A redução dos Estados e Municípios, pela extinção da Administração Indireta (Parte 2)

03/12/2016

Por Charles M. Machado – 03/12/2016

Leia também a Parte 1

As crises, tem por habito provocar o enfrentamento dos valores e eliminar as zonas de conforto. Isso ocorre na medida que um conjunto de valores existentes, passa por uma nova leitura, e essa nova forma de ver questiona uma série de privilégios e situações até então seguras.

Dando continuidade ao tema tratado no último artigo tratamos aqui da extinção da administração indireta através os diversos atos societários.

A sociedade tem diversos meios de extinção, pois a dissolução não é o único caminho que produz como resultado a redução de custos através da extinção, outras possibilidades também existem:

“Art. 219. Extingue-se a companhia:

I - pelo encerramento da liquidação;

 II - pela incorporação ou fusão, e pela cisão com versão de todo o patrimônio em outras sociedades.”

I ASPECTOS GERAIS DA INCORPORAÇÃO

A incorporação é a operação de concentração empresarial que implica na transferência do patrimônio de uma pessoa (incorporada) para outra (incorporadora). Por intermédio da incorporação, a incorporadora sucede a incorporada em todos os direitos e obrigações e resulta na extinção dessa última em conseqüência. Segundo Marlon Tomazette, “a incorporação é a operação pela qual uma sociedade absorve outra, que desaparece. A sociedade incorporada deixa de operar, sendo sucedida em todos os seus direitos e obrigações pela incorporadora, que tem um aumento no seu capital social”.[1] No mesmo sentido, Alfredo de Assis Gonçalves Neto doutrina:

A incorporação é a operação de concentração empresarial pela qual uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. Era o que dizia o art. 227 da Lei das S.A., reproduzido, nessa parte, pelo art. 1.116 do Código Civil.[2]

Portanto, a incorporação promove a transferência dos direitos e obrigações da pessoa jurídica incorporada para a incorporadora, ou seja, há a transferência de todo o patrimônio da pessoa jurídica incorporada.

Destaque-se que os dispositivos legais que tratam da incorporação têm por foco a operação entre sociedades, mas tais dispositivos também devem ser aplicados quando se tratar de qualquer pessoa jurídica empresarial. O conceito de pessoa jurídica empresarial vale tanto para as sociedades empresárias (incluindo as sociedades de economia mista), quanto para as “pessoas jurídicas unipessoais” admitidas pela legislação brasileira, como a subsidiária integral de determinada sociedade anônima (arts. 251 e 252 da Lei 6.404/76), a empresa pública unipessoal (art. 5º, inc. II, do Decreto-Lei 200/67) e a recém-criada empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI (art. 980-A do Código Civil).[3]

Feito esse esclarecimento, chega-se à conclusão de que, em razão da transferência de todo o patrimônio da pessoa incorporada, esta é extinta, até mesmo porque, conforme doutrina Fábio Konder Comparato, “Assim como não há patrimônio sem sujeito, tampouco pode existir sujeito sem patrimônio, ou, melhor dizendo, sem capacidade patrimonial.”

Sobre a natureza do processo de incorporação, é importante destacar que ele não pode ser confundido com o procedimento de liquidação. Nesse sentido, Alfredo de Assis Gonçalves Neto assevera que “não se pode falar em liquidação da sociedade incorporada, pois um dos característicos da incorporação é transferir o patrimônio desta sociedade à incorporadora, provocando, destarte, a extinção daquela.”6 Para chegar à mesma conclusão, Fábio Konder Comparato afirma que a incorporação provoca:

[...] uma dissolução da sociedade sem liquidação patrimonial, isto é, sem que o patrimônio social seja decomposto, mediante a transformação dos bens do ativo em dinheiro e pagamento das dívidas. É todo o patrimônio, intacto, da sociedade incorporada […], ativo e passivo, que se transfere, de pleno direito, para a sociedade incorporadora […], de modo a alterar ou compor ex novo o capital destas últimas.[4]

Nessa perspectiva, é possível afirmar que a liquidação e a incorporação não se confundem, mas são espécies de procedimentos para a extinção de pessoa jurídica empresarial (seja ela sociedade empresária, EIRELI ou empresa pública). Nessa linha, o art. 219 da Lei n. 6.404/76 é taxativo ao prever que a companhia (sociedade anônima) se extingue ou pelo encerramento da liquidação (inciso I) ou pela incorporação, fusão ou cisão com versão de todo o patrimônio (inciso II).

