Por Isabela Gonçalves Vieira Arnaldo Carneiro - 07/07/2015
Introdução“Todo lo toxico de mi país a mi me entra por la nariz, lavo autos, limpio zapatos, huelo pega y también huelo paco robo billeteras pero soy buena gente, soy una sonrisa sin dientes lluvia sin techo, uña con tierra, soy lo que sobro de la guerra un estomago vacío, soy un golpe en la rodilla que se cura con el frío el mejor guía turístico del arrabal por tres pesos, te paseo por la capital no necesito visa pa volar por el redondel porque yo juego con aviones de papel, arroz con piedra, fango con vino, y lo que me falta me lo imagino” (GOMES, 2009).
É cediço que a conduta penal praticada por crianças e adolescentes reflete com exatidão o contexto social e familiar no qual convive. Por óbvio que tais conjecturas não se restringem apenas às questões financeiras, mas também principiológicas e valorativas.
Diante deste contexto, nossas crianças e adolescentes vêm praticando frequentemente atos ilícitos. Assim é que o Direito Penal Infantil dispensa um tratamento diferenciado para tais seres, em razão de suas condições físicas e psíquicas que reflete a ausência de compreensão e discernimento dos atos praticados.
Para tais atos, eis que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a aplicação de medidas socioeducativas aos menores em conflito com a lei, que diante da doutrina da proteção integral, visa afastar o jaez da marginalidade que atrai tantos jovens.
Não obstante, parece-nos que o objetivo almejado pelo ECA tem refletido um caráter cada vez mais ineficaz, posto que vislumbra-se o alto número alto de adolescentes envolvidos no crime.
Juarez Cirino dos Santos argui em seu artigo “O adolescente infrator e dos direitos humanos” que:
“em oposição à ideologia oficial, a criminologia contemporânea define o comportamento desviante do adolescente como fenômeno social normal que desaparece com o amadurecimento: infrações de bagatela e de conflito do adolescente seriam expressão de comportamento experimental e transitório dentro de um mundo múltiplo e complexo e não uma epidemia em alastramento, cuja ameaça exigiria estratégias de cerco e aniquilamento” (DOS SANTOS, 2012).
No entanto não se pode vislumbrar, na realidade que nos permeia, a existência do referido amadurecimento. A sociedade capitalista com suas exigências peculiares não auxilia o desenvolvimento psíquico destes jovens, mas estimula indiretamente a prática delitiva.
As medidas socioeducativas, por sua vez, são ineficazes de modo que no momento em que tenta preservar os princípios norteadores do ECA acabam por não aplicar objetivos que favoreçam à prevenção de atos infracionais e crimes futuros.
Fato é que, mesmo possuindo o adolescente direitos fundamentais que necessariamente devem ser preservados, em razão, repita-se, das suas características físicas e psíquicas que os leva a grande instabilidade, cometem eles atos proibidos em lei. As medidas socioeducativas devem se amoldar segundo a realidade pertinente a cada adolescente em conflito com a lei.
Noutro giro, eis que, a maioria das vezes, tais medidas são incompatíveis com a realidade, de modo que acabam por trazer terríveis consequências àqueles sujeitos.
As medidas socioeducativas, pela sua natureza repressiva, contribuem para o aumento de reincidência dos menores infratores, de modo a estimular o caricato da criminalização por meio da marginalização de tantos jovens. A equação que a realidade jurídico-política nos mostra é que as medidas socioeducativas, que visam a diminuição da criminalidade, possuem efeito contrário, qual seja, o aumento o crime.
Dessa forma é que, não poucas vezes, as medidas socioeducativas revelam-se não apenas inviáveis e ineficazes para a socialização do menor em conflito com a lei, mas também um mal para a sociedade, em que sendo vítima de tantos atos infracionais, se vê sem resolução para o prejuízo que lhe foi causado.
Em atos infracionais em que a vítima possui seu patrimônio lesado, o que interessa para a mesma é, na grande maioria das vezes, mais a reparação dos danos causados do que a própria punição ao adolescente. É nesta seara, que o presente trabalho busca como solução a aplicação de medidas assecuratórias, a fim de que ocorra não apenas a educação do jovem, mas também a proteção e garantia ao ofendido de ver o seu patrimônio ressarcido.
Sendo assim, tem-se no primeiro capítulo um apanhado geral sobre a evolução do Direito Infantil, passando pela Idade Antiga e alcançando os dias atuais, demonstrando tudo o que fora adquirido ao longo da história, no que tange aos deveres e direitos garantidos.
O intuito precípuo é trazer arcabouço histórico para fundar o tema principal do projeto, a fim de se conhecer o sistema penal infantil, para posteriormente expor as deficiências e exigências provenientes dele.
