Coluna Direito Civil em Pauta / Coordenadores Daniel Andrade, David Hosni, Henry Colombi e Lucas Oliveira.
Longe está do exagero a afirmação segundo a qual o advento das perícias genéticas representou um verdadeiro turning point no âmbito das ações de estado. Se, antes delas, a conclusão acerca da existência do vínculo biológico entre duas pessoas frequentemente se apoiava, do ponto de vista probatório, em exames que, na maior parte dos casos, não se mostravam capazes de oferecer mais do que resultados probabilísticos[i], com o recurso aos chamados “testes de DNA”, tais limitações técnicas praticamente desapareceram, tendo dado lugar à segurança e à precisão quanto à informação por meio deles obtida. E foi assim que, “com o passar dos anos, uma verdadeira euforia tomou conta dos operadores do direito, animados pelos resultados e pelas promessas das perícias genéticas, principalmente no que se referia à determinação da paternidade”[ii]. Tamanho o entusiasmo, chegou-se mesmo a advogar a tese – que viria a ser posteriormente chancelada pelo Supremo Tribunal Federal[iii] – da relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade, com vistas à reabertura da instrução e à execução das perícias genéticas não realizadas oportunamente.
Não tardou muito para que a euforia suscitada em torno da introdução das perícias genéticas no âmbito das ações investigatórias de paternidade passasse a ser mitigada pelos questionamentos acerca da recusa de cooperação por parte do investigado, na hipótese em que se negasse a fornecer amostras do próprio material biológico para realização do exame. Poderia ele ser compelido, conduzido “debaixo de vara” ao laboratório, a fim de que se extraíssem os tecidos indispensáveis à execução da perícia? Ou deveria ele ser respeitado em sua recusa, que haveria de ser resolvida, talvez, na tábua da prova?
Várias foram as respostas concebidas para o problema pelos mais diversos ordenamentos jurídicos. A mais radical delas possivelmente provenha do direito alemão, que prevê a realização de exames compulsórios, em caso de repetidas e infundadas recusas dos sujeitos. A regra encontra-se prevista no § 372a do Código de Processo Civil Alemão (Zivilprozessordnung – ZPO), dispositivo cujas raízes remontam ao período do Nacional-Socialismo[iv].
O direito brasileiro preferiu seguir estrada diversa, tendo-se posicionado historicamente contra a condução coercitiva do investigado que se recusava a colaborar para a realização das perícias genéticas.
Em 1994, o Supremo Tribunal Federal foi instado a manifestar-se sobre o assunto, tendo formado precedente que despertou a atenção da doutrina para o tema[v]. Cuidava-se de habeas corpus impetrado em face de ato praticado por autoridade do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul contra decisão que rejeitara agravo de instrumento interposto pelo impetrante, cuja condução “debaixo de vara” fora determinada, caso não comparecesse espontaneamente, na data designada, ao local marcado para a realização do teste de DNA disposto nos autos de ação investigatória de paternidade. Por maioria, prevaleceu o entendimento de que a imposição manu militari das perícias genéticas não se compadecia com os direitos e garantias constitucionalmente previstos.
Em âmbito legislativo, a primeira intervenção do legislador ordinário a respeito da matéria operou-se por meio do art. 232 do vigente Cód. Civ., dispositivo que, malgrado a amplitude, parece ter sido concebido para acomodar a hipótese de que ora se cuida. A opção legislativa era muito clara: respeitava-se a recusa do investigado, estabelecendo-se, ao mesmo tempo, a possibilidade de que o juiz, com base nela, suprisse a prova que se pretendia obter com o exame[vi]. Em uma interpretação literal e assistemática do dispositivo, o magistrado estaria autorizado a julgar as ações investigatórias com base única e exclusivamente na recusa do investigado, ainda que todo o arcabouço probatório apontasse em direção contrária. Algo verdadeiramente absurdo, como apontou, entre outros, João Baptista Villela, na medida em que, do ponto de vista prático, equiparava-se a recusa do investigado a uma “confissão ficta” da paternidade que lhe era atribuída[vii].
Ressalvadas as manifestações de parte da doutrina sobre a “inutilidade do dispositivo”[viii], as críticas ao art. 232 do Cód. Civ. sempre estiveram ligadas ao aceno do legislador a uma solução que, por assim dizer, tirava com uma mão o que se dava com a outra. A recusa era respeitada com base na premissa de que, do ponto de vista jurídico, qualificava-se como exercício de certos direitos da personalidade. Assim, em princípio, estariam os investigados livres para negar-se a submeter-se aos “testes de DNA”. Sabendo, no entanto, que essa recusa poderia ser eventualmente considerada uma confissão ficta de paternidade. Ainda que, como se sabe, não se admitam confissões em matéria de direitos indisponíveis (art. 392, caput, do Cód. Proc. Civ.)!