II - VANTAGENS DA INCORPORAÇÃO PARA EXTINÇÃO DE PESSOA JURÍDICA EMPRESARIAL

Na prática, o meio mais rápido de se extinguir uma pessoa jurídica empresarial é mediante o uso do instituto da incorporação. Assim, o referido instituto vem sendo muito utilizado como instrumento de reorganização societária com os mais diversos objetivos, como por exemplo, para adoção de melhor estratégia de mercado, para planejamento tributário, para diminuição dos custos burocráticos etc. Nesse sentido, eis os comentários de Lamy Filho Pedreira:

A grande maioria das operações de unificações de sociedades observadas no Brasil são negócios jurídicos de incorporação, o que se explica por algumas vantagens que apresenta: preserva a personalidade jurídica de uma das sociedades (que em geral é a de maior dimensão ou reputação no mercado), reduz a averbação da unificação nos registros públicos de propriedade dos bens e requer menos formalidades do que a constituição da nova companhia criada pela fusão.[5]

Além disso, na incorporação não há necessidade da criação de uma nova pessoa jurídica empresarial, pois uma pessoa jurídica preexistente absorve o patrimônio de uma ou mais pessoas jurídicas que se extinguirão no processo de incorporação. Assim, restará uma pessoa jurídica única, cujo patrimônio corresponderá ao somatório dos patrimônios líquidos de todas as pessoas jurídicas absorvidas no processo de incorporação.

III - A INCORPORAÇÃO ENTRE EMPRESAS ESTATAIS

A incorporação extingue a pessoa jurídica. Logo, pode-se concluir que, quando a pessoa jurídica for uma empresa estatal (empresa pública ou sociedade de economia mista), há necessidade de autorização legislativa para se iniciar o respectivo processo de incorporação, tal qual é exigido, quando se objetiva a liquidação de tais empresas estatais. Essa autorização legislativa é decorrente do princípio do paralelismo das formas, conforme defende Edmir Netto de Araújo:

A conclusão lógica é que, dependendo de lei que autorize a sua criação, só por essa via pode ser extinta, e não por vontade própria, em Assembleia Geral ou por decisão de seu Conselho de Administração, por exemplo, pois qualquer ato, privado ou público, de hierarquia inferior à lei deixaria existente e vigente o ato legislativo que autorizou a criação da empresa (princípio do paralelismo das formas), em situação jurídica indefinida.[6]

Quanto à necessidade de legislação específica autorizando a incorporação (ou outra forma de extinção) das pessoas jurídicas integrantes da Administração Indireta, no passado já se tentou conferir ao Chefe do Poder Executivo uma autorização genérica para fazê-lo. Entretanto, com a evolução legislativa e doutrinária sobre a questão, dúvidas não há quanto à exigência de autorização específica, conforme ensinamentos de Maria Sylvia Zanella di Pietro:

Quanto à extinção das empresas públicas e sociedades de economia mista (bem como das autarquias e fundações), o artigo 178 do Decreto-lei n.º 200/67 previa a possibilidade da sua liquidação ou incorporação a outras entidades, “por ato do Poder Executivo, respeitados os direitos assegurados aos eventuais acionistas minoritários, se houver, nas leis e atos constitutivos de cada entidade”.

Esse dispositivo sempre foi criticado pelos doutrinadores, por atribuir ao Poder Executivo a possibilidade de desfazer ato do legislador, sendo, portanto, inconstitucional.

