A realidade social e os direitos humanos - Uma análise do Massacre do Carandiru

07/10/2015

Coluna Espaço do Estudante

Introdução

A Casa de Detenção de São Paulo foi uma das maiores penitenciárias da América Latina. Feita para abrigar três mil presos, chegou a custodiar mais de sete mil encarcerados[1]. Sua superlotação contribuiu para o desrespeito aos direitos humanos, inclusive para o massacre que ali ocorreu e que gerou grande repercussão nacional e internacional.

Incontáveis direitos foram desrespeitados nesse evento, ocorrido em 1992, que terminou com centenas de presos mortos e teve importância ímpar na história brasileira. Esse caso abriu os olhos da sociedade e colocou, mais enfaticamente, em discussão os problemas da Justiça brasileira, que começam na Polícia, chegando até o sistema penitenciário, que se encontra completamente sobrecarregado.

Estudos mostram que existe uma espécie de funil na justiça brasileira, no qual o número de pessoas abordadas por crimes pela polícia é muito maior do que o número de processos que correm no judiciário que, por sua vez, é muito maior do que o número de pessoas que passam a integrar presídios[2].

Levando-se em consideração homicídios (teoricamente o crime mais fácil de ser averiguado, devido a presença de um corpo ou a ausência de certa pessoa), a cifra é de 92%[3], tornando notório que o sistema penitenciário é insuficiente, uma vez que se encontra superlotado mesmo com tamanha cifra oculta.

O problema da superlotação impediu que uma pequena discussão ocorrida antes do massacre pudesse ter sido contida. Reforços militares foram necessários, porém, estes agiram com violência desproporcional, gerando o maior ataque a presos já visto na história do Brasil.

Quando se verifica tamanha insalubridade nos presídios, a pena privativa de liberdade passa a não cumprir sua função de ressocialização e de concorrer para que os presos não voltem a cometer crimes, fazendo com que eles saiam da reclusão ainda mais revoltados e propensos a violar a lei.

1 A casa de detenção de São Paulo

Inaugurada no dia 31 de julho de 1920 em São Paulo, o Instituto de Regeneração do Carandiru foi inspirado no Centre Pénitentiaire de Fresnes[4]. Naquele início de século a penitenciária foi considerada uma instituição modelar na América Latina.  A construção, que havia sido orçada em sete mil contos de reis, custou catorze mil contos de réis[5]. Nessa época, o custo de construção de uma penitenciária comum, em média, custava o valor de mil contos de réis.

O edifício comportava 1.052 cubículos divididos em três pavilhões, com a perspectiva de que poderia dispor de mais 526 células, elevando a capacidade para 1.578 sentenciados[6]. As celas eram todas iguais em dimensão (2,5m por 4,0m) e asseio, excetuando as do porão que eram menos higiênicas e chamadas “células de penitência”[7].

O Instituto tinha o encargo na execução das sentenças criminais com penas superiores a um ano. O detento seguia todo um processo de etapas determinado pela própria Casa de Detenção.

No primeiro estágio, o condenado era destinado ao isolamento celular, por tempo igual à quarta parte da duração da pena ou de que dela restar, sem exceder dois anos. Nas etapas seguintes, o preso era submetido ao regime de trabalho comum, respeitando o silêncio e mais tarde retornando à segregação noturna celular.

1.1 Notoriedade como prisão modelo

No início, aberta para visitação pública, a prisão recebia milhares de visitantes, muitos estudantes de Medicina e de Direito, assim como estrangeiros, passando a ser considerada um dos cartões postais da cidade paulista.

Foi projetada como um edifício que ostentasse modernidade e eficiência em parâmetros arquitetônicos e funcionais. E assim foi nos primeiros anos da instituição, conseguindo se tornar um grande centro penal, atraindo a atenção e visita de milhares de pessoas.

O modelo penitenciário adotado foi o de Auburn[8], o qual estabelecia o sistema de trabalho em comum e o isolamento noturno. Quando o preso passava por um estágio significava “um prêmio” ao seu bom comportamento. Outra medida disciplinar era o silêncio imposto aos presos como um hábito a ser cultivado, compondo parte da pena a ser cumprida.

