A redução da maioridade penal e o impacto na educação obrigatória dos 4 aos 17 anos

01/08/2015

Por Juliana Hermes Luz - 01/08/2015

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 define como direito fundamental social (direito fundamental de 2ª geração) a Educação (art. 6º), direito de todos e dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 227, art. 4º e 35 do ECA).

Do mesmo modo, a CRFB/88 impõe que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade (art. 4º, inc. I da LDB), assegurada inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria (art. 208, I).

Por sua vez, em redação similar o art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz ser a eles assegurados, dentre outros: a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria.

Ainda, a Lei Federal nº 12.594/2012 que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE e regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional, enfatiza que os Planos de Atendimento Socioeducativo deverão, obrigatoriamente, prever ações articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação para o trabalho e esporte, para os adolescentes atendidos, em conformidade com os princípios elencados no ECA.

Nesse contexto, a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1974 – Lei de Execução Penal (LEP) em seu art. 126, aduz que o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena, sendo que a contagem do tempo será feita à razão de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias.( já falei da remição pela leitura aqui).

Sob esse contorno introdutório, discute-se no cenário político-jurídico nacional a redução da maioridade penal dos 18 para os 16 anos.

Além de ser uma afronta ao pacto constitucional, e com todos os inúmeros aspectos em sentido contrário, a redução da maioridade penal ensejaria uma gigante modificação na forma em que a educação é ministrada dentro dos presídios.

Hoje o que é uma faculdade aos segregados, seria uma obrigação aos encarcerados com idade inferior aos 18 anos, por força da própria Constituição e da Lei de Diretrizes e Bases, conforme já dito.

Sob esse aspecto, haveria também a necessidade de verificar-se a compatibilidade entre a remição da pena pelo estudo face a sua obrigatoriedade aos menores de 18 anos, levando-se em conta as formas de avaliação de ensino previstas pelas normas do Conselho Nacional da Educação, por exemplo: se o menor de 18 anos encarcerado reprovar, haveria a possibilidade de ser remida a sua pena? Se não há sequer uma lei federal que regule a remição pela leitura, o que irá regular a avaliação no sistema de educação no cárcere? O que fazer com a frequência ao ensino obrigatório do preso colocado em RDD? Como controlar o mínimo de horas exigidos em calendário escolar pela Lei de Diretrizes e Bases?

A Resolução nº 03, de 11 de Março de 2009, dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a oferta de Educação nos estabelecimentos penais, e em seu art. 2º aduz que as ações de educação no contexto prisional devem estar calcadas na legislação educacional vigente no país e na Lei de Execução Penal, devendo atender as especificidades dos diferentes níveis e modalidades de educação e ensino.

Ainda, segundo a Resolução, a oferta de educação no contexto prisional deve: I – atender aos eixos pactuados quando da realização do Seminário Nacional pela Educação nas Prisões (2006), quais sejam: a) gestão, articulação e mobilização; b) formação e valorização dos profissionais envolvidos na oferta de educação na prisão; e c) aspectos pedagógicos; II – resultar do processo de mobilização, articulação e gestão dos Ministérios da Educação e Justiça, dos gestores estaduais e distritais da Educação e da Administração Penitenciária, dos Municípios e da sociedade civil; III – ser contemplada com as devidas oportunidades de financiamento junto aos órgãos estaduais e federais; IV – estar associada às ações de fomento à leitura e a implementação ou recuperação de bibliotecas para atender à população carcerária e aos profissionais que trabalham nos estabelecimentos penais; e V – promover, sempre que possível, o envolvimento da comunidade e dos familiares do(a)s preso(a)s e internado(a)s e prever atendimento diferenciado para contemplar as especificidades de cada regime, atentando-se para as questões de inclusão, acessibilidade, gênero, etnia, credo, idade e outras correlatas.

Do mesmo modo, a Resolução nº 2, de 19 de maio de 2010 do Conselho Nacional de Educação que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais, dispõe em seu art. 3º que a oferta de educação para jovens e adultos em estabelecimentos penais obedecerá às seguintes orientações: I – é atribuição do órgão responsável pela educação nos Estados e no Distrito Federal (Secretaria de Educação ou órgão equivalente) e deverá ser realizada em articulação com os órgãos responsáveis pela sua administração penitenciária, exceto nas penitenciárias federais, cujos programas educacionais estarão sob a responsabilidade do Ministério da Educação em articulação com o Ministério da Justiça, que poderá celebrar convênios com Estados, Distrito Federal e Municípios; II – será financiada com as fontes de recursos públicos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino, entre as quais o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), destinados à modalidade de Educação de Jovens e Adultos e, de forma complementar, com outras fontes estaduais e federais; III – estará associada às ações complementares de cultura, esporte, inclusão digital, educação profissional, fomento à leitura e a programas de implantação, recuperação e manutenção de bibliotecas destinadas ao atendimento à população privada de liberdade, inclusive as ações de valorização dos profissionais que trabalham nesses espaços; IV – promoverá o envolvimento da comunidade e dos familiares dos indivíduos em situação de privação de liberdade e preverá atendimento diferenciado de acordo com as especificidades de cada medida e/ou regime prisional, considerando as necessidades de inclusão e acessibilidade, bem como as peculiaridades de gênero, raça e etnia, credo, idade e condição social da população atendida; V – poderá ser realizada mediante vinculação a unidades educacionais e a programas que funcionam fora dos estabelecimentos penais; VI – desenvolverá políticas de elevação de escolaridade associada à qualificação profissional, articulando-as, também, de maneira intersetorial, a políticas e programas destinados a jovens e adultos; VII – contemplará o atendimento em todos os turnos; VIII – será organizada de modo a atender às peculiaridades de tempo, espaço e rotatividade da população carcerária.