Na atual Constituição, ficou fora de dúvida sua revogação, pois a competência do Presidente da República para dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Federal, que era invocada para justificar aquela norma, passou a ser exercida “na forma da lei” (art. 84, VI, em sua redação original). Esse dispositivo foi alterado pela Emenda Constitucional n.º 32/2000, que deu competência ao Presidente da República para dispor, por decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, porém quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos. A mesma Emenda Constitucional também alterou o artigo 61, § 1º, alínea e, exigindo lei de iniciativa do Presidente da República para a criação e extinção de Ministérios e órgão da administração pública. Se a exigência é feita para órgãos (que não têm personalidade jurídica própria), com muito mais razão se justifica em relação aos entes da administração indireta, que são pessoas jurídicas distintas da pessoa política que as instituiu.[7]

No mesmo sentido, José dos Santos Carvalho Filho é categórico em afirmar que para implementar a extinção da empresa pública ou sociedade de economia mista é necessária lei autorizadora prévia:

A extinção das empresas públicas e das sociedades de economia mista reclama lei autorizadora. Significa dizer que o Poder Executivo, a que são normalmente vinculadas, não tem competência exclusiva para dar fim às entidades. O fato se justifica pela teoria da simetria, isto é, se a própria Constituição exige que a autorização criadora se faça através de lei, é evidente que somente ato desta natureza será legítimo para extingui-las.[8]

Portanto, desde que haja prévia autorização legislativa, dúvidas não há quanto à possibilidade de uma empresa estatal ser incorporada e de ser, conseqüentemente, extinta. Vale ressaltar que essa autorização legislativa precisa ser específica, isto é, deve indicar que a extinção deverá ser feita por incorporação, e não por outra forma. Sendo assim, uma eventual lei que autorize a liquidação de determinada empresa estatal não pode ser utilizada por analogia, quando se pretender a extinção por incorporação dessa empresa estatal.

Para a extinção de empresa estatal por incorporação é necessária prévia autorização legal, mas não é exigida tal autorização legal quando a empresa estatal é que pretender incorporar o patrimônio de outra pessoa jurídica empresarial. Quando a empresa estatal assume o papel de incorporadora, não se faz necessária a prévia autorização legislativa, mas se ambas, incorporadora e incorporada, forem empresas estatais, é conveniente que a lei que autorizará a incorporação, além de mencionar a empresa estatal incorporada, também identifique a empresa estatal incorporadora – procedimento este que é relevante para conferir mais publicidade à operação.

Sendo certo que as empresas estatais em liquidação podem ser incorporadas ou incorporarem o patrimônio umas das outras, mesmo estando em processo de liquidação, resta saber se há diferença de tratamento entre a empresa pública e a sociedade de economia mista.

A empresa pública é uma pessoa jurídica de direito privado, na qual todo o capital deve ser integralizado, obrigatoriamente, por uma pessoa jurídica de direito público, podendo adotar qualquer forma admitida em direito (art. 5º, inc. II, do Decreto-lei n. 200/67). Por seu turno, a sociedade de economia mista também é uma pessoa jurídica de direito privado, que deve adotar, obrigatoriamente, a forma de sociedade anônima (S/A) e que, se houver partes de ações pertencentes a particulares, uma pessoa jurídica de direito público deve ser a detentora de, pelo menos, mais da metade daquelas ações com direito a voto (art. 5º, inc. III, do Decreto-lei n. 200/67).

Destaque-se que se adotaram aqui, na definição de empresa pública e sociedade de economia mista, basicamente, os conceitos do Decreto-lei n. 200/67 que, apesar de tratar da Administração Pública federal, tem status de lei federal e é aplicado por analogia aos demais entes federados, haja vista que a competência para legislar sobre Direito de Empresa ou Direito Comercial é privativa da União (art. 22, inc. I, da CF/88).

Tomando por base tais definições, basta considerar que as empresas públicas são sociedades unipessoais e todas as suas “ações” ou “quotas sociais” têm direito a voto e são pertencentes à pessoa jurídica de direito público que as criou.

Dito isso, adotando-se a ideia posta acima sobre a empresa pública, conclui-se que é juridicamente possível a incorporação entre empresas públicas e sociedades de economia mista, tendo em vista que o caput do art. 223 da Lei n. 6.404/76 admite que a incorporação seja realizada entre “sociedades de tipos iguais ou diferentes”.