Fica importante ressaltar a eficiência alcançada pelo estabelecimento. Estima-se que a reincidência dos presos era de 4%, ou seja, dos 5.500 presos que foram detidos na penitenciária entre 1920 e 1944, 110 reincidiram[9].

1.2 O ambiente interno

A arquitetura dos pavilhões do Carandiru era bastante similar. No entanto, eles se distinguiam em relação à população que os habitava.

Os corredores chamados de "rua dez" eram localizados ao oposto das escadas, sendo um local propício para acerto de contas, brigas mais sérias e mortes, pois até que os carcereiros conseguissem alcançar a região, os envolvidos já teriam sido avisados pelos olheiros que ficavam nos corredores de acesso. Cada pavilhão possuía sua peculiaridade:

Pavilhão 2: era o local para onde eram destinados os detentos recém chegados. Eles eram registrados, fotografados, levavam o corte de cabelo característico, recebiam a palestra inicial onde eram introduzidos às primeiras regras da detenção e eram encaminhados para outros pavilhões[10].

Pavilhão 4: era o lugar mais almejado pelos novos presos, em razão de não ser tão populoso e possuir celas individuais. Esse pavilhão havia sido criado com a intenção de ser uma área médica, contudo, nunca o foi exclusivamente. No térreo ficavam os presos tuberculosos. Lá existia uma ala conhecida como masmorra, onde ficavam os detentos jurados de morte por outros presos e que dali não podiam ser transferidos para outros pavilhões. No segundo andar, era aonde se alojavam os doentes mentais. No quinto andar, era aonde ficava a enfermaria[11].

Pavilhão 5: era o mais populoso dos pavilhões. No primeiro andar ficavam as celas de castigo, aonde trancafiavam por cerca de trinta dias infratores internos (porte de drogas, armas, desacato, etc.). No terceiro andar eram alojados estupradores, justiceiros e aqueles que foram expulsos de outros pavilhões. O quarto andar era bastante similar ao terceiro andar, porém contava com a presença de muitos travestis. O quinto andar era conhecido como “amarelo”, e abrigou de forma precária muitos presos jurados de morte, pois, não possuíam acesso ao banho de sol, e ficando acuados em suas celas. Assim a aparência daqueles detentos ganhava uma feição amarelada, gerando o apelido do setor[12].

Pavilhão 6: era onde se situava a cozinha, já há muitos anos desativada. No segundo andar havia um antigo cinema (destruído em rebelião), transformado em um grande auditório. No segundo e terceiro andar se localizavam as salas de administração. No quarto andar ficavam as celas. No quinto andar, além das celas, havia uma área destinada ao abrigo de presos com o mesmo perfil que o amarelo, devido à superpopulação no pavilhão 5[13].

Pavilhão 7: considerado o mais calmo, chegando a permanecer dois ou três anos sem mortes, foi planejado inicialmente como local de trabalho, permanecendo habitado por detentos com ocupações laboriosas, como confecção de bolas, pipas, barcos e outras atividades. Era o mais visado por aqueles que pretendiam fazer escavações e tentar a fuga, em razão de ser o mais próximo dos muros[14].

Pavilhão 8: especula-se que ali se alojavam os presos mais respeitados, pelo fato de que os detentos daquele local serem reincidentes. Assim, eles conheciam muito bem as regras prisionais e o modo de se portar neste ambiente, o que não deixava de ser uma área tensa e violenta[15].

Pavilhão 9: era o pavilhão onde se encontravam os réus primários, os quais eram impetuosos e não possuíam consigo o senso das regras prisionais, gerando ali muitos conflitos[16].

2 O massacre

O massacre ocorreu no dia 2 de Outubro de 1992. O motivo não foi devidamente esclarecido; há quem diga que tudo começou na ala nove, com um acerto de contas de uma dívida, fruto da venda de cinco maços de cigarro[17]. Outros dizem que o motivo foi uma simples discussão sobre futebol[18] e, ainda, há informações de que tudo começou por conta de uma disputa de um espaço no varal[19].

A briga foi iniciada por dois presos, Antônio Luiz Nascimento (o Barba) e Luís Tavares de Azevedo (o Coelho)[20]. Em outro cômodo da penitenciária, cerca de 300 presos assistiam a uma partida de futebol. Pouco tempo depois, a repercussão da discussão atraiu os detentos ao pavilhão 9, gerando um grande tumulto e ameaças de morte.

