A PROBLEMÁTICA ENVOLVENDO O USO DA PONDERAÇÃO QUANDO DA ANÁLISE DA ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO DE GRAVAÇÃO AMBIENTAL NO PROCESSO ELEITORAL  

09/07/2021

Recentemente o ministro Dias Toffoli, relator no julgamento de recurso extraordinário 1.040.515, no qual se discute a (i)licitude da gravação ambiental feita por um interlocutor sem conhecimento dos outros como  prova em processos por crime eleitoral, reconheceu e propôs tese de repercussão geral, que será aplicada a partir das eleições de 2022. Na ocasião, a tese restou assim reconhecida:

- No processo eleitoral, é ilícita a prova colhida por meio de gravação ambiental clandestina, sem autorização judicial e com violação à privacidade e à intimidade dos interlocutores, ainda que realizada por um dos participantes, sem o conhecimento dos demais.  

- A exceção à regra da ilicitude da gravação ambiental feita sem o conhecimento de um dos interlocutores e sem autorização judicial ocorre na hipótese de registro de fato ocorrido em local público desprovido de qualquer controle de acesso, pois, nesse casso, não há violação à intimidade ou quebra da expectativa de privacidade.

Há discussão quanto as normas de caráter aberto e fechado, o uso de conceitos abstratos e o grau de discricionariedade dado ao julgador quando da aplicação das sanções, sob a ótica dos institutos jurídicos da proporcionalidade e da razoabilidade no âmbito eleitoral.

Existe também alguns julgados que demonstram a intepretação do Tribunal Superior Eleitoral relativo a admissibilidade de gravações sem autorização judicial como meio de provas no processo eleitoral. Veja-se:

Tal entendimento, relativo à admissibilidade da prova ilícita, ganhou maior notoriedade em primeiro de março de 2016, durante o julgamento do Habeas Corpus 308-08 e 444-05, ambos de relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura. Outrossim, desde 16 de abril de 2015, no Recurso Especial Eleitoral 63.761, o TSE iniciou mudança de posicionamento no julgamento e assentou que a gravação ambiental, sem a autorização judicial, é lícita quando realizada em ambientes públicos, admitindo-a como meio de prova contra a parte em processo cível-eleitoral. Decidiu-se que: (i) as gravações ambientais efetuadas em espaços/meios públicos não precisam ser antecedidas de decisão judicial autorizadora e (ii) as gravações ambientes empreendidas em ambiente privado, para serem admissíveis no processo, dependem do requisito da autorização judicial prévia.

Nesse caminho, o TSE também segue uma linha tênue no que tange à admissibilidade de metadados como prova lícita, sob o argumento da não violação da privacidade à luz da proporcionalidade com base na interpretação sistemática e à luz de precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça (RHC 51.531/RO). Aquele colegiado superior eleitoral entendeu que: O postulado (sic) da proporcionalidade, vetor cardeal da Constituição pós-positivista de 1988, aponta no sentido da licitude do aproveitamento de provas decorrentes da obtenção de metadados (registros de informações) em mídias sociais (e.g., Whatsapp, Facebook etc.), ainda que sem autorização judicial, sem que isso conflagre violação ao direito fundamental à privacidade (CRFB/88, art. 5º, X).[i]

Não se olvida o importantíssimo e necessário pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, não só em relação a (i)licitude de gravações em ambiente público e privado, mas também quanto a admissibilidade de metadados, sem autorização judicial, utilizados como meio de prova no âmbito eleitoral.

A preocupação, entretanto, se revela maior quanto o grau de discricionariedade dado ao julgador quando da análise de cada caso mediante o juízo de ponderação. Salta aos olhos, inclusive, trecho do próprio fundamento da decisão do relator no Recurso Extraordinário em comento:

No âmbito jurisdicional, as gravações exsurgem como frequentes e relevantes meios de obtenção de prova na busca pela verdade material e elucidação de crimes e ilícitos eleitorais, os quais devem ser utilizados mediante juízo de ponderação e proporcionalidade entre o princípio da ampla liberdade probatória e o da vedação da prova ilícita, observando-se, essencialmente, o disposto no art. 5º, LVI, da Carta Magna e no art. 369 do Código de Processo Civil, que assim preceituam, in verbis: 

Tal preocupação há muito já foi ressaltada por Guilherme Barcellos ao mencionar que no processo penal eleitoral é pernicioso o uso de conceitos vagos e subjetivos para viabilizar a inserção no processo de provas ilícitas:

Em muitos provimentos jurisdicionais, e ainda, em ensinamentos doutrinários, juristas vêm expressando construções intelectuais que ainda laboram no reducionista critério interesse público privado, tudo com vistas, a partir de um pretenso “juízo de proporcionalidade” ou “ponderação”, dar “ares de legalidade” a vilipêndio de direitos fundamentais, em prol de um indeterminado, discricionário e manipulável “bem maior”. […] Em matéria eleitoral, ademais, vale frisar que todos os interesses em xeque, incluindo-se aí os dos acusados, superam em abismo a órbita do privado, restando inseridos, de igual sorte, no cenário dos direitos fundamentais, no público, portanto, se assim desejarem, não se afigurando, pois, como pertinentes, os discursos reducionistas e discricionários da ordem dos que aqui se combatem.[ii] (Barcelos, 2017, 22-3)

 

O ponto crítico é exatamente o uso dos termos jurídicos indeterminados ou até mesmo aplicados de maneira equivocada, de modo a prejudicar a análise da admissibilidade do conjunto fático probatório e a fundamentação de qualquer decisão a ser tomada.

Ora, se qualquer conceito abstrato ou termo jurídico indeterminado confere certo grau de discricionariedade ao julgador, ao utilizar os institutos da proporcionalidade e da razoabilidade como enunciados performáticos sem qualquer distinção e sem a definição dos seus subelementos, então, por via de consequência, as razões de decidir e a decisão restará prejudicada.

Dito isso, a decisão que analisa a admissibilidade das provas obtidas por meio de gravação ambiental sob a ótica da ponderação deve ser devidamente fundamentada com a demonstração dos critérios específicos, conforme previsão do artigo 489, § 2º, da Código de Processo Civil.

           

Notas e Referências

[i] SANTOS, Alex. S. B.; BORN, Rogério. C. A Utilização dos Institutos Jurídicos da Proporcionalidade e da Razoabilidade no Direito Eleitoral. RESENHA ELEITORAL - TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SANTA CATARINA, v. 22, p. 107, 2018

[ii] BARCELOS, G. R. C. (2014). Processo judicial eleitoral & provas ilícitas: a problemática das gravações ambientais clandestinas. Curitiba: Juruá.

______. (2017). Das gravações ambientais clandestinas à construção de ilícitos de ensaio: processo judicial eleitoral e provas ilícitas. Disponível em: https://bit.ly/2VqfnXf.

 

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