A RECOMENDAÇÃO DO CNJ 62/2020 E A IMINENTE CARNIFICINA NOS PRESÍDIOS BRASILEIROS  

29/05/2020

Impossível dizer que a atual conjuntura pandêmica era esperada, na verdade como tudo tem dois lados, seu lado bom é que provocou a união e solidariedade entre os seres humanos. Porém, seu lado ruim é que abriu feridas que precisamos curar. Duas delas merecem total cuidado:

O setor da saúde viu-se assoberbado sem o mais ínfimo respiro de esperança.

Outro desse mal é o setor carcerário. O que fazer com os quase 800 mil presos no território nacional1? Soltar?Matar? Ou lavar as mãos e deixá-los à própria sorte?Eis as questões!Questionamentos estes que merecem ser muito bem estudados, sem a menor parcialidade.

Em meio a pandemia do novo corona vírus, diversos atos foram difundidos, contudo, um saltou aos olhos: a Recomendação do CNJ 62/2020 que precisamente tomava para si o problema da superlotação prisional, e assim se dispôs a mostrar caminhos ao desencarceramento.

Seguem alguns parágrafos divorciados de seus artigos, a fim de não tornar a leitura cansativa:

Art. 1º: Recomendar aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos estabelecimentos do sistema prisional e do sistema socioeducativo.

Art. 2: Recomendar aos magistrados competentes para a fase de conhecimento na apuração de atos infracionais nas Varas da Infância e da Juventude a adoção de providências com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, a aplicação preferencial de medidas socioeducativas em meio aberto e a revisão das decisões que determinaram a internação provisória, notadamente em relação a adolescentes.

Art. 3: Recomendar aos magistrados com competência para a execução de medidas socioeducativas a adoção de providências com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, especialmente.

Art. 4º: Recomendar aos magistrados com competência para a fase de conhecimento criminal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas.

Art. 5º: Recomendar aos magistrados com competência sobre a execução penal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas.

Portanto, é notória a preocupação do Conselho Nacional de Justiça em evitar o colapso, e abrir o gargalo deste sistema tão acéfalo.

É de suma importância frisar que, segundo o mesmo Levantamento citado acima, a população carcerária no Brasil é composta por quase 800 mil presos, sendo que 223 mil presos são provisórios. Ou seja, aqueles que nem sequer tiveram um julgamento de seu processo finalizado.

Ainda sobre o Levantamento, há um dado absurdamente alarmante. O déficit de vagas gira em torno de 320 mil!!!

Nesta trilha, pode-se perceber que há uma bipartição no pensamento, posto que, não é somente uma recomendação para motivar o desencarceramento, ela também tenta evitar a carcerização, quando no decorrer da recomendação, o leitor vai se deparar com a excepcionalidade da prisão, conforme, já determina a constituinte:

Art. 4ª

III – a máxima excepcionalidade de novas ordens de prisão preventiva, observado o protocolo das autoridades sanitárias.

Ora, precisou uma pandemia para abrir antigas feridas e sujar nossas faces com o já sabido.

Entretanto, muito embora haja uma recomendação, ela não necessariamente impõe uma obrigação.

Tanto é que alguns julgadores ventilaram que a Recomendação do CNJ 62/2020 não sepultou o Código de Processo Penal, portanto, dever-se-ia continuar tudo como estava.

Brasil tendo mais presos do que pode dar conta.

E, por falar nisso, espera-se uma carnificina dentro dos presídios brasileiros.

Local insalubre, aglomeração desordenada, decisões de nossos julgadores que trazem a inércia só estão aquecendo este vulcão com material humano que mais cedo ou mais tarde irá explodir.

Há de ter em mente que a recomendação toma por base este conglomerado indesejado e à margem da sociedade, que carece de atenção, sobretudo agora onde 

mesmo não sendo publicado pela mídia, é de conhecimento comum aos que estão na linha de frente que muitos presos já tiveram suas vidas ceifadas pela COVID – 19, detentos que faleceram como indigentes, morreram junto a sua historia e voz calada pelo Estado coator.

Não se pode mais permitir que a subjetividade do artigo 312 do CPP traduza um punitivismo descabido, onde por vez, sequer sabemos que interpretações dar ao próprio artigo:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

É imprescindível que o judiciário realinhe a questão do desencarceramento, não há mais tempo para estudos, ou presídios verticais, não há tempo para se fazer mais escolas que presídios, como já dizia Darcy Ribeiro.

A hora é agora, pois a cada minuto morre um detento na escuridão de sua cela fria, suja, e esquecida pelo Estado.

Morre um detento sem a esperança de poder ver seus filhos ou ao menos se despedir, se desculpar.

Essa iminente carnificina é culpa nossa, nós somos os operadores do Direito, nós somos a voz daqueles que outrora foram calados, por que atrás de toda cela há uma vida e dela deve jorrar a esperança de um dia melhor fora do cárcere.

 

Notas e Referências

1 Brasil - Departamento Penitenciário Nacional – Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias

–             Dezembro             de             2019.             Acessado             em             23/04/2020.            Disponível em:https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZTlkZGJjODQtNmJlMi00OTJhLWFlMDktNzRlNmFkNTM0M WI3IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9

 

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