Para conter a confusão, agentes penitenciários trancaram a grade de acesso ao segundo andar do pavilhão, no entanto, os presos conseguiram romper o cadeado. A tensão se espalhou rapidamente.

Funcionários que estavam de plantão fugiram com medo. Segundo os carcereiros, a polícia que deu a ordem para que esses guardas saíssem. O pavilhão ficou sob o domínio dos detentos, que portavam facões, canos de ferros e pedaços de paus[21]. Fez-se necessário acionar o alarme e chamar a polícia, que chegou por volta das 15 horas[22] na Casa de Detenção.

Houve uma tentativa de negociação com os presos, sem sucesso[23]. Há informações de que a negociação nunca ocorrera. Por volta das 16 horas e 30 minutos[24], a polícia foi autorizada pelo então secretário de segurança pública, Pedro Franco de Campos, a invadir a ala nove.

A operação foi comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães. Além da Polícia Militar, auxiliaram na operação o Comando de Operações Especiais (COE), o Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE), as Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (ROTA) e tropas de choque.

A polícia, armada e com cães, invadiu a penitenciária. Os presos reagiram, queimando colchões, arquivos e montando barricadas nos corredores, a fim de impedir o acesso da polícia[25].

As Rondas Ostensivas Tobias Aguiar ocuparam o primeiro e o segundo andar do pavilhão, matando todos os quinze detentos que encontravam no primeiro, e cerca de 78 no segundo[26].

O terceiro andar foi ocupado pelo Comando de Operações Especiais, resultando em 8 mortes[27]. Já no quarto andar, ocupado pelo Grupo de Ações Táticas Especiais, 10 detentos foram mortos[28].

Após o massacre, a polícia militar mandou os presidiários sobreviventes retirarem as roupas e correrem nus[29]. Em seguida, ordenou-se que estes removessem os cadáveres das celas e os levassem até o pátio[30]. Esses carregadores eram mortos em seguida. Alguns detentos se misturaram aos corpos com a intenção de fingirem estarem mortos, para que sobrevivessem[31].

Às 20 horas do dia do massacre, o governo anunciou que a operação deixara somente oito mortos[32]. Estes, segundo a versão da Polícia Militar, já se encontravam sem vida no momento da invasão.

A versão oficial foi anunciada no dia seguinte, trinta minutos antes do encerramento das eleições municipais: 111 mortos[33]. Foi explicado que estas mortes foram consequências de um confronto direto entre detentos e policiais; mas o parecer Médico Legal provou que houve intenção de matar, pois os presos foram executados com um grande número de disparos na cabeça e no tórax[34].

Segundo os detentos sobreviventes, foram executados mais de 250 presos[35]. Quase a metade dos mortos tinha abaixo de 25 anos[36]. Cerca de 80% dos mortos não haviam sido condenados, 84% ainda aguardavam julgamento, sendo sua maioria de réus primários[37]. Não houve mortes entre os policias militares[38].

Foi alegado por peticionários que, após o massacre, houve destruição de provas que poderiam incriminar as forças presentes e determinar a autoria de cada assassinato ocorrido[39]. Essas provas, que teriam permitido identificar pessoalmente os responsáveis, desapareceram.

3 A formação do Primeiro Comando da Capital (PCC)

O Primeiro Comando da Capital (PCC) foi formado no ano seguinte ao massacre, em 31 de Agosto de 1993, sendo uma das maiores facções criminosas do Brasil.

A fundação ocorreu na Casa de Custódia de Taubaté[40]. Oito detentos que faziam parte do mesmo time de futebol se uniram para criar a facção, que tinha como objetivo melhor tratamento nos presídios brasileiros e o impedimento de novos massacres como o do Carandiru[41].

Através da violência e de ameaças, o PCC pressiona o governo para que este cumpra suas reivindicações, e, também, buscou vingança contra os envolvidos no massacre, sendo de grande influência no sistema prisional.

Ela impõe regras de conduta nos presídios, proibindo, por exemplo, o crack e o homicídio sem autorização prévia da facção[42]. De acordo com Marcola (chefe do comando), ele foi o responsável por diminuir o número de homicídios no estado de São Paulo, e não o então governador Geraldo Alckmin[43].

