A PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS COMO ULTIMA RATIO

10/05/2018

Um dos temas que gerou e ainda gera discussões nos mais variados ambientes, diz respeito à possibilidade da prisão civil do devedor de alimentos.

A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LXVII, prevê que é possível a decretação da prisão civil por conta do inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia. Outrossim, o Código de Processo Civil, assim dispõe em seu artigo 528:

Art. 528.  No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

7oO débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.

Importa destacar que a prisão civil não possui caráter punitivo, vez que visa coagir o devedor a pagar o débito, garantindo assim, os interesses do alimentando. Ainda, convém salientar que o devedor não pode ser preso mais de uma vez por conta do mesmo débito alimentar, pois se assim fosse permitido, o bis in idem, que é a dupla sanção para o mesmo fato, estaria presente, o que seria desproporcional. (1)

A cobrança de dívida alimentícia pode se dar de duas formas, quais sejam: Através do rito insculpido no artigo 528 do Código de Processo Civil (permite a prisão do devedor, que visa a cobrança das três parcelas anteriores ao ajuizamento da demanda, mais daquelas que forem se vencendo no curso do processo) e artigo 523 do mesmo diploma processual (permite penhora de eventuais valores depositados em instituições financeiras, imposição de restrição em veículos e outros meios constritivos, que visa a cobrança das parcelas que sãos anteriores às três ultimas vencidas). (2)         

Portanto, podem existir duas ou mais execuções que objetivam o adimplemento de dívida alimentícia, porém, observando-se o período a ser cobrado, sob pena de litispendência, que é quando há duas ou mais ações iguais, ainda não julgadas, que têm o mesmo objeto, identidade de pessoas e causa de pedir. Ora, se o período a ser cobrado difere do período cobrado em outra execução, não há falar em litispendência. (3)

Feitas tais considerações, passemos à analise doutrinária acerca do tema.

Para Maria Berenice Dias, a reiterada mora do devedor gera no alimentando sofrimento e dor, pois vê o pagamento da pensão ser postergado por tempo infinito, a ferir sua dignidade. (4)

Diante disso, justificável é a previsão legal da prisão civil como meio processual para compelir o devedor a saldar sua dívida alimentar. (5)

Contudo, como regra geral do direito, a prisão deve ser exceção. Isto porque, a liberdade, direito insculpido no artigo 5º, caput da Constituição Federal de 1988, tida como fundamental, deve ser assegurada em seu grau máximo. Como se sabe, a prisão é medida odiosa, porém, muitas vezes necessária, em virtude da periculosidade do agente, por exemplo. (6)

Portanto, a prisão civil, assim como a prisão criminal, deve ser exceção, pois em muitos casos, ineficaz, desnecessária e desproporcional. Como já dito, com a prisão civil, objetiva-se compelir o devedor a pagar o débito alimentar, porém, cabem as seguintes perguntas: Existem outros meios para o adimplemento da dívida? Ou, a expedição do mandado de prisão é suficiente para que o devedor seja preso?  Sim, a expedição do mandado de prisão é suficiente para que o devedor seja preso, contudo, o Oficial de Justiça deve saber onde está exatamente o devedor.

Existem casos em que o alimentando deve agir como se detetive fosse para que o mandado de prisão seja cumprido, vez que o devedor pode estar se escondendo. Saliente-se que o mandado de prisão possui prazo de 1 (um) ano. Portanto, a parte exequente fica à mercê do cumprimento, o que diversas vezes não ocorre. O mais lastimável é que outras medidas, a fim de coagir o devedor a pagar o débito alimentar não são tomadas. Diante disso, a parte exequente, percebendo que o mandado de prisão não será cumprido, requer a conversão, para o rito insculpido no artigo 523, almejando a realização de outras medidas para o adimplemento do débito alimentar. Contudo, o processo inicia-se do zero, frustrando por completo, os interesses da parte exequente.

Assim sendo, o juiz, atentando-se para os interesses do alimentando e levando em consideração princípio da efetividade do processo, deve sempre buscar meios alternativos à prisão, para coagir o devedor a pagar o débito alimentar, como por exemplo, o protesto do título que ensejou a demanda, desconto em folha de pagamento do alimentante (artigo 529 do Código de Processo Civil). Outrossim, o juiz, diante das peculiaridades do caso concreto, como as do exemplo trazido e, com base no artigo 139, IV do Código de Processo Civil, pode determinar a apreensão da carteira nacional de habilitação, passaporte, bloqueio do cartão de crédito do devedor, proibição de viajar, proibição de participar de concursos públicos e de licitações. Estes são alguns exemplos de medidas a serem tomadas previamente à decretação da prisão.