Esta interpretação - apenas na aparência liberal - aberta pelo legislador de 2002 foi expressamente encampada pelo Superior Tribunal de Justiça, no enunciado da Súmula no 301, editada em 2004. Ao prescrever que “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”, o que fez a Corte, do ponto de vista concreto, foi confirmar o respeito formal de nosso ordenamento à recusa a submeter-se às perícias genéticas, não sem atribuir ao investigado uma espécie de “sanção” negativa pela falta de colaboração: a inversão do ônus da prova[ix]. Abrindo espaço para que, no limite, a paternidade pudesse ser acolhida com fulcro em único elemento de prova: a “confissão ficta” do investigado.
Em favor da solução acolhida pela Súmula no 301, sempre se argumentou que não seria razoável que aquele que se nega a submeter-se à perícia genética pudesse aproveitar-se da própria recusa. Ora, isso jamais esteve em pauta, inclusive porque o proíbe expressamente o art. 231 do Código Civil[x]. Nesse contexto, melhor teria sido adotar regra semelhante àquela contida no art. 2º-A[xi] da Lei no 8.560/92, nela introduzida pela Lei no 12.004/2009, dispositivo que faz expressa menção à necessidade de conjugação da presunção de paternidade extraída da recusa com o contexto probatório. Ao menos assim se reforçaria a interpretação de que a demanda não poderia ser julgada com base em uma avaliação isolada da negativa do investigado.
Este é o pano de fundo de recente decisão da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, de maio do presente ano, prolatada nos autos da Reclamação no 37.521/ SP[xii]. Discutia-se, então, se a sentença que extinguira ação investigatória de paternidade reproposta com base em indícios de fraude na execução da prova genética que instruíra o feito originário afrontava a autoridade da Corte. Em sede de recurso especial, essa afastara a preliminar de coisa julgada, tendo determinado a apuração da alegada fraude e a realização de novo “teste de DNA”. Como os parentes do suposto pai falecido não compareceram ao segundo exame, o juiz de Primeiro Grau entendeu por bem extinguir o processo, ao argumento de que, em seu sentir, não haveria mais do que uma alegação de fraude sem provas, não se aplicando à espécie a já mencionada Súmula no 301.
Extrapolando o contexto e os limites objetivos da Reclamação de que ora se trata, parece seguro que, já de antemão, muitíssimo robustas deveriam ser as provas da suposta “fraude” para que pudessem levar à relativização da coisa julgada. Ainda assim, subsistiriam dúvidas sobre a possibilidade de tal operação.
Na base destas ponderações se encontra a constatação de que não se está, aqui, diante da clássica hipótese de decisão transitada em julgado à míngua da prova técnica de natureza genética, que, pelos mais diversos motivos, não chegou a ser produzida – na linha, pois, do que já decidira o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral. No caso levado ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça, havia um “teste de DNA”, cujos resultados eram questionados, ao fundamento de “fraude”: uma situação cuja diversidade em relação ao precedente do Supremo Tribunal Federal impossibilitaria a interpretação analógica da regra nele contida, de natureza excepcional. Pois parece fora de discussão que o respeito à coisa julgada constitui um dos parâmetros de nosso ordenamento, senão por outro motivo, pelo tratamento constitucional que lhe é conferido.
Ainda assim, tendo-se levantado o “óbice da coisa julgada na hipótese”[xiii], era de se esperar que o órgão fracionário do Superior Tribunal de Justiça exigisse provas muito contundentes da alegada fraude por parte do investigante que apresentava pedido idêntico a outro já formulado e apreciado. Algo que, até onde se pôde apurar, não ocorreu, como indica fragmento da sentença reclamada, transcrito no acórdão ora analisado:
“No mais, a declaração de fl. 47 não constitui prova de fraude no exame realizado com o falecido, tratando-se de declaração de pessoa que sequer participou da colheita e análise do material genético daquele. Ou seja, cuide-se [sic] de simples alegação de fraude, desacompanhada de prova, porquanto exarada por pessoa estranha ao procedimento da alegação”[xiv].
Ao que tudo indica, a coisa julgada foi relativizada com fundamento em alegação genérica que carecia da devida comprovação. E o que é pior: De acordo com a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, a alegada “fraude” verificada no primeiro exame nem mesmo devia ser apurada para que a instrução da ação investigatória fosse reaberta, tendo aquela Corte determinado a investigação do suposto ardil juntamente com a realização de novo teste de DNA!