No segundo capítulo, por outro lado, ter-se-á considerações acerca do instituto das medidas assecuratórias, para que se possa melhor conhecê-las e posteriormente, se verificar a possibilidade e compatibilidade com o Direito Penal Infantil. Nesse caso, as modalidades possíveis serão definidas, revelando ainda, de forma sucinta, as características básicas para o seu desenvolvimento.
A posteriori, no quarto capítulo, será feita uma análise acerca das legislações infanto-juvenis existentes, em especial o Estatuto da Criança e do Adolescente bem com a Lei do Sistema Nacional Socioeducativo para que melhor se averigue as questões relacionadas a socialização e responsabilização dos menores em conflito com a lei, bem como os mecanismos trazidos pelas legislações infantis que garantam a execução e cumprimento das medidas socioeducativas.
E, por fim, no quinto capítulo, tomando-se por base o quanto mencionado nos capítulos anteriores, será explanado e analisado a possibilidade de aplicação das medidas assecuratórias no âmbito da Justiça Penal Infantil, reportando-se para tanto às legislações existentes e estudadas.
Evolução histórica dos direitos da criança e do adolescentePara que haja a devida compreensão acerca dos problemas que amoldam a questão do menor infrator na sociedade atual, faz-se necessário, de antemão, caminhar sobre a estrada percorrida por esse tema ao longo do tempo.
Fato é que há de se verificar o consequente retorno não apenas à história dos direitos adquiridos pela criança e pelo adolescente, mas também às questões atinentes ao “niño de la calle” que emergem atualmente de forma a rediscutir temas já altercados no passado.
Para tanto, passemos então ao devido conhecimento do passado.
Na Idade Antiga, as crianças e os adolescentes não eram vistos pelas civilizações antigas como sujeitos de direitos, mas apenas como objeto de relações jurídicas, em que o pater exercia total poder sobre aqueles, refletindo uma espécie de direito de propriedade.
Para melhor compreensão da época vivida, ilustra-se a manutenção, pelos gregos, da vida das crianças que fossem saudáveis e fortes, de modo que as deficientes e malformadas eram jogadas de despenhadeiros a fim de que a sociedade pudesse se desfazer deste “peso”. Em Esparta, famosa cidade grega, os filhos eram entregues pelos pais ao Estado para que este procedesse à educação e criação dos futuros guerreiros. No Oriente, por sua vez, dada a pureza das crianças, procediam ao sacrifício religioso das mesmas.
A Idade Média, no entanto, por ter sido marcada pelo Cristianismo, passou a reconhecer alguns direitos às crianças, uma vez que ao preceituar o direito a dignidade humana, acabou por absorvê-las. Aquela instituição visou ainda a melhoria no tratamento do pai ao filho, pregando, contudo, o dever de respeito, fundado no quarto mandamento cristão que é “honrar pai e mãe”.
Conquanto a Igreja descriminalizasse as crianças havidas fora do sacramento do matrimônio, ela protegia os menores, aplicando severas penas corporais e espirituais para os pais que abandonavam seus filhos.
Já no Brasil-Colônia, dada a dificuldade que os jesuítas detinham de catequisar os pais índios, eles passaram a catequisar as crianças que, por sua vez, passaram a educar e adequar seus pais a uma nova ordem social e moral que surgia. No entanto, essa era uma realidade que não se aplicava as famílias não indígenas. Nesse caso, o pai continuava sendo a autoridade máxima no âmbito familiar. Ao pai era dado, inclusive, o direito de castigar o filho como forma de educa-lo. Todavia, caso desse castigo resultasse morte ou lesão à criança, a licitude desta conduta era afastada.
Oportuno destacar a criação em 1551 da primeira casa de recolhimento de crianças, fundada pela Igreja Católica, através dos jesuítas, e no século XVIII, da Roda dos Expostos, mantidas pelas Santas Casas de Misericórdia devido ao grande número de crianças abandonadas.
Criada na Idade Média, na Itália, sua tradição passou para o Brasil quando, no século XVIII, mais precisamente em 1726, segundo Marcílio (2001), se reivindicou à Coroa a permissão para se estabelecer a primeira roda dos expostos na cidade de Salvador, na Bahia, junto à casa de Misericórdia e nos moldes de Lisboa. Instituída no Brasil pelo Sr. Romão de Matos Duarte e mantida pela Santa Casa da Misericórdia, a casa da Roda existiu, inicialmente, nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, sendo de grande valia sob a ótica social, pois foi a solução encontrada pelas autoridades da época para combater o fenômeno do abandono dos bebês na cidade de Salvador, ocasionando a morte da maioria delas por fome, frio e por servir, não poucas as vezes, de alimentos para os animais.
