A REFORMA DA PREVIDÊNCIA, A PREFERÊNCIA DOS NÚMEROS E A PROTEÇÃO SEM FUTURO  

26/07/2019

 

O desejo reformador, de qualquer política ou planejamento público, por mais polêmico que seja há de ser defendido, tendo em vista que daí surge a vontade e o ponta pé para que cruciais segmentos sociais sejam aprimorados, modernizados e aperfeiçoados, a bem de todos.

Atualmente se vive esse cenário, ou seja, discute-se a vontade de reformar o sistema previdenciário brasileiro, em um importante momento de tentar enfrentar seus difíceis meandros e de forma séria, adequada e com a esperada sinergia constitucional, reveladora de muitas diretrizes costumeiramente esquecida por muitos.

Assim, evidente que precisamos desse debate, contudo sem paixões partidárias, equívocos políticos, extremismos de alguns e outras miopias paradigmáticas, para que avanços substanciais ocorram, sob pena do pacote previdenciário todo ser novamente fatiado, como ocorreu em 1995, 1998, 1999, 2003, 2005, etc., e desde então não restou enfrentado de maneira como se espera.

Ao certo, o ponto de partida deve ser o preceito supremo que qualifica a Previdência como SOCIAL, antes de ser unicamente (para alguns) econômica. É que muitos discursos rasos e superficiais existem e escorados em estatísticas onde a mensagem constitucional é sempre deixada para trás.

A reforma pode sim e deve acontecer, mas com outro viés, a fim de aperfeiçoar, integrar, acolher, proteger, universalizar e não para ser distante de boa parte da parcela mais vulnerável da população.

Logo, o modelo (PEC n.6/19) que se apresenta deve ser debatido e confrontado, sobretudo quanto as premissas visivelmente contraditórias, pois, como exemplo, se a ideia é corrigir distorções e trazer justiça com igualdade, por qual motivo militares, servidores estaduais, municipais, bombeiros, policiais e outros estão e ficaram de fora do pacote?

As inconsistências também são outras e muito mais impactantes.

É que infelizmente, serão atingidos cerca de 70% os trabalhadores do Regime Geral (INSS) que vivem com até dois salários mínimos em média. E mais, para parlamentares e militares uma regra de transição e para os trabalhadores da iniciativa privada um total de quatro regras confusas e perversas incapazes de propiciar o efetivo gozo de prestações, tornando muitas delas, quase que impossíveis de serem acessadas.

De outro lado, existem renúncias fiscais ano a ano, sonegações das grandes empresas, desvios das contribuições pela DRU, anistias, refinanciamentos, enfim, um cenário que poucos enfrentam ou não querem enfrentar, pois o gargalo é grande e com personagens poderosos, conhecidos de muitos.

Também, para boa parte de seus efusivos defensores, a reforma da previdência é a bola de cristal para a solução de todos os males. Ledo engano! Poderia e deveria ocorrer primeiro a reforma tributária, a principal e mais importante, tendo em vista que o país precisa de uma política incisiva e emergencial de geração de empregos, com fomento ao empresariado através de redução tributária, uma das maiores do mundo, e nunca, vale enfatizar, nunca distanciar ou fragilizar a proteção previdenciária dos trabalhadores brasileiros.

Outros aspectos sequer explicados pela proposta merecem aqui rápido registro. Por exemplo, atualmente, na aposentadoria por idade o valor a receber é de 85% aos 15 anos de contribuição, sendo que pela proposta será de 60%. A pensionista, por sua vez, receberá apenas 60% do benefício de seu falecido companheiro, benefício esse que foi custeado em 100%, ou seja, houve a contribuição por parte dele, desprezando o incontroverso fato de que as necessidades só aumentarão para ela a partir de então. Na aposentadoria especial, aquela que aos 25 anos uma técnica de enfermagem, por exemplo, pode se aposentar devido a agressividade do ambiente hospitalar e os riscos naturais de contrair doenças pelos agentes biológicos, para não citar outros agentes (como ruído, eletricidade, produtos químicos, etc.), pela proposta que se apresenta só poderá se aposentar quando atingir os 60 anos de idade, ou seja, mesmo com 25 completos deverá esperar a idade mínima e permanecer em ambiente prejudicial a sua saúde, podendo superar e muito o mínimo estabelecido. A proposta acaba com a aposentadoria por idade da pessoa com deficiência, na contramão da Convenção de Nova York onde o Brasil é signatário, reduz o valor da aposentadoria por invalidez em 60%, dentre outras sérias e preocupantes mudanças. Enfim, poderia aqui se descrito inúmeros problemas técnicos que demonstram a perversidade da proposta no plano de retrocessos e no dia-a-dia dos sujeitos envolvidos.

Outro argumento há muito alardeado perfilha dentro do lendário déficit previdenciário a que os economistas adoram e que para boa parte da comunidade especializada, sequer instada a um exaustivo debate, apregoa que é ponto mais do que controvertido, sobretudo quando entidades sérias e respeitadas como ANFIP, CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CNMP), DIEESE, INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO (IBDP), INSTITUTO DE ESTUDOS PREVIDENCIÁRIOS (IEPREV), OAB FEDERAL, dentre outras, demonstram que o caixa é hígido e a reforma pretendida não se justifica sob esse midiático prisma.

 Enfim, devemos sim enfrentar a questão, mas com outros olhos, sem tratar a dignidade das pessoas com números frios e contestados, com argumentos exclusivamente econômicos, contraditórios e confusos. Não se questiona o envelhecimento da população e a necessidade de ajustes no sistema previdenciário nacional, mas se não tiver oferta de emprego em larga escala, por exemplo, se estará batendo cabeça, com idas e vindas como aquelas que ocorreram nas mudanças parciais de outras reformas que já existiram.

 A proposta ainda acaba com a aposentadoria por tempo de contribuição e a recente aposentadoria pelo sistema de pontos (86 x 96), mas indagações outras devem ser feitas, questionando não a vontade de reformar e sim o modelo apresentado, afinal: haverá mão-de-obra para todos? Ou em um futuro próximo somente uma geração de aposentados miseráveis existirá, vivendo apenas do mínimo legal ou também de não aposentados que não conseguiram atingir as novas regras, com reflexos em toda a sociedade com um aumento grande da informalidade? Um simples pipoqueiro que contribui com seu INSS, mas é novo, com a aprovação da PEC será que terá segurança e confiança para continuar vertendo contribuições e pensar na aposentadoria futura, sabidamente distante e em valor baixíssimo (60% aos 15 anos de contribuição)? Que decisão tomaria? Teria requisitos para um plano de previdência privada? Ou seria melhor deixar de contribuir e assim ficar ele e seus dependentes desprotegidos do sistema?

Ao que se vê, aqui apenas pequenos entraves sinteticamente demonstrados, sobretudo aos economistas defensores do modelo apresentado e que preferem adjetivar a previdência somente nos números, algo que o artigo 6º da Constituição e tantos outros dispositivos dizem o oposto.

De todo o modo, a reforma ocorrerá, virá ainda que distante do sentimento constitucional, contudo, como descrito em um conhecido provérbio português "o tempo é o senhor da razão", razão de que a preferência pelos números irá desnaturar o que deveria ser sua primazia.

 

Imagem Ilustrativa do Post: computer // Foto de: Andrew Neel // Sem alterações

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