Superado este ponto, cabe voltar a atenção ao argumento segundo o qual não seria dado ao juiz concluir pelo restabelecimento da coisa julgada com base na ausência de provas da alegada fraude, uma vez que a perícia genética cuja realização fora pelo Superior Tribunal de Justiça determinada apenas não chegou a ser realizada em razão da “falta de colaboração” dos parentes do investigado falecido. Por este mesmo motivo não se poderia, igualmente, concluir pela inaplicabilidade, ao caso, da presunção contida na Súmula no 301 do Superior Tribunal de Justiça, devendo-se empreender “todas as providências necessárias para a adequada e exauriente elucidação da matéria fática”, já que, ao fim e ao cabo, “maior do que o direito de um filho a ter um pai é o direito de um filho de saber quem é o pai”.
Mas o que seriam, nos termos da decisão analisada, essas “providências necessárias à elucidação da matéria fática”?
O voto da Ministra Relatora não o diz expressamente, ao menos não em um primeiro momento. Mas depois de ressalvar o precedente do Supremo Tribunal Federal de 1994, acerca da impossibilidade da condução coercitiva do investigado para realização das perícias genéticas, assim pondera:
“Isso não significa, todavia, que possa a parte ou terceiro colocar o magistrado de mãos atadas, desrespeitando injustificadamente a ordem judicial de comparecimento ao local da perícia sem que haja nenhuma espécie de instrumento eficaz para dobrar a renitência de quem adota postura anticooperativa e anticolaborativa, sobretudo quando a inércia se revela apta a gerar o non liquet instrutório justamente em desfavor de quem coopera e de quem colabora para o descobrimento da verdade”[xv].
Não são necessários maiores investimentos de raciocínio para desvendar quais seriam as providências reservadas à parte ou a terceiro cujo comportamento seria tido por “anticooperativo”. Está-se a falar, precisamente, da imposição manu militari das perícias genéticas. Algo que, além de contrariar precedente do Supremo Tribunal Federal, ofende a legislação e desafia até mesmo súmula do próprio Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria!
A despeito disso, tais circunstâncias não pareceram suficientes para inibir a adoção de regra semelhante àquela alemã. Ponderava-se, a este propósito, que a condução coercitiva justificar-se-ia pelos comportamentos “anticolaborativos” de partes e terceiros, a reclamar uma postura criativa e inovadora do juiz. A ele estaria reservada, com efeito, a faculdade de recorrer a toda e qualquer medida indutiva, mandamental e coercitiva, nos termos do art. 139, IV do Código de Processo Civil[xvi], “com vistas a refrear a renitência de quem deva fornecer o material [...]”[xvii].
A referência ao art. 139, IV do Código de Processo Civil é claramente inapropriada no contexto de que se cuida. O dispositivo certamente erige, em favor do magistrado, cláusula geral que permite a adoção das medidas mais adequadas ao caso a fim de fazer valer as ordens judiciais. Mas há limites, sendo certo que o art. 139, IV não representa uma “carta branca” aos magistrados, que estão, no mínimo, adstritos aos limites constitucionais[xviii].
Não se pode perder de vista que a recusa, não apenas do investigado, mas também de terceiros, a submeter-se às perícias genéticas judicialmente determinadas qualifica-se, juridicamente, como uma modalidade de exercício de direitos da personalidade, sendo o direito à intangibilidade do corpo o mais evidente deles. O ponto já fora, inclusive, tratado pelo Min. Marco Aurélio no voto proferido no julgamento do mencionado Habeas Corpus pelo Supremo Tribunal Federal, em 1994. Naquela oportunidade, cuidou Sua Excelência de esclarecer:
“[...] Na espécie, tem-se que, em determinado processo civil – ação de investigação de paternidade – requereu-se (as Autoras devem tê-lo feito com o objetivo de comprovar fato constitutivo do direito) o exame denominado DNA, em relação ao qual não coloco dúvidas quanto à valia, à segurança do resultado. Aquele que deveria fornecer, do próprio corpo, a substância indispensável para que fosse realizado recusou-se a tanto. E o que fez o Colegiado no exercício do crivo revisional? Tal como o Juízo, determinou a submissão do Paciente ao exame, contra a respectiva vontade. E mais: a condução ‘debaixo de vara’, como se fosse possível colocar o Paciente em uma camisa de força e aí leva-lo ao laboratório para, imobilizado, ver recolhido, do próprio corpo – repito – o material necessário. Senhor Presidente, para mim, a violência é ímpar e discrepa, sobremaneira, não só da ordem constitucional em vigor, como também das normas instrumentais comuns aplicáveis à espécie”[xix].