Desse modo, a roda dos expostos tratava-se de um objeto redondo de madeira que garantia o anonimato do expositor. Assim, quando alguém chegava ao local, deixava a criança abandonada na bandeja, tocava uma sirene e se retirava. A roda dos expostos tornou-se, assim, um instrumento legítimo de abandono da criança não desejada, evitando que a mesma fosse abandonada nos bosques, lixo, portas de igreja ou casas de famílias, hábitos até então regulares diante da falta de um local destinado a receber infantes rejeitados.
Por outro lado, adentrando-se à fase imperial, extrai-se que este foi um momento de grande política repressiva, uma vez que as penas eram visivelmente cruéis. Vigiam nessa época as Ordenações Filipinas que preceituava a imputabilidade penal aos sete anos de idade. Desse modo, os sujeitos entre sete e dezessete anos eram tratados analogamente aos adultos, havendo apenas uma atenuação na pena. Os chamados jovens adultos, que possuíam idade entre dezessete e vinte e um anos, por serem assim considerados, já eram passíveis de penas graves como a de morte, ocorrida mediante o enforcamento.
Segundo Maciel, ano 2009, em sua obra Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos, foi somente no Código Penal do Império, de 1830, que a capacidade de discernimento dos menores passou a ser examinadas para fins de aplicação da pena. Desse modo, os menores de quatorze anos passaram a ser considerados como inimputáveis. Isso, contudo, não era algo absoluto, uma vez que, se ainda aos sete anos, o menor fosse analisado sob uma ótica que o considerasse como alguém com discernimento, deveria ele ser encaminhado para casa de correção, podendo permanecer ali até os seus dezessete anos.
Advém que, o início do período republicano foi marcado pelo grande aumento da população urbana, principalmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Noutra senda, dada a recente abolição da escravatura, havia um grande número de escravos recém libertos. Assim, o grande índice populacional acabou desencadeando em doenças, no aumento de mendigos, de analfabetos e de outros males sociais. Para tanto foram fundadas entidades assistenciais que visavam a prática de caridade ou medidas higienistas.
Em 1906, foram inauguradas novas Casas de Recolhimento que se dividiam em escolas de prevenção, visando a educação de menores abandonados, escolas de reforma e colônias correcionais, que tinham por objetivo a educação de menores infratores.
Seis anos depois, seguindo a linha de pensamento dos movimentos internacionais da época, o Deputado João Chaves propôs projeto de lei objetivando a especialização de tribunais e juízos para assuntos relacionados aos menores.
Esse mesmo período foi caracterizado pela Doutrina da Situação Irregular que se delineava para a ideia de que o Estado deveria proteger os menores, podendo suprimir suas garantias, se necessário, para que esse escopo fosse alcançado.
Em 12 de outubro de 1927 foi publicado o Decreto 17.943- A, o primeiro Código de Menores do Brasil, mais conhecido como Código Mello Mattos, constituindo assim, um marco regulatório importante para o mundo jurídico. Aqui um novo preceito surgia. Quem deveria decidir a vida do menor era o juiz, baseando-se para tanto, na assistência e na justiça. A família, por sua vez, tinha como dever o cuidado dos seus menores, devendo lhes fornecer o suprimento das necessidades básicas, independentemente da situação financeira que os revestia. Também foram previstas medidas assistenciais e preventivas. No âmbito penal, os menores até quatorze anos que cometessem atos infracionais deveriam ser submetidos a fins educacionais. Apenas a partir desta idade e até os dezoitos anos que a responsabilidade penal passaria a prevalecer, sendo, no entanto, atenuada em razão da condição de menor.
A Constituição de 1937, influenciada pela luta aos direitos humanos, estendeu garantias à infância e juventude através do Serviço Social, passando a incorporar programas de bem-estar. Ademais, em 1941, mediante o Decreto-Lei 3.799, foi criado o Serviço de Atendimento ao Menor, o SAM, que prestava serviços de atendimento destinados ao menor infrator.
O que vigorava nessa época, a fim de recuperar o menor, era a substituição do vínculo familiar pelo vínculo institucional, através das internações. Com essa substituição, o comportamento da criança ou adolescente seria ditado pelo Estado, não importando os males que a distância com a família viesse a trazer, vez que a “preocupação era correcional e não afetiva” (MACIEL, 2007, p. 31 – 60).
A mera existência de uma Lei específica para tratar da causa da infância e juventude, conforme pleiteado pelos juristas, não atendeu aos anseios da sociedade da época, uma vez que os problemas sociais atinentes aos infantes abandonado e delinquente permaneciam e estavam em escala crescente. Este cenário propiciou grandes discussões, no âmbito social e jurídico, em relação à vigência do Código Mello de Mattos. Instala-se, assim, na década de 40, uma Comissão Revisora do Código Mello Mattos, inspirados pelos movimentos pós-Segunda Guerra Mundial, sendo apresentado inclusive alguns projetos de reforma da Lei. Ocorre que com o advento do golpe militar, todos esses trabalhos foram interrompidos não constituindo mais o problema social das crianças uma prioridade daquele Estado.
