interposto.  O TST conheceu e deu provimento aos embargos, esclarecendo que o recurso do reclamante impugnou, sim, os fundamentos da decisão recorrida, na medida em que infirmou a aplicação da súmula 126.

Não satisfeita, a reclamada interpôs recurso de embargos, alegando divergência entre o julgado e a jurisprudência do TST, uma vez que as decisões proferidas no âmbito daquela Corte exigiriam a renovação, no agravo, das razões apontadas no recurso de revista. Nesse sentido, o mérito dos embargos tratou sobre a necessidade de se renovar, no agravo de instrumento, as alegações referentes aos pressupostos intrínsecos de cabimento apontadas no recurso de revista.

Conforme defendemos acima, a exigência de renovação das razões recursais por ocasião de interposição do agravo, não condiz com a sistemática presente em nosso ordenamento jurídico, seja por afrontar a dialeticidade recursal, seja por se tratar de um formalismo excessivo cujo objetivo é evitar a análise do mérito recursal pelo tribunal, prática que contraria a nova perspectiva constitucional do processo.

O próprio artigo 896, §11º, da CLT, permite que o TST desconsidere vícios formais, que não se reputem graves, quando o recurso for tempestivo, a fim de privilegiar a decisão de mérito. A previsão do artigo indica que o privilégio à decisão de mérito também se aplica ao processo do trabalho, o que afasta a exigência de formalismo excessivo.

Privilegiando o caráter cooperativo do processo, que tem como fundamento a primazia da decisão de mérito, em detrimento de um formalismo injustificável, e, ainda, observando-se a dialeticidade recursal, que exige que o recurso dialogue com a decisão proferida, combatendo seus fundamentos, o TST assim decidiu:

A exigência de renovação no agravo de instrumento da violação do art. 7º, XIII, da Constituição Federal, quando a decisão denegatória não emitira pronunciamento judicial a esse respeito, limitando-se a impor óbice processual ao exame do mérito (Súmula nº 126 do TST), está em completo descompasso com a nova ordem processual civil citada, mais informal e cooperativa. O que se deve exigir da parte recorrente, frise-se, é que infirme o fundamento que obstaculizou o processamento do recurso principal (recurso de revista), aspecto que foi reconhecido por este órgão jurisdicional, conforme decidido no tópico anterior. Impor à parte recorrente, que satisfatoriamente se insurgiu contra o fundamento lançado na decisão agravada, a obrigação de reproduzir violações e/ou divergência jurisprudencial veiculadas no recurso principal, mas que não foram apreciadas pelo juízo, além de contrariar o princípio da primazia da decisão de mérito, rompe com a simplicidade e o caráter cooperativo do processo, surpresando a parte sucumbente. (fls. 26/27 do acórdão).

Portanto, o TST entendeu que a exigência de renovação das razões recursais justifica-se tão somente com base na jurisprudência defensiva, e a manutenção dessa exigência configuraria violação aos princípios da cooperação e da primazia da decisão de mérito. Além do mais, considerando que o agravo impugnou e infirmou o fundamento da decisão denegada, qual seja, a aplicação da Súmula 126, o TST entendeu que o recurso estava suficientemente fundamentado e de acordo com o princípio da dialeticidade, sendo que a exigência de renovação das razões recursais configuraria formalidade desnecessária, vez que as outras matérias não foram objeto da decisão denegatória.

Com efeito, se o agravo interposto dialoga e impugna os fundamentos da decisão denegatória, não há espaço para a aplicação da súmula 422 do TST, pois o que deve ser enfrentado é o fundamento que ensejou a denegação, inexistindo qualquer justificativa para a exigência de renovação das razões.

 

Conclusão

A tese jurídica fixada pelo Pleno do TST constitui precedente importante no âmbito da jurisprudência trabalhista, na medida em que (I) estabelece um paradigma no entendimento acerca da desnecessidade de renovação das razões que fundamentam o recurso principal, (II) afasta aquela compreensão própria da jurisprudência defensiva e (III) reafirma a cooperação entre as partes, ao mesmo tempo que (IV) privilegia a decisão de mérito e o princípio da dialeticidade recursal.

Finalmente, caberia perguntar: estamos diante do fim dos agravos prolixos e que muitas das vezes, até por interesses protelatórios, a parte proponente preocupa-se apenas em renovar as razões recursais, sem impugnar a decisão denegatória como exige a boa técnica processual? Tal compreensão aplicável ao agravo em recurso de revista seria extensiva aos demais recursos? Esperamos que a prática futura responda de forma afirmativa a essas perguntas.

 

Notas e Referências

 

[1] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 564.

[2] Ibid., p. 565.

[3] Ibid., p. 564.

[4] COUTO, Mônica Bonetti. O novo CPC e a (esperança de) superação da jurisprudência defensiva. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 12. Volume 19. Número 3. pp. 543-564. Setembro a Dezembro de 2018 Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 543-564

[5] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. Disponível em: Minha Biblioteca, 19.ed. Editora Saraiva, 2021, p. 415.

 

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