Neste contexto, não parece defensável a adoção de medidas coercitivas para que investigados e terceiros submetam-se às perícias genéticas, senão mediante ofensa à dignidade humana, à lei e à Constituição.
Cabe, enfim, esclarecer que, diferentemente do que se afirma no voto vencedor, o respeito e o acolhimento da recusa em questão não leva ao non liquet decisório. A propósito, recorde-se que o direito brasileiro baseia-se no princípio da formação do livre convencimento por parte do magistrado, que, como regra, não se encontra vinculado a valorações probatórias a priori feitas pelo legislador. Em teoria, mesmo o resultado das perícias genéticas não seriam vinculantes para os juízes no âmbito das ações de estado, embora seja forçoso concluir que as demandas quase nunca se julgam na contramão das informações por meio dos “testes de DNA” apuradas. Como quer que seja, o juiz sempre poderá decidir, reputando provados, ou não, os fatos constitutivos do direito do autor. Tendo em conta, naturalmente, a recusa, sobretudo das partes, a fornecer o próprio material biológico para as perícias genéticas. Sempre, é claro, à luz do conjunto probatório, e não isoladamente, como se a parte estivesse, como uma criança, fazendo “birra”[xx].
Não restam dúvidas de que o exercício de direitos da personalidade pode, eventualmente, trazer consequências negativas a seu titular. Pense-se, por exemplo, naqueles que, em nome de suas convicções, colocam-se em greve de fome. O que não se pode, definitivamente, tolerar é a imposição de verdadeiras sanções por parte do ordenamento jurídico em razão do exercício absolutamente legítimo e regular de tais direitos. Disfarçadas ou ostensivas – como verificado nos autos da Reclamação no 37.521, levada à apreciação da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, essas sanções outra coisa não merecem, senão a pecha do autoritarismo.
Notas e Referências
[i] A propósito destes hoje já superados exames, teve-se a oportunidade de registrar: “Antes do advento das perícias genéticas, empregavam-se com bastante frequência as análises tipológicas do sangue, sobretudo para apurar a existência do vínculo biológico entre duas pessoas. Os exames então realizados tinham por fundamento a comparação dos antígenos presentes nas hemácias dos indivíduos analisados, para o que se tomavam, como referência, os sistemas de grupos sanguíneos ABO, MN e RH. Sem embargo do entusiasmo da doutrina jurídica, muito pouco concludentes eram estes testes, cujos resultados, na maior parte das vezes, probabilísticos, pouco satisfatórios mostravam-se para a solução de controvérsias”: GOMES, Elena de Carvalho Gomes. Noli me Tangere. Tese (Doutorado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, 2009, p. 28.
[ii] GOMES. Noli..., cit., p. 28-29. Cf. VILLELA, João Baptista. O Modelo Constitucional da Filiação: Verdades e Superstições. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 121-142, jul./set. 1999, p. 132.
[iii] Em 2011, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unanimidade, a presença de repercussão geral quanto à matéria composta pela superação da coisa julgada formada em ações de investigação de paternidade julgadas improcedentes em razão da “falta de condições materiais” para a realização da prova técnica pericial. Superada a preliminar da repercussão geral, o Tribunal, por maioria, acolheu a pretensão do recorrente a fim de que a instrução fosse reaberta, não obstante a formação de coisa julgada material: Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno. Recurso Extraordinário no 363889/DF. Rel. Min. Dias Toffoli, maioria, j. 02.06.2011. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal aprovou a seguinte tese, que passou a pautar o julgamento das questões sobre o tema: “I - É possível a repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova; II - Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo”: Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&pesquisa_inteiro_teor=false&sinonimo=true&plural=true&radicais=false&buscaExata=true&page=1&pageSize=10&queryString=coisa%20julgada%20investiga%C3%A7ao%20paternidade&sort=_score&sortBy=desc>. Acesso em 23.09.2020.