A partir da década de 1960, quando o SAM passou a receber muitas críticas em razão dos desvios financeiros e falta de estrutura que detinha, foi criada pela mesma instituição a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNEBEM). A FUNABEM na prática, no entanto, era mais um órgão político, que visava o afastamento de ameaças ao governo ditatorial, ainda que estas ameaças fossem crianças, do que o próprio bem social destas. Tanto assim o é que, a Lei 5.228, de 1967, reduziu a responsabilidade penal para dezesseis anos, utilizando-se o critério da capacidade de discernimento. No ano seguinte, todavia, a imputabilidade penal passou a se iniciar aos dezoito anos de idade.
Inúmeros debates emergiram entre o final da década de 60 e início da 70 em torno da necessidade de se obter um novo Código de Menores. Em 10 de outubro de 1979 foi publicado o novo Código de Menores, através da Lei 6.697, que consolidou a Doutrina da Situação Irregular.
Em razão do fracasso da extinção do SAM, em 1990, a FUNABEM foi substituída pelo CBIA (Centro Brasileiro para Infância e Juventude). Aqui pode-se vislumbrar um novo preceito quanto aos menores, a começar pela abolição no uso dessa terminologia, sendo substituída por outros termos mais apropriados, tais quais, criança e adolescente, expressão acolhida pela Constituição Federal bem como pelos documentos internacionais.
A Constituição de 1988, por sua vez, no tocante à proteção das crianças e dos adolescentes foi influenciada por organismos internacionais, tais como a UNICEF, bem como por documentos como a Declaração de Genebra, de 1924, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, 1948, a Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos, 1969 e Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude. No âmbito Nacional, merece destaque a atuação do MNMMR, Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, resultado do 1º Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, ocorrido em 1984. O escopo principal desse encontro era conscientizar a sociedade das circunstâncias que envolviam a questão dos menores abandonados. A atuação do MNMMR foi importante, uma vez que mobilizou a participação de organismos voltados à infância e juventude.
Este cenário culminou com a publicação do artigo 227 da Carta Magna que prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Infere-se, assim, que a Revolução Constitucionalista, estabeleceu um novo paradigma à história sócio-jurídica da criança e do adolescente, ao inseri-las como sujeitos de direito e titulares de direitos fundamentais, adotando assim a denominada doutrina da proteção integral, superando-se a anterior do Estado de Bem-Estar. Para regular e implementar o novo sistema, foi promulgada a Lei 8.069/1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, de autoria do Senador Ronan Tito e relatório da Deputada Rita Camata.
A Lei 8.069/1990, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, “trata-se de um verdadeiro microssistema que cuida de todo o arcabouço necessário para se efetivar o ditame constitucional de ampla tutela do público infanto-juvenil. É a norma especial com extenso campo de abrangência, enumerando regras processuais, instituindo tipos penais, estabelecendo normas de direito administrativo, princípios de interpretação, política legislativa, em suma, todo o instrumental necessário e indispensável para efetivar a norma constitucional” (MACIEL, 2007, p. 31 – 60).
A doutrina da proteção integral, assim, afasta a doutrina da situação irregular que permitia ao Magistrado decidir sobre o que fazer com a vida daquele menor. Retirava assim do Judiciário a gestão centralizadora. Atualmente, as crianças e os adolescentes são tratados e tutelados por uma gama de atores, quais sejam, os conselhos tutelares, a família, o Ministério Público e as próprias leis protetivas. Nesse sentido o artigo 4º do ECA, ao estabelecer que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” propõe um redirecionamento das atribuições do Estado e do papel da família e da sociedade, preconizando a responsabilidade solidária da família, Estado, comunidade, sociedade em contrapartida à ação centralizadora de outrora.
O instituto das medidas assecuratórias no sistema penal brasileiroAs medidas assecuratórias constituem em providências cautelares processuais que têm por finalidade assegurar a eficácia de uma futura decisão judicial para que se possa efetivar a execução penal ou para que haja a reparação do dano oriundo da prática ilícita. Elas podem ser vislumbradas sob duas óticas, a saber: como meio de se garantir o ressarcimento dos prejuízos causados à vítima ou como medidas capazes de estorvar o locupletamento ilícito do infrator.
O Código de Processo Penal, a partir do art. 125 estabelece as seguintes medidas: o sequestro de bens imóveis, a hipoteca legal e o arresto de imóveis (antigo sequestro prévio).