Porém, há diversas críticas por parte de alguns juristas referentes a essa interpretação extensiva do artigo 139, IV do Código de Processo Civil. Entretanto, quando existem interesses de menores, envolvidos no conflito, por exemplo, a medida que se impõe é essa mesma. (7)

 Isto porque, a interpretação para a solução de diversos conflitos familiares, requer uma análise mais profunda do julgador, diferente do que ocorre nos demais ramos do direito, como muito bem destaca o ex-ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, em documentário sobre sua vida e em entrevista dada à conjur. (8)

Por fim, não há dúvidas de que a prisão é o meio mais cruel para cobrar o débito alimentar. Assim, se a prisão for a regra no processo que visa o fim da dívida alimentícia, a medida estará em desacordo com o que diz o artigo 805 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:

Art. 805.  Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.

Importante destacar que a prisão do devedor não faz com que a dívida deixe de existir. Portanto, qual seria a eficácia da prisão? E os meios alternativos à prisão? É preciso visualizar as possibilidades a partir da posição de ambas as partes, quais sejam, exequente e executado.

Assim, é de suma importância possuir esta visão, pois ao se fazer uma breve análise jurisprudencial, concluir-se-á que a prisão é a medida número 1 (um) quando se trata de verba alimentar, de caráter urgente.  Todavia, há casos em que a própria parte exequente entende mais eficaz a aplicação de outras medidas para coagir efetivamente o devedor a pagar. Portanto, necessário é que cada caso seja analisado individualmente e, a prisão civil, assim como a criminal, seja o último recurso a ser empregado, pois de elevado constrangimento ao devedor e também, desproporcional sua decretação de imediato. (9)

Referências

“A expressão ne bis in idem, quase sempre utilizada em latim, em sua própria acepção semântica já impõe de imediato que se esclareça o que (idem) não deve ser repetido (ne bis). Nessa linha, provisoriamente pode-se antecipar que sua utilização jurídica, por via de regra, é associada à proibição de que um Estado imponha a um indivíduo uma dupla sanção ou um duplo processo (ne bis) em razão da prática de um mesmo crime (idem). No coração mesmo de sua assimilação normativa parece encontrar-se o intuitivo reconhecimento da existência de uma comezinha noção de equidade que torna inaceitável, quando menos por incoerente, que alguém receba mais de uma punição pela mesma infração penal ou que sofra mais de uma vez com as inevitáveis agruras de um processo criminal”. (MAIA, Rodolfo Tigre. O princípio do “ne bis in idem” e a constituição brasileira de 1988. In: Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União, n. 16, v. 4, 2005, p. 27).

Streck, Lenio Luiz Streck; comentários ao Código de Processo Civil; 11ª edição; editora saraiva; páginas 757 a 767

Deocleciano Torrieri Guimarães, dicionário técnico jurídico; 18 ª edição, editora rideel; pág 496

Dias, Maria Berenice, 8ª edição; revista atualizada e ampliada; revista dos tribunais; página 590.

Prisão civil do devedor de alimentos deve ser a última alternativa – Por Ingo Wolfgang Sarlet – consultor jurídico.

Logo, o correto é afirmar que o requisito para decretação de uma prisão cautelar é a existência do fumus commissi delicti, enquanto probabilidade da ocorrência de um delito (e não de um direito), ou, mais especificamente, na sistemática do CPP, a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.; Lopes JR, Aury; Direito Processual Penal; 14ª edição; Editora Saraiva; páginas 581 e 582;

Como interpretar o artigo 139, IV, do CPC? Carta branca para o arbítrio? - Por Lenio Luiz Streck e Dierle Nunes – consultor jurídico.

Tempo e história – Ministro Cezar Peluso– https://www.youtube.com/watch?v=VKQOUpiPF-g - 28/07/2017 ENTREVISTAS HISTÓRICAS Cezar Peluso, ministro aposentado do STF: "Trabalhando com conflitos familiares, aprendi a ouvir"

Mendes, Gilmar Ferreira. Branco, Paulo Gustavo Gonet; Curso de Direito Constitucional; 7ª edição, editora saraiva; página 798; prisão civil do alimentante; Como medida extrema, deve ser aplicada seguindo-se as regras e o procedimento previstos na lei, a qual deve assim tratá-la, prevendo outros meios de execução e reservando a utilização da prisão civil apenas como ultima ratio.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Alcatraz Prison // Foto de: Alexander C. Kafka // Sem alterações

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