A psicopatia e a (in)imputabilidade - Por Bruna Vidal da Rocha

25/11/2017

Psicopatia, ou transtorno de personalidade antissocial - termo técnico mais correto para a ela nos referirmos -, é uma doença muitas vezes incompreendida pela sociedade.

Para fins deste artigo, em alguns momentos utilizaremos o termo popular psicopatia. Esse termo chega a ser um “rótulo” comumente utilizado quando queremos nos referir a uma pessoa narcisista, que não sente empatia pelo outro, que comete algum crime ou não age de acordo com os mesmos princípios morais que o homem médio. Mas será que todo criminoso e/ou toda pessoa que não se encaixa nos padrões de moralidade poderia mesmo ser chamado de psicopata? E mais, quando, efetivamente, diagnosticado com transtorno de personalidade antissocial, poderia esse indivíduo ser considerado imputável para fins penais?

Sabe-se que no direito uma pessoa só é penalmente imputável quando possui capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de controlar sua vontade. Para a psiquiatria, o indivíduo que possui um transtorno de personalidade antissocial reconhece a ilicitude dos atos que pratica (cometer um homicídio, por exemplo), entretanto, não tem capacidade de controlar sua vontade.

O diagnóstico de psicopatia é extremamente complicado, inclusive para profissionais da área. Afirmar que um indivíduo possui transtorno de personalidade antissocial não é tarefa simples e requer extremo conhecimento técnico sobre o assunto. Embora algumas pessoas imaginem que o indivíduo psicopata possui características, traços e atitudes que permitiriam um rápido e fácil reconhecimento, os psicopatas enganam e representam situações de forma muito bem articulada, muitas vezes passando totalmente despercebidos ou até mesmo sendo vislumbrados como pessoas encantadoras, incapazes de cometer qualquer tipo de delito.

Segundo a Psycopathy Checklist, criada por Robert Hare, Professor Emérito de Psicologia na University of British Columbia/Canadá, o psicopata pode apresentar os seguintes sintomas: indivíduo eloquente e superficial, egocêntrico e grandioso, possui ausência de remorso ou culpa, falta de empatia, engana e manipula suas vítimas, possui emoções “rasas”, é impulsivo, tem fraco controle do comportamento, necessidade de excitação, falta de responsabilidade, problemas de comportamento precoces e comportamento adulto antissocial etc.[1]

Nota-se que algumas dessas características podem ser encontradas em diversos indivíduos que não necessariamente serão portadores do transtorno de personalidade antissocial. A análise e diagnóstico da doença só devem ser realizados por um profissional, sendo o parágrafo acima apenas um breve resumo dos chamados “sintomas-chave” da psicopatia, citados por Hare.       

Portanto, podemos concluir que nem todo indivíduo que comete um delito ou não possui os mesmos princípios éticos e morais que o homem médio pode ser considerado psicopata. Muitas vezes ele será apenas um indivíduo volúvel, frio ou insensível, antissocial, com algum transtorno/distúrbio, ou até mesmo sem princípios éticos e morais.

Superada a questão do diagnóstico, quando efetivamente constatada a psicopatia, o indivíduo teria imputabilidade para fins penais? Como já citado, a imputabilidade requer reconhecimento da ilicitude do fato e capacidade de controle da sua vontade. Na psiquiatria é de entendimento majoritário que o indivíduo que sofre de transtorno de personalidade antissocial não possui capacidade de controle sobre seus atos, o que nos permite concluir que não poderia, então, ser considerado imputável, uma vez que, ainda que reconheça a ilicitude de sua conduta, não possui capacidade de agir de outra maneira.

Considerado inimputável, o indivíduo deveria receber uma sentença absolutória imprópria, ou seja, uma sentença absolutória que impõe o cumprimento de medida de segurança. A medida de segurança ora exposta não possui tempo determinado, podendo ser revogada tão logo sanada a enfermidade.

Ocorre que a doença referida não é de fácil diagnóstico e o indivíduo possuidor do transtorno de personalidade antissocial pode enganar, dissimular e aparentar ser um indivíduo totalmente são e plenamente capaz. Quando obtém sucesso em demonstrar a “cura” de sua enfermidade, logra êxito em ver revogada a medida de segurança, sendo, consequentemente, posto em liberdade.

É de entendimento pacífico, também, que o psicopata não possui recuperação, ou seja, para o transtorno de personalidade antissocial não há “cura” e por isso, não raras vezes, diante de uma situação em que o acusado de um crime possui os sintomas-chave da doença, alguns profissionais preferem não apontar a psicopatia, a fim de garantir uma sentença condenatória ao acusado, com a imposição de pena privativa de liberdade e não o cumprimento de medida de segurança.[2]

Não restam dúvidas de que a situação é complexa e há uma lacuna com relação à punição adequada do indivíduo que possui o transtorno de personalidade antissocial. O problema não é simples e a medicina, psicologia e áreas do direito possuem muito trabalho e estudo a serem realizados para que seja sanada essa lacuna. Não há como afirmar que o cumprimento de medida de segurança será efetivo nesses casos, mas também não se pode negar a patologia e tratar o indivíduo como se ele não possuísse nenhuma doença.

Cabe a nós, portanto, investirmos cada vez mais na capacitação e qualificação dos profissionais dessas áreas, a fim de que os indivíduos diagnosticados com transtorno de personalidade antissocial tenham um tratamento específico e adequado. A solução para o problema não está na aplicação de medida de segurança, tampouco na pena de prisão, uma vez que nenhuma das duas trata das especificidades dessa doença.

Enquanto não obtivermos melhores resultados com estudos e discussões a respeito do tema, é importante que sigamos as normas previstas na Constituição Federal, no Código Penal e no Código de Processo penal. Melhor nos posicionarmos ao lado da legislação a cercearmos direitos dos indivíduos. A patologia deve ser apontada, garantindo o cumprimento da medida de segurança.

O cumprimento de medida de segurança, de longe, não é a melhor solução, mas não podemos ignorar as normas previstas a respeito do tema. As discussões acadêmicas não devem ser encerradas até que seja encontrado um meio termo entre a medida de segurança e a pena de prisão. O indivíduo não pode ser tratado como um criminoso plenamente capaz, tampouco como totalmente incapaz. Nos vemos diante de um impasse. A dúvida permanece até que avancemos na legislação e/ou na ciência. A reflexão é de extrema importância para a resolução desse dilema, qual seja: o tratamento jurídico adequado ao psicopata.  

 

[1] HARE, Robert – Sem Consciência. Pág 49.

[2] Frisa-se aqui que não há o intuito de desvalorizar ou generalizar o diagnóstico dos profissionais da área, apenas relatar o que alguns psiquiatras já afirmaram em conversas informais à autora.

 

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