O sequestro de bens imóveis constitui medida que tem por finalidade a constrição de bens imóveis ou móveis provenientes da infração penal (art.125, CPP). Seria uma espécie de avaria do produto oriundo do crime, que dependeria de fundamentação racional e lógica. No entanto, o objetivo principal dessa medida não é a perda em si do produto, que seria um motivo vago, mas que o infrator não se beneficie da morosidade judicial- que se mostra clara e perceptível na maioria dos casos- para se esvaecer desses bens durante o processo penal, evitando, assim, uma futura confiscação:
“O Código Penal prevê, em seu art.91, II, b, com efeito de toda e qualquer condenação criminal, independentemente de menção expressa na sentença, a perda do produto (vantagem diretamente obtida) ou proveito (bens adquiridos indiretamente com produto) da infração penal. O art.243, parágrafo único, da Constituição Federal dispõe sobre o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico obtido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes. O sequestro cautelar destina-se a evitar que o acusado, aproveitando-se da natural demora na prestação jurisdicional, dissipe esses bens durante o processo criminal, tornando impossível o futuro confisco”. (CAPEZ, 2009, p.448).
O sequestro será cabível tanto na fase inquisitorial quanto na processual, bastando, para a sua decretação, conforme reza o art. 126 do CPP, a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens. Para tanto, necessário se faz a exposição do motivo que levou à aplicação da medida para aquele (s) objeto (s), devendo estar exposto a importância de tal objeto como prova e o alcance que ele terá. Oportunamente, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, em sua obra Curso de Direito Processual Penal, ilustra tal situação trazendo Claus Roxin nas seguintes palavras: “la orden global del secuestro ´de todos los objetos encontrados´ não se compraz ´com el principio del Estado del Derecho”. (ROXIN, apud TAVORA e ALENCAR, 2012, p.341).
Por outro lado, os legitimados, para proferirem a ordem de sequestro, conforme atesta o art.127, do CPP, são o Juiz, “ex officio”, o Ministério Público mediante requerimento, a autoridade policial e, até mesmo, o ofendido. Para impugnar a sentença que conceder ou negar o pedido de sequestro, o recurso de apelação é o meio cabível. Saliente-se, todavia, a necessidade de se respeitar o contraditório. Essa constatação pode-se vislumbrar mediante a garantia de impetração do recurso de embargos com o condão de provar que o bem não foi adquirido com os proventos da infração. Nessa mesma senda, terceiros também podem se valer de tal ação autônoma para demonstrar que a aquisição do bem estava moldada de onerosidade e boa-fé.
Ilustra-se aqui que o sequestro manifesta-se como uma medida extrema e excepcional. Desse modo, para que se possa proferir tal medida, a ação criminal deverá ser intentada em 60 (sessenta) dias contados da data em que for concluída a diligência ou do oferecimento de caução por terceiro, que assegurará o ressarcimento dos danos decorrentes da prática delituosa. Da mesma forma, o instituto poderá ser levantado em caso de sentença absolutória ou extintiva da punibilidade.
Noutro giro, subsistindo indícios suficientes quanto à materialidade e a autoria, é possível a incidência da segunda medida assecuratória, a hipoteca legal, em qualquer fase do processo, sobre os bens imóveis do indiciado ou acusado. Possuindo um caráter protetivo, tal instituto visa assegurar indenização ao ofendido em razão da prática delitiva sofrida. Ademais, destina-se ainda ao pagamento das custas e das despesas processuais.
Percebe-se que a hipoteca ao ser prevista em lei, autoriza a parte interessada a requerer a sua especialização, ou seja, identificar sobre quais bens do indiciado/acusado deverá incidir a medida, não dependendo, assim, do deferimento ou não do magistrado. Seu papel será o deferimento da especialização e ulterior inscrição no Registro de Imóveis.
Oportuno ainda destacar que ao ser caracterizada como um direito real de garantia, assegurando uma obrigação de cunho patrimonial, a hipoteca não permite a transferência da posse do bem para o ofendido. Mais uma vez, o que se pleiteia, é apenas assegurar ao ofendido ou aos seus herdeiros, o pagamento dos prejuízos causados pelo delito e pelas despesas judiciais. Desse modo, se o ofendido requereu e obteve, através do meio cível, medida que lhe certifique da reparação do dano, não há razões para a solicitação da hipoteca.
Sendo a inscrição da hipoteca legal levada a efeito perante o Registro de Imóveis, e não havendo seu cancelamento por circunstâncias diversas, tais como extinção da punibilidade, o procedimento incidental conservará detido até que transite em julgado a decisão referente ao processo penal a que responde o acusado.
“De acordo com o art. 143 do CPP, passando em julgado sentença condenatória, que funciona como título executivo judicial (CPC, art. 475-N, II), os autos da hipoteca devem ser encaminhados e distribuídos a uma vara cível, aguardando-se as providências do ofendido. Reside aqui mais uma diferença entre o sequestro e a inscrição da hipoteca legal. Com efeito, enquanto todo o procedimento referente ao sequestro se dá perante o Juízo penal (CPP, art. 133), a inscrição da hipoteca legal tem início perante o Juízo criminal, mas se encerra no Juízo Cível, nos termos do art.143 do CPP.” (LIMA, 2013. p. 1137).