IX - A INCORPORAÇÃO ENTRE EMPRESAS ESTATAIS EM PROCESSO DE LIQUIDAÇÃO

Se as empresas estatais se encontrarem em processo de liquidação, é possível que sejam incorporadas ou que incorporem o patrimônio uma das outras, já que, se o processo de liquidação ainda está em curso, conclui-se que existe patrimônio da empresa pública em liquidação e ainda não houve extinção da respectiva pessoa jurídica; logo, o referido patrimônio pode ser incorporado a outra empresa estatal.

Durante o processo de liquidação é possível prosseguir no exercício da atividade empresarial, desde que haja deliberação da assembleia geral nesse sentido (art. 211, parágrafo único, da Lei 6.404/76), e por questão de lógica também deve ser admitida a eventual incorporação de empresas estatais entre si, ainda que ambas estejam em processo de liquidação. E essa incorporação também requer deliberação da assembleia geral (art. 225 da Lei 6.404/76).

É importante destacar que, em ambas as situações – prosseguimento na atividade empresarial e incorporação –, o regime jurídico específico da empresa estatal ainda exige prévia autorização legislativa, não bastando a mera autorização conferida pela assembleia geral. Essa autorização legislativa é necessária porque deve revogar a anterior autorização legislativa para a liquidação da empresa estatal, sendo que, no caso de incorporação, também deve haver autorização legislativa para a utilização dessa modalidade de extinção.

V - SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EXTINÇÃO.

As sociedades de economia mista são regidas pela lei civil (Lei das S/A – Lei federal nº 6.404, de 15/12/1976) e pela legislação do ente federado que as instituiu. Sua criação e extinção dependem de autorização legislativa específica. A liquidação destas também é regrada pela referida Lei das Sociedades Anônimas. Parâmetros relativos às obrigações transferíveis nesta hipótese. Embora devam obedecer a determinados princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública direta, os empregados das sociedades de economia mista não são servidores públicos stricto sensu. Ocorrendo a sua extinção, seus empregados devem ser dispensados, observada a legislação trabalhista, não havendo qualquer possibilidade jurídica de serem incorporados aos quadros do funcionalismo da Administração direta, somente da indireta.

VI - CRIAÇÃO E EXTINÇÃO

A lei autoriza a criação; não cria.

EC 19/98: art. 37, XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de suas atuação.

Deve o Estado, portanto, providenciar a prática do ato que contenha o estatuto, ou dos próprios atos constitutivos da entidade, para que sejam inscritos no registro próprio, fato que dá início à existência legal da pessoa jurídica, como, aliás, está claro no art. 45 do Código Civil.

A extinção das EP e das SEM reclama lei autorizadora.  - REGIME

A norma constitucional determina que as SEM e EP devem sujeitar-se ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações tributárias. No segundo, como que repetindo esse nivelamento, reza o texto que as mesmas entidades não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

Maria Sylvia entende que as condições acima apresentadas só se aplicam às entidades que exploram atividade econômica em sentido estrito, podendo haver privilégios em favor daquelas que excutam atividades econômicas sob a forma de serviços públicos.

O Autor discorda. Todas as EP e SEM, como entidades paraestatais que são, devem sujeitar-se ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas, porque, como já visto, todas exercem, em sentido amplo, atividades econômicas.

É cabível, no entanto, admitir, como o fazem alguns estudiosos, situação excepcional que não seria atingida pelas regras restritivas do art. 173: é a hipótese em que a EP ou a SEM executam serviço público monopolizado. A concessão de um ou outro privilégio seria aceitável nesse caso em virtude da inexistência de ameaça ao mercado e da ausência do risco de abuso do poder econômico.

Avulta acrescentar que nenhum privilégio pode contrariar o sistema constitucional naquilo que for aplicável a tais pessoas, a menos que seja concedido pela própria Constituição.

O STF adotou entendimento de que estaria abrangida pela imunidade tributária recíproca empresa pública prestadora de serviço público exclusivo do Estado. O tema ainda encontra dividindo doutrina e jurisprudência.