Ocorre que, referidas resoluções foram criadas sob o contexto do estudo facultativo ao presidiário, e não obrigatório.

O ensino obrigatório dos 4 aos 17 anos é regido por Leis e Resoluções próprias federais, bem como sobre as normativas dos Conselhos Estaduais de Educação e Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, em cada Estado e Município.

Paralelamente à proposta de redução da maioridade penal não há nenhum comentário a respeito da alteração quanto ao oferecimento do ensino obrigatório no presídio para as pessoas dessa faixa etária, o que torna ainda mais clara a intenção da resposta mais rápida àquela com melhores resultados (segregação x educação).

Inclusive é de se salientar que o não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa em responsabilidade da autoridade competente.

Vale dizer também, que a oferta do ensino obrigatório deverá, segundo o art. 206, inciso VII, da CRFB/88, e o art. 3º, inciso IX da LDB, ser oferecido com garantia do padrão de qualidade, nos termos do Plano Nacional da Educação.

A Lei nº. 9.394/96,  enfatiza em outros dez momentos o termo qualidade: padrão de qualidade, padrão mínimo de qualidade, avaliação de qualidade, e melhoria de qualidade (art. 3º, IX, 4º, IX, 7º, II, 9º, VI, 47,§4º, 70, IV, 71, I, 74, 75, caput, §2º, da LDB0[1].

Juntamente ao padrão da qualidade de ensino, a educação escola obedece, dentre outros, o princípio da “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, que exige a quem cabe a oferta da educação, ou seja, do Estado, da sociedade e da família, a adoção de novas estratégias de inclusão escolar.

Vale dizer que a Lei complementar n. 170/1998 do Estado de Santa Catarina, estabelece como dever do Estado a garantia também de padrões de qualidade, sendo que isso não se limita a dimensão pedagogia e administrativa de gestão da instituição, mas também, inclui os recursos materiais e imateriais da dimensão física da escola.

Nesse sentido, as instalações das escolas estaduais de educação básica serão caracterizadas, segundo o art. 67 da referida Lei com:

I - suficiência das bases físicas, com salas de aula e demais ambientes adequados ao desenvolvimento do processo educativo; II - adequação de laboratórios, oficinas e demais equipamentos indispensáveis à execução do currículo; III - adequação das bibliotecas às necessidades de docentes e educandos nos diversos níveis e modalidades de educação e ensino, assegurando a atualização do acervo bibliográfico; IV - existência de instalações adequadas para educandos com necessidades especiais; V - ambientes próprios para aulas de educação física e realização de atividades desportivas e recreativas; VI - oferta de salas de aula que comportem o número de alunos a elas destinado, correspondendo a cada aluno e ao professor áreas não inferiores a 1,30 e 2,50 metros quadrados, respectivamente, excluídas as áreas de circulação interna e as ocupadas por equipamentos didáticos.

Em um país em que há superlotação carcerária, encontrar vontade, recurso e viabilidade para o oferecimento do ensino de padrão de qualidade, será, no mínimo, interessante.

Nesse contexto inegável o impacto da redução da maioridade penal também na esfera da educação. A alteração da legislação e implantação de outras diversas medidas pelo Estado visando a efetivação deste direito social é uma consequência irrefutável.

Muito embora nesse momento esteja sendo questionada a real intenção do constituinte quanto a idade de imputabilidade penal, não estão questionando (ainda!!!!!) a fundamentalidade da Educação, advindo-se da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, por si só, a obrigatoriedade de proteção a referido direito fundamental.


Notas e Referências:

[1] FERREIRA, Luiz Antonio Miguel. Gestão administrativa-pedagógica da escola: considerações legais. In: ABMP, Todos pela educação (org.) Justiça pela qualidade na educação. São Paulo: Saraiva, 2013.p.387


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Juliana Hermes Luz é Aluna de Pós Graduação da Academia Brasileira de Direito Constitucional.

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Imagem Ilustrativa do Post: Back to School // Foto de: Phil Roeder // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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