Por outro lado, verifica-se a possibilidade, não remota, do processo de especialização e registro da hipoteca se estender temporalmente. Desse modo é que o art. 136 do CPP, visando oferecer maiores garantias ao Ministério Público e ao ofendido, permite o arresto sobre os bens passíveis de hipoteca. Percebe-se que, conquanto tenha o mencionado dispositivo utilizado de forma equivocada o termo “sequestro”, sua real conotação se refere a arresto. Isso porque ambos se distinguem no tocante ao campo de incidência. Enquanto o sequestro visa à apreensão de bens provenientes do ilícito, o arresto propende a quaisquer bens imóveis do réu, desde que suficientes para o cumprimento da responsabilidade civil.
Sendo assim é que, diante do deferimento da petição de arresto pelo juiz, a parte interessada deverá promover o registro e especialização da hipoteca, dentro do prazo de 15 (quinze) dias.
O Estatuto da criança e do adolescente e a lei 12.594/2012 - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (NINASE)
Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, o atendimento penal dispensado aos jovens adquire uma nova roupagem, quedando-se para trás o caráter correcional repressivo que era absorvido pelas antigas normas infanto-juvenis.
O ECA trouxe consigo, dentre outros direitos e garantias, medidas socioeducativas que visam não apenas a responsabilização do adolescente infrator, mas, também, a sua integração à sociedade.
Sobre o tema, vale destacar a fala de Volpi:
“Ao definir o ato infracional em correspondência absoluta com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, o ECA considera o adolescente infrator como categoria jurídica, passando a ser sujeito de direitos estabelecidos na Doutrina da Proteção Integral, inclusive do devido processo legal. Essa conceituação rompe a concepção de adolescente infrator como categoria sociológica vaga implícita no antigo Código de Menores, concepção que, amparando-se numa falsa e eufemística ideologia tutelar (doutrina da situação irregular), aceitava reclusões despidas de todas as garantias que uma medida de tal natureza deve necessariamente incluir e que implicavam uma verdadeira privação de liberdade”. (VOLPI apud ALENCAR, 2013, p. 31).
Por outro lado, em respeito à condição de pessoa em desenvolvimento que detêm as crianças e adolescentes, o estatuto prevê institutos de responsabilização diversos dos apresentados na justiça penal dos adultos.
Apenas para fins de ilustração, cabe mencionar que os artigos 126 a 128 combinados com o artigo 188 do Estatuto da Criança e do Adolescente, possibilitam a exclusão, suspensão ou extinção do processo judicial, através de uma composição amigável do conflito, impedindo, assim, a privação de liberdade.
“Art. 126 Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo.
Art. 188. A remissão, como forma de extinção ou suspensão do processo, poderá ser aplicada em qualquer fase do procedimento, antes da sentença.”
Noutro giro, no ano de 2012 o ordenamento jurídico juvenil pode contar com o surgimento de uma nova Lei que, elaborado por órgãos integrantes do Sistema de Garantias de Direitos, emergiu com o intuito de fortalecer os objetivos visados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, esclarecendo as normas trazidas por este, bem como dirimindo as dúvidas, que por ventura, surgissem diante da sua interpretação.
De outro modo, as constantes exigências feitas no que tange a uma política mais eficiente que pudesse controlar o aumento de atos infracionais também foi um dos motivos ensejadores para a criação da norma legal.
Segundo o disposto no artigo 1º, § 2º, a Lei do Sinase consiste em um conjunto de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo sistemas dos entes federativos bem como a aplicação de planos, políticas e programas específicos de atendimento ao menor em conflito com a lei, a fim de responsabilizá-los para a reparação dos danos oriundos da prática do ato infracional.
Cumpre aqui ilustrar a fundamentação trazida para a aprovação da Lei do Sinase, ainda na condição de Projeto Lei nº 1607/07, página 12, que aduz:
“O processo democrático e estratégico de construção do SINASE concentrou-se especialmente num tema que tem mobilizado a opinião pública, a mídia e diversos segmentos da sociedade brasileira: o que deve ser feito no enfrentamento de situações de violência que envolvem adolescentes enquanto autores de ato infracional ou vítima de violações de direitos no cumprimento de medidas socioeducativas. Por sua natureza reconhecidamente complexa e desafiadora, além da tamanha polêmica que o envolve, nada melhor do que um exame cuidadoso das alternativas necessárias para a abordagem de tal tema sob distintas perspectivas, tal como feito de forma tão competente na formulação da proposta que ora se apresenta.”
