A possibilidade de penhora de salário para o pagamento de dívidas não alimentares - a recente orientação do Superior Tribunal de Justiça

08/07/2023

No dia 20 de abril de 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma importante decisão nos autos do RESP 1.874.222, que estabelece novos parâmetros para a penhorabilidade de salário no Brasil para o pagamento de dívidas não alimentares.

Em julgamento de embargos de divergência, a Corte Especial do STJ, sob a relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, estabeleceu que, em caráter excepcional e com base em entendimento já pacificado pela egrégia Corte Especial, é possível relativizar a regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservado valor que assegure subsistência digna para ele e sua família.

No EREsp, firmou-se que “a regra geral da impenhorabilidade pode ser excepcionada e mitigada desde que preservado percentual para subsistência digna do devedor e de sua família, o que se terá, sem dúvida, com o bloqueio e penhora de até 30% dos proventos de aposentadoria do executado/recorrido, que não apresentou uma única impugnação quanto a esse fato".

O colegiado acompanhou o relator, ministro João Otávio de Noronha, para quem essa relativização somente deve ser aplicada "quando restarem inviabilizados outros meios executórios que garantam a efetividade da execução", e desde que "avaliado concretamente o impacto da constrição sobre os rendimentos do executado".

No caso concreto, os embargos de divergência foram interpostos por um credor contra acórdão da Quarta Turma que indeferiu o pedido de penhora de 30% do salário do executado, a dívida objeto da execução tem origem em cheques de aproximadamente 110 mil reais e aludido executado se furtava a cumprir com a obrigação assumida.

A Quarta Turma entendeu que a jurisprudência do STJ solidificou-se no sentido de que a regra geral da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial comporta a exceção somente nas seguintes hipóteses: a) para o pagamento de prestação alimentícia de qualquer origem, independentemente do valor da remuneração recebida; e b) para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais, ressalvando-se eventuais particularidades do caso concreto. Em ambas as situações, deve ser preservado percentual capaz de assegurar a dignidade dos envolvidos. Confira-se a ementa do julgado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE SALÁRIO. EXCEPCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA NÃO COMPROVADA. CONSONÂNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1.A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que a regra geral da impenhorabilidade das verbas de natureza remuneratória, inclusive pensões, pecúlios e montepios, bem como das quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, dos ganhos de trabalhador autônomo e dos honorários de profissional liberal, somente poderá ser excepcionada, nos termos do art. 833, IV, e § 2°, do CPC/2015, para possibilitar: I) o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória recebida; e II) o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais, ressalvando-se eventuais particularidades do caso concreto. Em ambas as situações acima citadas, deverá ainda ser preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. 2. O entendimento adotado no acórdão recorrido coincide com a jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ. 3. Agravo interno a que se nega provimento (AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1874222 - DF (2020/0112194-8). Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA. Data do julgamento: 20/09/2021).

Nos embargos de divergência, o credor apontou precedentes da Corte Especial e da Terceira Turma que condicionaram o afastamento do caráter absoluto da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial apenas ao fato de a medida constritiva não comprometer a subsistência digna do devedor e de sua família, independentemente da natureza da dívida ou dos rendimentos do executado.

Em ambas as situações apontadas pela Quarta Turma, deve ser preservado um percentual capaz de garantir a dignidade do devedor e de sua família. Essa decisão é baseada no artigo 833, IV e § 2° do Código de Processo Civil de 2015.

Para a análise de qual seria esse mínimo para a subsistência do devedor, a Corte também já assentou que será analisado cada caso concreto, para avaliação de qual o montante mínimo necessário para aquela pessoa ou grupo familiar, não se podendo estabelecer uma regra geral. Neste sentido:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

PENHORA INCIDENTE SOBRE VERBA SALARIAL. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A legislação processual civil (CPC/2015, art. 833, IV, e § 2º) contempla, de forma ampla, a prestação alimentícia, como apta a superar a impenhorabilidade de salários, soldos, pensões e remunerações. A referência ao gênero prestação alimentícia alcança os honorários advocatícios, assim como os honorários de outros profissionais liberais e, também, a pensão alimentícia, que são espécies daquele gênero. É de se permitir, portanto, que pelo menos uma parte do salário possa ser atingida pela penhora para pagamento de prestação alimentícia, incluindo-se os créditos de honorários advocatícios, contratuais ou sucumbenciais, os quais têm inequívoca natureza alimentar (CPC/2015, art. 85, § 14). 2. A Quarta Turma, no julgamento do AgInt no REsp 1.732.927/DF (Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, julgado em 12/02/2019, DJe de 22/03/2019), decidiu que o julgador, sopesando criteriosamente as circunstâncias de cada caso concreto, poderá admitir ou não a penhora de parte da verba alimentar, ou limitá-la a percentual razoável, sem agredir a garantia do executado e de seu núcleo essencial. No caso, a Corte local entendeu ser possível a penhora de parte do salário da agravante para o adimplemento de honorários advocatícios, em conformidade com a orientação desta Corte, que admite a mitigação da impenhorabilidade das verbas salariais no caso de dívida alimentar, como são considerados os honorários advocatícios. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1595030/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA. Data do julgamento: 22/6/2020)

Os precedentes da Corte Especial estabelecerão a relativização da impenhorabilidade das verbas salariais, ressalvando a subsistência digna do devedor e de sua família, independentemente da natureza da dívida ou dos rendimentos do executado. No entanto, a decisão sobre o quanto poderá ser penhorado da remuneração dependerá sempre do entendimento do juiz responsável pelo caso, que deve avaliar as particularidades de cada situação e aplicar a lei de forma justa e equilibrada, respeitando os direitos e garantias tanto do credor quanto do devedor. É importante lembrar que o judiciário é independente e suas decisões são tomadas com base na legislação vigente e nas circunstâncias de cada caso concreto.

A decisão do STJ mencionada é compatível com a legislação em vigor no Brasil, que estabelece a possibilidade de relativizar a regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial em casos excepcionais, desde que seja preservado um valor que assegure a subsistência digna do devedor e de sua família. É importante lembrar que essa medida deve ser aplicada somente em situações em que não se é possível encontrar bens ou em situações em que o devedor não coopera com o Juízo a fim de indicar bens à penhora, ou seja, se não for viável garantir a efetividade da execução. Além disso, é essencial que seja avaliado concretamente o impacto da penhora sobre os rendimentos do executado, para que seja sopesado tanto interesse de satisfazer a execução sem deixar o executado em situação indigna.

 

Notas e referências

Superior Tribunal de Justiça. AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.874.222 - DF (2020/0112194-8). Relator: Ministro Raul Araújo, QUARTA TURMA. Data do julgamento: 20/09/2021.

Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 1595030/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA. Data do julgamento: 22/6/2020.

Superior Tribunal de Justiça. EDcl no AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1874222 - DF (2020/0112194-8). Relator: Ministro Raul Araújo. Data do julgamento: 14/02/2022.

Superior Tribunal de Justiça. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1874222 - DF (2020/0112194-8). Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Data do julgamento: 19/04/2023.

 

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