VII - PARA A INCORPORAÇÃO

Conquanto o Código Civil não tenha tratado do procedimento e dos documentos societários necessários à incorporação, tais formalidades continuam sendo exigidas para a validade do negócio. Aliás, os documentos deverão ser arquivados na Junta Comercial para fins de registro público. Para tanto, aplicam-se as regras previstas na Lei nº. 6.404/76. Sobre o tema, é oportuno transcrever as lições de Sílvio de Salvo Venosa e Cláudia Rodrigues:

O procedimento de incorporação tem início com a investigação da situação da sociedade incorporada (due dilligence) para a verificação da viabilidade da operação. O resultado desse procedimento preliminar dará as bases da operação de incorporação e de reforma do ato constitutivo. A Lei nº 6.404, de 1976, estabelece a necessidade de apresentação de justificação, que vem a ser um relatório técnico elaborado pelos administradores para ser apresentado aos sócios, com o detalhamento da operação e dos motivos para sua realização. Apresentada a justificação, com os vários consideranda (sic), procede-se ao protocolo, que pode ser definido como um contrato preliminar pelo qual incorporada e incorporadora manifestam a vontade de realizar a operação, ficando assim vinculadas. Embora o Código Civil não traga essa regra, tratando-se de incorporação que envolva sociedade por ações, essas peças são indispensáveis para as tratativas preliminares da operação. Nada impede, igualmente, que mesmo nas incorporações que envolvam outra natureza societária apliquem-se as regras das sociedades por ações, diante da omissão do Código. Trata-se de forma mais segura e mais transparente de realizar o processo.[9]

Para a realização da incorporação, a Lei n. 6.404/76 determina expressamente que sejam elaborados determinados documentos societários, os quais deverão ser firmados ou ratificados pelos acionistas/sócios das pessoas jurídicas submetidas ao processo de incorporação.  Destacam-se o protocolo, a justificação e o laudo de avaliação. Esses documentos societários também devem ser interpretados e providenciados analogicamente para as pessoas jurídicas unipessoais que participem do processo de incorporação.

O protocolo é o primeiro documento societário imprescindível para a realização

da incorporação, cuja base legal encontra-se no art. 224 da Lei n. 6.404/76:

Art. 224. As condições da incorporação, fusão ou cisão com incorporação em sociedade existente constarão de protocolo firmado pelos órgãos de administração ou sócios das sociedades interessadas, que incluirá:

I - o número, espécie e classe das ações que serão atribuídas em substituição dos direitos de sócios que se extinguirão e os critérios utilizados para determinar as relações de substituição; II - os elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do patrimônio, no caso de cisão; III - os critérios de avaliação do patrimônio líquido, a data a que será referida a avaliação, e o tratamento das variações patrimoniais posteriores; IV - a solução a ser adotada quanto às ações ou quotas do capital de uma das sociedades possuídas por outra; V - o valor do capital das sociedades a serem criadas ou do aumento ou redução do capital das sociedades que forem parte na operação; VI - o projeto ou projetos de estatuto, ou de alterações estatutárias, que deverão ser aprovados para efetivar a operação; VII - todas as demais condições a que estiver sujeita a operação.

Parágrafo único. Os valores sujeitos a determinação serão indicados por estimativa.

Sobre o protocolo é relevante registrar que os requisitos mínimos estão previstos no art. 224 da Lei n. 6.404/76; entretanto, poderão existir outras cláusulas ou elementos complementares ou especiais para a incorporação e, se existirem, deverão ser incluídos no protocolo. Esse documento, na verdade, tem a finalidade de apresentar aos acionistas as condições em que se dará a futura incorporação e deve ser elaborado e assinado pelos órgãos de administração ou sócios das sociedades interessadas no negócio.