Com o lema “paz, justiça e liberdade”, e o posterior aditivo “igualdade”, os presos buscam a paz entre os ladrões, deixando de lado a hierarquia que existia, unindo-se para lutar contra os abusos do sistema carcerário, para que outra chacina como a do Carandiru não ocorra novamente, e que esta jamais seja esquecida.

“Temos que permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra novamente um massacre semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção em 02 de outubro de 1992, onde 11 presos foram covardemente assassinados, massacre este que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do Comando vamos mudar a prática carcerária, desumana, cheia de injustiças, opressão, torturas, massacres nas prisões.”[44]

4 Violação dos direitos humanos

Os direitos humanos são direitos garantidos legalmente, inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição, protegendo, dessa forma, indivíduos e grupos contra ações que interferem nas liberdades fundamentais e na dignidade humana.

A violação de vários princípios básicos da Constituição Federal e da Lei de Excussão Penal (Lei 7.210/84) puderam ser vistos claramente no massacre ocorrido na Casa de Detenção de São Paulo. Entre eles, o direito mais essencial para a sociedade, o direito à vida.

4.1 Na Constituição da República Federativa do Brasil

Primeiramente, no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, os direitos sociais, a segurança, o bem-estar e a justiça são demarcados como alguns dos valores supremos da nossa sociedade.

Levando-se em consideração a superlotação factual que persistia na Casa de Detenção de São Paulo, pode-se provar que é impossível a sustentação de tais pilares nos casos de superpovoamento de presídios, já deixando a desejar nos quesitos de bem-estar e segurança, perpetuando a falta de dignidade dos prisioneiros.

Quanto à questão dos direitos sociais, apesar de restritos no momento da prisão, não são nulos durante o cumprimento da pena. Um dos principais deveres do Estado, como tutor do presidiário, é o da reinserção social, através da assistência social, direito esse que é negligenciando desde a criação do sistema prisional brasileiro.

“Nos termos do artigo 5(2) da Convenção, toda pessoa privada de liberdade tem direito a viver em condições de detenção compatíveis com sua dignidade pessoal e o Estado deve garantir-lhe o direito à vida e à integridade pessoal. Por conseguinte, o Estado, como responsável dos estabelecimentos de detenção, é o garante desses direitos."[45]

5 Repercussão na mídia

5.1 No Brasil

O início da repercussão nacional da chacina não foi imediato. A imprensa brasileira só passou a noticiar o fato, e de forma ambígua, no dia seguinte após o massacre, com números imprecisos e poucas informações coerentes.

Apesar de impactante, a notícia ganhou pouco espaço nos jornais, já que o presidente eleito Itamar Franco estava para tomar posse, após o impeachment do então presidente, Fernando Collor de Mello. Além disso, era véspera de eleições municipais, o que contribuiu para reduzir a atenção dos meios de comunicação sobre o acontecimento, e, consequentemente, a reação social.

No dia 3 de outubro de 2002 os jornais reportaram o caso sem mostrar efetivamente sua relevância, informando o número de oito óbitos. Em 4 de outubro, a tragédia alcança maior notoriedade no meio jornalístico com a confirmação oficial da morte de 111 detentos por diversos jornais, como a Folha de S. Paulo e O Estado de São Paulo.

5.2 No mundo

A repercussão internacional do massacre se deve à quantidade de mortos envolvidos, ao emprego descabido de violência e também a forma como a polícia abordou e tratou os detentos.

A Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e a Human Rights Watch apresentaram denúncia formal contra o Estado brasileiro perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CDIH) em relação ao massacre de 111 presos[46].

A denúncia se referiu, ainda, às lamentáveis condições carcerárias, podem ter contribuído a ocorrência do massacre, bem como à morosidade da Justiça brasileira em identificar, julgar e punir os responsáveis.

O governo brasileiro teve oportunidade de se defender. No entanto, não houve conciliação entre as partes.[47]

A Comissão Internacional de Direitos Humanos (CIDH) decidiu que o Estado brasileiro havia incorrido em responsabilidade internacional pela violação de diversos direitos substantivos, à medida em que as execuções sumárias foram cometidas por agentes do Estado, e, também, porque houve obstrução e demora injustificada para a condução do julgamento dos responsáveis individuais pelos crimes cometidos na ocasião[48].