[iv] “Não deixa de ser curiosa e ao mesmo tempo surpreendente a história do § 372a do ZPO, um dispositivo visto, ainda hoje, na Alemanha, como auto-explicativo, indispensável no contexto das ações investigatórias [...] Rainer Frank nos conta que as origens da regra devem ser buscadas no período do Nacional-Socialismo, e, mais precisamente, na “Lei sobre a Modificação e Suplementação das Disposições sobre o Direito de Família e sobre a Condição Jurídica dos Apátridas (Gesetz über die Änderung und Ergänzung familienrechtlicher Vorschriften und über die Rechtsstellung der Staatenlosen). No Art. 3, § 9, previa-se a condução coercitiva de partes e testemunhas, na hipótese de resistência à extração de amostras do próprio sangue, destinadas à realização de testes hematológicos de paternidade. Diversamente do que se verificou no tocante a outras normas elaboradas no período nacional-socialista, esta regra não foi eliminada do cenário jurídico alemão, com o fim da Segunda Guerra Mundial. Ao revés, ela ali permaneceu, quase que sem alterações, no § 372a do ZPO”: GOMES. Noli..., cit., p. 70-1, n. 70. Cf. FRANK, Rainer. Die zwangsweise körperliche Untersuchung zur Feststellung der Abstammung. Zeitschrift für das gesamte Familienrecht, Regensburg, Jg. 42, H. 16, S. 975-981, 1995, S. 977.
[v] GOMES. Noli..., cit., p. 101. Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno. Habeas Corpus no 71373/RS. Rel. Min. Francisco Resek, maioria, j. 10.11.1994.
[vi] Esta é a redação do art. 232: “A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”.
[vii] “O art. 232, na sua literalidade, é hostil às garantias constitucionais, na medida em que dá ênfase a uma hipótese interpretativa, entre tantas a que o juiz poderá recorrer, do que resulta tom inibitório quanto ao exercício dos direitos da personalidade. Já se observou que o ‘art. 232, desviando-se da moderna teoria sobre a avaliação da prova, que pede a integração da totalidade dos elementos disponíveis, inclusive, claro, a recusa em submeter-se à perícia, acena ao juiz com a possibilidade de uma avaliação isolada ou parcelar. Isto é, ignora o chamado conjunto probatório para lembrar ao juiz que a recusa pode ser interpretada como confissão ficta, o que possivelmente ela não é, senão o exercício de um fundamental direito da personalidade’ [...]. O juiz há de julgar segundo seu livre e prudente convencimento, não podendo emprestar valoração insular à prova, senão quando a lei o vincule expressamente”: VILLELA, João Baptista. [Proposta de Encunciado ao Art. 232 do Cód. Civ.2002]. In: AGUIAR JR., Rui Rosado de (Org.). Jornada de Direito Civil. Brasília: CJF, 2005.
[viii] Cf. MENKE, Fabiano. [Comentário aos Artigos 231 e 232 do Código Civil]. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Comentários ao Código Civil. Direito Privado Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2018: p. 373-376, p. 374.
[ix] Como lembra Salvatore Patti, a presunção, inclusive relativa, impõe ao juiz que, à falta de prova contrária, considere provado o fato presumido: PATTI, Salvatore. Probatio e Presumptio: Attualità di un’antica contrapposizione. Rivista di Diritto Civile, Padova, a. 47, n. 4, p. 475-492, lug./ago. 2001, p. 486.
[x] Cód. Civ., art. 231. “Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”.
[xi] Lei no 8.560/92, com a redação conferida pela Lei no 12.004/2009. Art. 2o-A. [...] Parágrafo único. “A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório”.
[xii] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Segunda Seção. Reclamação no 37.521/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 13.05.2020.
[xiii] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Segunda Seção. Reclamação no 37.521/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 13.05.2020, p. 4 – grifos nossos.
[xiv] Apud BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Segunda Seção. Reclamação no 37.521/ SP. Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 13.05.2020, p. 9.
[xv] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Segunda Seção. Reclamação no 37.521 / SP. Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 13.05.2020, p. 14-5 – grifos nossos.
[xvi] Este é o teor do art. 139, IV do vigente Código de Processo Civil: “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
[xvii] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Segunda Seção. Reclamação no 37.521 / SP. Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u. j. 13.05.2020, p. 15-6.
[xviii] Cf. STRECK, Lenio Luiz & NUNES, Dierle. Como interpretar o art. 139, IV do CPC? Carta Branca para o Arbítrio? Disponível em <https://www.conjur.com.br/2016-ago-25/senso-incomum-interpretar-art-139-iv-cpc-carta-branca-arbitrio>. Acesso em 22.09.2020.
[xix] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno. Habeas Corpus no 71373/RS. Rel. Min. Francisco Resek, maioria, j. 10.11.1994, p. 417-8.
[xx] A expressão é de José Rubens Costa: COSTA, José Rubens. Dieito indisponível à verdade histórica – Exame compulsório de DNA. Revista Forense, Rio de Janeiro, a. 97, v. 357, p. 99-105, set./out. 2001, p. 102.
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