Sobre a natureza do protocolo, é esclarecedora a lição de Modesto Carvalhosa, para quem “o protocolo constitui convenção de natureza pré-contratual que manifesta e vincula a vontade das sociedades envolvidas através dos órgãos de administração da companhia ou dos sócios-gerentes das sociedades de pessoas”.[10]

Vale salientar que, apesar de ser elemento essencial à validade da incorporação e por isso sujeito a registro na Junta Comercial, o protocolo não gera responsabilidade aos administradores pela não realização da incorporação, pois esse ato depende da decisão que será tomada na Assembleia Geral, quando a operação envolver apenas sociedades anônimas. A Assembleia Geral ou a reunião de quotistas não podem alterar ou emendar o protocolo. Havendo recusa parcial das condições fixadas no protocolo, deverá ser elaborado novo documento para submissão à nova apreciação do órgão deliberativo.

Outrossim, é importante registrar que, via de regra, na data da celebração do protocolo, dificilmente os órgãos de administração das pessoas jurídicas empresariais envolvidas terão condições de demonstrar de forma definitiva os valores da operação; portanto, o protocolo não precisa apresentar números definitivos, mas estimativas que serão determinadas no futuro; daí, a previsão do parágrafo único do art. 224 da Lei n. 6.404/76.

A justificação é segundo documento societário exigido para a incorporação e seu conteúdo está mencionado no art. 225, incisos I a VI, da Lei n. 6.404/76. A doutrina sustenta que o protocolo é um documento de natureza mais técnica, cuja finalidade é detalhar as informações sobre a reorganização pretendida e a justificação é na verdade uma exposição de motivos a ser exposta pelos órgãos de administração aos sócios ou acionistas; contudo, deverá conter obrigatoriamente os itens exigidos no art. 225 da Lei n. 6.404/76.[11]

A recusa parcial da justificação provoca as mesmas consequências da recusa parcial do protocolo. Assim, nesta circunstância impõe-se a elaboração de nova minuta de justificação. Após a aprovação do protocolo e da justificação, os sócios/acionistas das sociedades envolvidas na operação deverão nomear três peritos ou uma empresa especializada em auditoria dessa natureza para avaliar o patrimônio líquido da sociedade a ser incorporada.

Por último, o laudo de avaliação é o terceiro documento societário imprescindível à realização da incorporação. Esse laudo tem o objetivo de apurar o patrimônio líquido da sociedade a ser incorporada e deverá ser elaborado segundo as regras do art. 8º da Lei n. 6.404/76.

Quanto aos critérios para a avaliação do patrimônio líquido, anote-se que os sócios ou acionistas poderão escolher entre o valor de mercado ou contábil, conforme prevê o art. 21 da Lei n. 9.249/95, o qual dispõe, também, sobre as medidas que devem ser adotadas para efeito do imposto de renda. Eis a redação do dispositivo:

Art. 21. A pessoa jurídica que tiver parte ou todo o seu patrimônio absorvido em virtude de incorporação, fusão ou cisão deverá levantar balanço específico para esse fim, no qual os bens e direitos serão avaliados pelo valor contábil ou de mercado.

§ 1º O balanço a que se refere este artigo deverá ser levantado até trinta dias antes do evento. § 2º No caso de pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou arbitrado, que optar pela avaliação a valor de mercado, a diferença entre este e o custo de aquisição, diminuído dos encargos de depreciação, amortização ou exaustão, será considerada ganho de capital, que deverá ser adicionado à base de cálculo do imposto de renda devido e da contribuição social sobre o lucro líquido. § 3º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, os encargos serão considerados incorridos, ainda que não tenham sido registrados contabilmente. § 4º A pessoa jurídica incorporada, fusionada ou cindida deverá apresentar declaração de rendimentos correspondente ao período transcorrido durante o ano calendário, em seu próprio nome, até o último dia útil do mês subseqüente ao do evento.

Acerca do procedimento, cabe ressaltar também que os atos de reorganização societária e, dentre eles a incorporação, devem ser arquivados perante o Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comerciais. O arquivamento dos atos de incorporação de sociedades mercantis está regulamentado pela Instrução Normativa n. 88, de 02 de agosto de 2001, do Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC, a qual em seus artigos de 10 a 12 especifica os documentos imprescindíveis a tal finalidade.

Deverá, ainda, ser observada a Instrução Normativa n. 115, de 30 de setembro de 2011, também do DNRC, que prevê, em seu art. 1º, que as certidões relativas à comprovação de quitação de tributos e contribuições sociais federais deverão acompanhar os pedidos de arquivamento de incorporação.