A conclusão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a respeito do Massacre do Carandiru foi a seguinte:

“A Comissão conclui que a petição é admissível. No que respeita ao mérito, após analisar os fatos e o direito aplicável, a Comissão conclui que o caso denunciado caracteriza um massacre no qual o Estado violou os direitos à vida e à integridade pessoal e que, em suas sequelas, também foram violados os direitos ao devido processo e à proteção judicial (artigos 4, 5, 8 e 25), em conexão com o artigo 1 da Convenção, e formula recomendações no sentido de que se proceda à investigação dos fatos, à punição dos responsáveis, à concessão de reparação às vítimas e à adoção de medidas, nos níveis nacional e estadual, para evitar que se repitam violações desse tipo.”[49]

6 O julgamento 

Passados 21 anos após o cometimento do Massacre do Carandiru, se deu início o julgamento dos policiais militares envolvidos na ação dentro da Casa de Detenção, em meados de 2013 e no início de 2014.

Em razão do grande número de envolvidos, o julgamento foi dividido em quatro etapas, de acordo com os integrantes das tropas que agiram com a violência mencionada, em cada pavimento do Pavilhão 9.

A primeira etapa, relacionada à operação no primeiro andar da penitenciária, se deu em abril de 2013, quando foram condenados 23 policiais militares a 156 anos de prisão pela morte de 13 detentos que estavam naquela área.

A segunda etapa, referente à invasão e atuação no segundo andar, ocorreu no mês de julho de 2013, e resultou na condenação de 25 policiais militares integrantes da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). A sentença foi de 624 anos de prisão pelas mortes de 52 presos nesse andar da penitenciária.

A terceira etapa, pautada na atuação que ocorreu no terceiro andar, ocorreu em abril de 2014, condenando 15 policiais do COE (Comando de Operações Especiais) a 48 anos de prisão pela morte de 4 presidiários.

A quarta e última etapa, de julgamento, relativa ao quarto andar, condenou 10 policiais a penas entre 94 e 104 anos de prisão pela morte de 8 detentos.

Em todas as etapas o júri popular condenou os policiais pelas ações na penitenciária, encerrando o julgamento no dia 02 de abril de 2014, com 73 policiais condenados pela morte de 77 detentos.

Em 2001, o comandante da Polícia Militar na invasão à Casa de Detenção de São Paulo, Coronel Ubiratan Guimarães, foi condenado a 632 anos de reclusão pela morte dos 102 detentos na tragédia do dia 02 de outubro de 1992. Após a condenação pelo Tribunal do Júri, a defesa do Coronel recorreu solicitando a anulação do julgamento, com base em diferentes argumentos.

Um dos argumentos utilizados foi o fato de que, tendo sido eleito deputado estadual após sua atuação no episódio, o Coronel Ubiratan teria direito a foro privilegiado e não poderia ser condenado por júri popular. O argumento foi aceito.

Por essa razão, um posterior julgamento teria que ter sido marcado. No entanto, foi entendido que a juíza, Dra. Maria Cristina Cotrofe teria sentenciado o réu com base em uma interpretação errônea sobre as respostas dos jurados aos quesitos, e não houve um novo julgamento.

Esse procedimento poderia dar a entender a benevolência do Judiciário frente ao massacre ocorrido na Casa de Detenção do bairro do Carandiru, em São Paulo.

Conclusão

Através da pesquisa realizada focalizando os trágicos fatos ocorridos na Casa de Detenção de São Paulo, no ano de 1992, procurou-se comprovar a existência de eventuais excessos e desproporcionalidades que foram e teriam sido cometidos pelas partes envolvidas.

Entende-se que o problema da superlotação foi fator importante. A superlotação contribuiu de maneira clara para a ocorrência do massacre, de tal modo que, se não houvesse tantos detentos juntos no local do conflito entre os presos, ele poderia ter sido contido pelos agentes penitenciários, sem a necessidade de reforços policiais.

Também ficou evidenciado que os policiais desrespeitaram completamente os direitos humanos, fazendo uso de violência muito desproporcional ao que a situação indicava.

Em benefício do detento, importa destacar a garantia constitucional de que não haverá pena de morte (salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (artigo 5º, XLVII)[50].

