A presunção de inocência e o Estatuto do Desarmamento

18/06/2016

Por Rubens Almeida Passos de Freitas e Franklyn Celso Ferreira - 18/06/2016

A Lei 10.826/03, em seu artigo 4º, I prevê que, para a aquisição de arma de fogo, o interessado deverá, além de declarar a necessidade, comprovar sua idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal.

Primeiramente, devemos buscar entender o que seria "estar respondendo a inquérito policial". Seria quando o sujeito é considerado, ainda que precariamente, um suposto autor de um crime? Um mero suspeito? Ou estaria ele "respondendo" a partir do momento em que tenha sido formalmente indiciado pela autoridade policial (Delegado de Polícia), nos termos do art. 2º, § 6º, da Lei 12830/13?

A lei é omissa neste ponto, não sendo possível entender, de fato, o que pretendeu o legislador, ao utilizar a expressão "respondendo a inquérito policial". Entendemos que uma pessoa somente estará "respondendo" a inquérito policial a partir do momento em que tiver sido formalmente indiciada no referido procedimento.

Tal exigência legal não faz nenhum sentido. O crime pelo qual o solicitante possa estar "respondendo" sequer é analisado, podendo tratar-se até mesmo de crime culposo ou de crimes de menor potencial ofensivo (se houver concurso de infrações, neste último caso, há entendimento que deverá ser apurado via inquérito policial, e não termo circunstanciado, o que geraria indiciamento do autor).

Aliás, devemos lembrar que, na certidão de antecedentes policiais, a autoridade policial não pode sequer mencionar se há instauração de inquérito policial em desfavor de alguém (art. 20, parágrafo único do CPP). Trata-se, assim, de documento absolutamente dispensável. Nesse raciocínio, o professor Guilherme de Souza Nucci preleciona, de modo esclarecedor:

"É inútil, em nossa visão, o atestado de antecedentes policiais, na atualidade. Não pode a autoridade fazer constar inquérito em andamento, nem tampouco condenações, com trânsito em julgado, cuja pena já foi cumprida". (Código de Processo Penal Comentado, 5ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p. 122)

Em segundo lugar, devemos lembrar do princípio da presunção de inocência (artigo 5°, inciso LVII, da Constituição da República), albergado nos artigos XI, 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e 8º, 2, da Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), das quais o Brasil é signatário.

Acerca do assunto, merece ser trazido à baila o magistério de Alexandre de Moraes, que preleciona, de modo esclarecedor:

"Dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal, permitindo-se o odioso afastamento de direitos e garantias individuais e a imposição de sanções sem o devido processo legal e a decisão definitiva do órgão competente." (Direito Constitucional, 30ª Ed., São Paulo, Ed. Atlas, 2014, p. 123).

Ainda, insta transcrever o entendimento de Paulo Henrique Aranda Fuller, Gustavo Octaviano Diniz Junqueira e Angela C. Cangiano Machado, para os quais o referido princípio "obriga o Estado a considerar o sujeito inocente..., ou seja, o sujeito não pode sofrer restrições em direitos que pessoas inocentes não podem sofrer" (Elementos do Direito V.8, Processo Penal; 9ª Ed., São paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 17).

A presunção da inocência é um direito fundamental de todo cidadão e não se aplica somente no direito penal, mas também aos outros ramos do direito. Por estes motivos, tal exigência legal é uma afronta ao princípio supracitado, e que, infelizmente, continua em vigor.


Rubens Almeida Passos de Freitas. Rubens Almeida Passos de Freitas é Pós-Graduado em “Investigação, Constituição e Direito de Defesa” pela Universidade Anhanguera – UNIDERP. Delegado Regional de Polícia Civil em Santa Catarina. . .


Franklyn Celso Ferreira. Franklyn Celso Ferreira é graduado em direito pela UnC – Universidade do Contestado e Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Verbo Jurídico – RS. Advogado e sócio fundador do escritório Vellasques, Ferreira & Casagrande Advocacia  Consultoria Jurídica (Rio Negrinho/SC). .


Imagem Ilustrativa do Post: Warm Gun // Foto de: Brad Montgomery // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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