Salienta-se, ainda, no que tange ao procedimento, que, por força das disposições do art. 234 da Lei n. 6.404/76, a certidão passada pela Junta Comercial, sobre a incorporação, fusão ou cisão, é o documento hábil para a averbação, nos registros públicos competentes, da sucessão, decorrente da operação, em bens, direitos e obrigações. Por fim, alerta-se que há a necessidade de observância das regras contidas nos artigos de 1.150 a 1.154 do Código Civil, que tratam do registro das pessoas jurídicas empresariais.

As empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista) podem ser incorporadas entre si, ainda que estejam em processo de liquidação não finalizado ou ainda que a empresa incorporada tenha patrimônio líquido negativo, desde que haja lei autorizando tal incorporação, pois a incorporação é uma das formas de extinção da personalidade jurídica das empresas estatais.

O procedimento a ser seguido é o previsto para as sociedades anônimas, na Lei n. 6.404/76, o qual, além de ser aplicado às sociedades de economia mista, também deve ser aplicado quando se tratar de empresas públicas. O Código Civil não tratou desse procedimento, apesar de ter regulamentado aspectos da incorporação como, por exemplo, a extensão de 60 (sessenta) para 90 (noventa) dias o prazo decadencial para que credores pleiteiem eventual anulação do processo de incorporação.

Assim, com relação às empresas públicas, deve ser aplicado mutatis mutandis o mesmo procedimento de incorporação previsto para as sociedades anônimas (incluindo as sociedades de economia mista), principalmente considerando que todas as suas “ações” ou “quotas sociais” têm direito a voto e pertencem a uma mesma pessoa – a pessoa jurídica de direito público que instituiu a referida empresa pública.

As operações societárias visando a redução do aparato estatal devem ser ampliadas nos próximos anos, é fundamental reduzir a estrutura do Estado, sob pena de comprometer os serviços.


Notas e Referências:

[1] Marlon TOMAZETTE, Curso de Direito Empresarial, 2009, p. 588.

[2] Alfredo de Assis GONÇALVES NETO, Manual das Companhias ou Sociedades Anônimas, 2010, p. 278. Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012                                                                                                          13

[3] A “pessoa jurídica unipessoal” não se confunde com a “sociedade unipessoal”, que o direito brasileiro admite quando determinada sociedade que já opere venha a, posteriormente, quedar-se com apenas um único sócio. Nesse caso, em razão de a unipessoalidade ser superveniente e temporária, admitida em prol da preservação da empresa (art. 1.033, inc. IV, do Código Civil ou art. 206 da Lei 6.404/76 ou Lei das S/A’s), é que se poderia cogitar de chamá-la de “sociedade unipessoal”. 6 Alfredo de Assis GONÇALVES NETO, Manual das Companhias ou Sociedades Anônimas, 2010, p. 278-279.

[4] Fábio Konder COMPARATO, Sucessões Empresariais, 2011, p. 1145.

[5] Lamy Filho PEDREIRA, Incorporação, fusão e cisão. In: José Luiz Bulhões PEDREIRA. (org.). Direito das Companhias, 2009, p. 1.746.

[6] Edmir Netto de ARAÚJO, Curso de Direito Administrativo, 2006, p. 210.

[7] Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, Direito Administrativo, 2011, p. 459.

[8] José dos Santos CARVALHO FILHO, Manual de Direito Administrativo, 2004, p. 403.

[9] Sílvio de Salvo VENOSA; Cláudia RODRIGUES, Direito civil: direito empresarial, 2012, p. 208. 3ªed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 208.

[10] Modesto CARVALHOSA, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 1999, p. 253.

[11] Ian MUNIZ, Fusões e Aquisições – Aspectos Fiscais e Societários, 2009, p. 160-165.


Charles M. MachadoCharles M. Machado é Professor nos Cursos de Extensão da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, em Direito das Marcas e Direito do Intangível, é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha, Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também já foi  palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@charlesmachado.adv.com.br


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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