Porém, como já foi observado anteriormente nesta pesquisa, os policiais militares demonstraram a intenção de matar os presos, ou muitos deles[51]. Apesar da falta de sentença concreta, os presos foram “sentenciados” a pena de morte, indo de encontro com o que é estabelecido por lei.

Agravando seriamente as consequências do episódio, temos que a organização da população prisional chamada de Primeiro Comando da Capital (PCC) foi criada após e em decorrência ao evento.

A facção afirma ter sido criada em virtude da matança de encarcerados no Carandiru, reivindicando melhores condições a estes e prometendo vingança. Esse grupo foi disseminado para toda a população do sistema prisional do Estado de São Paulo, atingindo também outros estados com sua determinação de violência dentro e fora do sistema.

Um ano após o massacre o PCC ordenou a morte do então diretor do estabelecimento, no que foi obedecido por seus seguidores de fora dos muros. O diretor foi atingido por vários disparos e faleceu imediatamente.

Torna-se evidente, assim, que o Massacre na Casa de Detenção de São Paulo tomou proporções drásticas e, além de ter deixado 111 detentos mortos – ou cerca de trezentos, como afirmaram diversas testemunhas, inclusive agentes prisionais – esse trágico incidente ficará marcado como uma mancha na história da República Federativa do Brasil.


Notas e Referências:

[1] PEDROSO, Regina Célia. “Abaixo os Direitos Humanos! A história do massacre de cento e onze presos na Casa de Detenção de São Paulo”. Revista Liberdades, nº 9. São Paulo: IBCCRIM, 2012, p. 127.

[2] ADORNO, Sergio. “Crise no Sistema de Justiça Criminal”. Revista Ciência e Cultura, vol. 54, nº1. São Paulo, 2002. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=s0009-67252002000100023&script=sci_arttext>.

[3] Segundo o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro, só 8% dos homicídios são esclarecidos, ficando impunes 92%. Informação disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.br/2013/07/12/a-justica-da-impunidade/>.

[4] Informação retirada do site Acessa Parque Juventude. Disponível em: <http://acessajuventude.webnode.com.br/historia-do-carandiru/>.

[5] Ibid.

[6] PEDROSO, Regina Célia. “Abaixo os Direitos Humanos! A história do massacre de cento e onze presos na Casa de Detenção de São Paulo”. Revista Liberdades, nº 9. São Paulo: IBCCRIM, 2012, p. 124.

[7] Ibid.

[8] PEDROSO, Regina Célia. “Abaixo os Direitos Humanos! A história do massacre de cento e onze presos na Casa de Detenção de São Paulo”. Revista Liberdades, nº 9. São Paulo: IBCCRIM, 2012, p. 125.

[9] Ibid, p.  124.

[10] Informação retirada do site Acessa Parque Juventude. Disponível em: <http://acessajuventude.webnode.com.br/historia-do-carandiru/>.

[11] Ibid.

[12] Ibid.

[13] Ibid.

[14] Ibid.

[15] Ibid.

[16] Ibid.

[17] VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Ed. Companhia Das Letras, 1999, p. 280.

[18] Ibid.

[19] Informação retirada do Relatório elaborado pela Comissão Organizadora de Acompanhamento para os Julgamentos do Caso do Carandiru. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_massacre_carandiru.pdf>.

[20] Informação dos nomes dos envolvidos retirada de uma reportagem do “Folha Online”. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/carandiru_foi.shtml>.

[21] VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Ed. Companhia Das Letras, 1999, p. 283.

[22] Informação do horário retirada de uma reportagem do site Terra, elaborada pelos jornalistas Marina Novaes e Vagner Magalhães. Disponível na parte “Cronologia do Massacre”, em:     <http://noticias.terra.com.br/brasil/massacre-do-carandiru/>.

[23] De acordo com a reportagem do jornal Folha de S. Paulo, de 30 de Julho de 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/07/1319155-tentamos-negociar-mas-sem-sucesso-diz-testemunha-do-carandiru.shtml>.

[24] Informação do horário retirada de uma reportagem do site Terra, elaborada pelos jornalistas Marina Novaes e Vagner Magalhães. Disponível na parte “Cronologia do Massacre”, em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/massacre-do-carandiru/>.