Dentre as diversas preocupações que o SINASE propende a solucionar está a questão voltada ao tratamento do menor em conflito com a lei. Cediço é que tanto a Constituição Federal como o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente dispõem que o autor de um ato infracional deverá ser submetido a medidas socioeducativas, levando-se em consideração para a escolha da medida, a gravidade do ato praticado. Para tanto, deve-se reportar para as seguintes medidas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação.
Conquanto tais medidas tenham por objetivo a inserção do jovem na sociedade através de sanções brandas que agucem nele a consciência sobre a prática ilícita, é possível se verificar que as medidas socioeducativas têm sido transformadas em verdadeiras penas privativas de liberdade, sendo incondizentes com o quanto visado pelas normas infanto-juvenis.
Noutro giro, verifica-se diante das práticas estabelecidas dentro do âmbito da Justiça Juvenil que a discricionariedade em se estabelecer as medidas socioeducativas tem sido frequente, acabando por deixar para trás seus objetivos pedagógicos. Ilustra-se:
“Tendo como premissa básica a necessidade de se construir parâmetros objetivos e procedimentos mais justos que evitem ou limitem a discricionariedade, o SINASE reafirma a diretriz do Estatuto sobre a natureza pedagógica da medida socioeducativa. Para tanto, este sistema tem como plataforma inspiradora os acordos internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, em especial a área de direitos da criança e do adolescente.” (Projeto de Lei 1627/07, p.13)
Por outro lado, a Lei do SINASE estabelece que a integração do adolescente com a sociedade, através da proteção dos direitos individuais e sociais, se dará mediante a atuação de entidades de atendimento. Essas entidades poderão ser pessoas jurídicas de Direito Privado como de Direito Público, que manterão a unidade por meio de recursos humanos e materiais.
No tocante a competência pertinente aos entes da federação, a própria Lei 12.594/12 tratou de prevê-la, especificando os mecanismos que deverão ser firmados por estes, com o intuito precípuo de efetivar os programas de atendimento.
Nessa senda, oportuno aqui destacar a importância do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA- criado pela Lei Federal 8.242/91, entidade da União, que tem funções normatizadora e articuladora, tendo como atribuições estipuladas pelo SINASE a inspeção da execução de políticas voltadas às questões pedagógicas, técnicas e administrativas bem como a fiscalização orçamentária da destinação das verbas devidas às práticas de atendimento socioeducativo.
Cumpre aqui destacar que a execução das medidas socioeducativas não poderá deixar de respeitar os princípios dispostos no art. 35 do diploma supracitado:
“Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios: I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto; II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos; III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas; IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida; V - brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 122 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente; VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida; VIII - não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e IX - fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo.Sendo assim, a Lei do Sinase e o ECA revelam-se como meios capazes de propiciar a inserção do adolescente infrator à sociedade, através de sistemas que executem as medidas socioeducativas, por meio de uma arquitetura pedagógica e psicológica.
Ordenamento Jurídico juvenil e a possibilidade de aplicação das medidas assecuratórias
A partir das breves explanações feitas anteriormente, percebe-se que o ordenamento jurídico brasileiro é recheado de legislações que buscam a proteção dos menores em conflito com a lei através de mecanismos capazes de inseri-los na sociedade de forma mais pedagógica e avessas às privações de liberdade.
No entanto, certo é que mecanismos intermediários e imediatos, embora sejam necessários no âmbito da Justiça Juvenil, têm se revelado escasso, de modo que nem sempre se mostra possível obstaculizar a continuação do ato infracional. Se quer dizer com isso que muitas vezes o Poder Judiciário encontra-se numa situação em que se vislumbra a impossibilidade de aplicação de uma medida preventiva que evite a permanência daquele ato infracional e por consequência se propicie o ressarcimento do dano patrimonial, mediante a guarda judicial da coisa.
Em muitos casos em que o ato infracional ocasiona danos patrimoniais a vítima, como por exemplo “em um acidente de carro com lesões leves, o sujeito passivo está muito mais preocupado em receber a reparação do dano patrimonial sofrido do que em ver o agente condenado criminalmente.” (CAPEZ, 2003, p. 356) o Poder Judiciário não encontra alicerce legal para se aplicar uma medida cabível ao caso.
Nessas situações, a aplicação das medidas assecuratórias se mostram relevantes, vez que:
“(...) visam assegurar direitos do ofendido ou dos lesados pelo crime. Essas medidas destinam-se a prevenir possível dano ou prejuízo que, certamente, poderão advir com a demora da solução definitiva da causa ou litígio.” (NOGUEIRA, 1996, p.170-177)
Acontece que, conquanto não exista expressa previsão legal que aponte para a possibilidade de aplicação das medidas assecuratórias ao menor infrator, o art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a possibilidade do menor em conflito com a lei reparar o dano:
Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.
Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.A reparação do dano pode ser aplicada quando a prática do ato infracional resultar danos no patrimônio da vítima. Aqui, em que pese as devidas tutelas ao adolescente infrator, a proteção ao ofendido também se impera, fazendo-se necessário o restabelecimento da relação anterior ao conflito.
Diante da impossibilidade de devolução da coisa, o ressarcimento ocorrerá quando há um acordo entre a vítima e o infrator, através do qual a coisa é substituída por um valor em pecúnia. Nesse caso, é importante que o ressarcimento seja feito através de recursos próprios do adolescente. O acordo terá homologação do juiz e em caso, de não haver fixação do valor, caberá ao mesmo estipulá-lo.
Não sendo possível a devolução da coisa ou seu ressarcimento em pecúnia, caberá à Defensoria Pública e ao Ministério Público estabelecer a medida mais conveniente. Ilustra-se:
“Tem-se que o propósito da medida é fazer com que o adolescente infrator se sinta responsável pelo ato que cometeu e intensifique os cuidados necessários, para não causar prejuízo a outrem. Por isto, há entendimento de que essa medida tem caráter personalíssimo e intransferível, devendo o adolescente ser o responsável exclusivo pela reparação do dano” (LIBERATI, apud ALVES, 2006, p. 58).
O Código Civil, por outro lado, em seus art. 3º, 4º, 180, 186 e 932, disciplinam a reparação do dano causado ao patrimônio, podendo se extrair, ainda, que se o menor infrator tiver idade inferior a 16 (dezesseis) anos, a reparação do dano ocorrerá através dos seus responsáveis. Inobstante, se o adolescente infrator tiver idade entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos a responsabilidade dos responsáveis legais será solidária.
As medidas assecuratórias no âmbito da Justiça Juvenil visam justamente tutelar a aplicação dessa modalidade de medida socioeducativa, quando do ato infracional decorrer danos ao patrimônio da vítima. Essa não é apenas uma medida sancionatória, mas também educativa e reparatória, pois excluirá a pena aflitiva imposta pela chamada Racionalidade Penal Moderna educando de forma consciente o menor, bem como buscará o retorno do status quo ante da vítima, rompido pela prática do ato infracional.
Considerações Finais
Por tudo quanto mencionado, extrai-se que princípios constitucionais como o da efetividade e o da celeridade processual exigem medidas cautelares que visem a obstaculização de frustrações perante a reparação dos prejuízos causados a vítima. Para tanto, a fim de que os interesses do ofendido sejam tutelados, de modo que possa se quedar garantida uma futura reparação dos danos patrimoniais decorrentes da prática ilícita, é que a aplicação das medidas assecuratórias mostra-se imperiosa.
Desse modo, temos o sequestro, consistente na constrição judicial de bens imóveis ou móveis provenientes da infração penal, sendo uma espécie de avaria do produto oriundo do crime.
Após, tem-se a hipoteca, definida como um direito real de garantia, assegurando uma obrigação de cunho patrimonial sobre os bens imóveis do indiciado ou acusado, que por possuir um caráter protetivo, visa assegurar indenização ao ofendido em razão da prática delitiva sofrida.
Por fim, manifesta-se possível ainda a aplicação do arresto que versa sobre a apropriação judicial dos bens móveis do autor da conduta delituosa.
Através do discurso teórico desenvolvido, verifica-se que não obstante a imprevisão de texto normativo no que tange a possibilidade de aplicação de medidas assecuratórias no âmbito da Justiça Juvenil, tal probabilidade revela-se viável.
Fato é que as legislações vigentes, tais como a Lei do Sinase e o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecem mecanismos para a prática de medidas de reparação dos danos patrimoniais causados pelo adolescente infrator à vítima.
Através da análise das medidas assecuratórias, vislumbra-se as suas compatibilizações com o sistema penal infanto-juvenil, dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico.
Por outro lado, percebe-se, no entanto, que possuindo o adolescente idade inferior a 16 (dezesseis) anos, a aplicação das medidas assecuratórias recairia sobre o patrimônio dos responsáveis legais. A idade entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos, no entanto, torna tal responsabilidade solidária, de modo que a reparação poderá ser feita através dos bens pertencentes ao menor infrator.
Sendo assim, revela-se que a aplicação das medidas assecuratórias no âmbito da Justiça Juvenil é possível e seria uma medida mais eficiente e imediata de garantir a reparação dos danos sofridos pelo ofendido.
Notas e Referências:
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BRASIL. Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1990.
BRASIL. Lei nº 12594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional; e altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993, os Decretos-Leis nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de 1946, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. Diário oficial da União, Brasília, DF, 19 jan. 2012.
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Isabela Gonçalves Vieira Arnaldo Carneiro é graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Advogada.
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