[25] Segundo o jornal Folha de S. Paulo, de 2 de Outubro de 2002. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/carandiru.shtml>.

[26] Informações retiradas de uma reportagem do site Terra, elaborada pelos jornalistas Marina Novaes e Vagner Magalhães. Disponível na parte “Cronologia do Massacre”, em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/massacre-do-carandiru/>.

[27] Ibid.

[28] Ibid.

[29] VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Ed. Companhia Das Letras, 1999, p. 289.

[30] Ibid, p. 292.

[31] Ibid, p. 293.

[32] Informação do horário retirada de uma reportagem do site Terra, elaborada pelos jornalistas Marina Novaes e Vagner Magalhães. Disponível na parte “Cronologia do Massacre”, em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/massacre-do-carandiru/>.

[33] Ibid.

[34] PEDROSO CÉLIA, Regina. “Abaixo os Direitos Humanos! A história do massacre de cento e onze presos na Casa de Detenção de São Paulo”. Revista Liberdades, nº 9. São Paulo: IBCCRIM, 2012, p. 129-130.

[35] VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Ed. Companhia Das Letras, 1999, p. 294.

[36] ONODERA, Iwi Mina. Estado e Violência: um estudo sobre o massacre do Carandiru. São Paulo: PUC-SP, 2007, p. 55. Disponível em: <http://www.sapientia.pucsp.br//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5763>.

[37] PEDROSO CÉLIA, Regina. “Abaixo os Direitos Humanos! A história do massacre de cento e onze presos na Casa de Detenção de São Paulo”. Revista Liberdades, nº 9. São Paulo: IBCCRIM, 2012, p. 129.

[38] VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Ed. Companhia Das Letras, 1999, p. 294.

[39] Informação retirada do Relatório elaborado pela Comissão Organizadora de Acompanhamento para os Julgamentos do Caso do Carandiru. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_massacre_carandiru.pdf>.

[40] Informação retirada da Revista Época. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR74215-6009,00.html>.

[41] Ibid.

[42] Informação retirada do site Carta Capital. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-serapiao/crime-em-lugar-do-estado-como-o-pcc-pretende-dominar-o-brasil-3006.html>.

[43] Ibid.

[44] Mandamento nº 13 do “Estamento” do PCC, apud jornal Folha de S. Paulo, de 19 de Fevereiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u22521.shtml>.

[45] Corte IDH Caso Neira Alegría, Sentença de 19 de janeiro de 1995, parágrafo 60 apud Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, nº 34/00, Caso 11.291 (Carandiru), Brasil, 2000. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm>.

[46] Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, nº 34/00, Caso 11.291 (Carandiru), Brasil, 2000. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm>.

[47] PEDROSO CÉLIA, Regina. “Abaixo os Direitos Humanos! A história do massacre de cento e onze presos na Casa de Detenção de São Paulo”. Revista Liberdades, nº 9. São Paulo: IBCCRIM, 2012, p. 132.

[48] Ibid.

[49] Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, nº 34/00, Caso 11.291 (Carandiru), Brasil, 2000. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm>.

[50] Segundo o art. 5º da Constituição Federal, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”. No art. 5º, inciso XLVII, não haverá penas de morte “salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”.

[51] De acordo com o parecer Médico Legal, apud Pedroso, p. 129-130.

ADORNO, Sergio. Crise no Sistema de Justiça Criminal. Revista Ciência e Cultura, vol. 54, nº1. São Paulo, 2002. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=s0009-67252002000100023&script=sci_arttext>.

PEDROSO CELIA, Regina. Abaixo os Direitos Humanos! A História do Massacre de Cento e Onze Presos Na Casa de Detenção de São Paulo. Revista Liberdades. IBCCRIM, nº 9, 2012.

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Trabalho orientado pela Professora Drª Elizabeth Sussekind. PhD, Professora da UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Pesquisadora do Museu da República/RJ, ex-Secretária Nacional de Justiça.


Daniella Teixeira .

Daniella Teixeira é estudante de Direito da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), estagiária da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e membro da Liga Acadêmica de Ciências Criminais (LACCrim). 

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Imagem Ilustrativa do Post: Blood & Money // Foto de: Bart Everson // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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