A POLÍTICA ANTIMANICOMIAL DO PODER JUDICIÁRIO E AS ALTERAÇÕES DA RESOLUÇÃO 572/24 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ

19/09/2024

Por meio da Resolução n. 487, de 15 de fevereiro de 2023, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ Instituiu a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, estabelecendo procedimentos para o tratamento das pessoas com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial que estejam custodiadas, sejam investigadas, acusadas, rés ou privadas de liberdade, em cumprimento de pena ou de medida de segurança, em prisão domiciliar, em cumprimento de alternativas penais, monitoração eletrônica ou outras medidas em meio aberto, e conferiu diretrizes para assegurar os direitos dessa população.

A Resolução n. 487 cuidou de diversos aspectos relacionados ao tratamento das pessoas com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial inseridas no âmbito da Justiça Criminal, determinando a extinção dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) e a abolição da medida de segurança de internação, como prevista nos moldes atuais.

Efetivamente, a Resolução determinou que, no prazo de até 6 (seis) meses, contados a partir da sua entrada em vigor, a autoridade judicial competente deveria revisar os processos a fim de avaliar a possibilidade de extinção da medida em curso (internação), progressão para tratamento ambulatorial em meio aberto ou transferência para estabelecimento de saúde adequado, estabelecendo também que, também no prazo de 6 (seis) meses contados da sua publicação, a autoridade judicial competente deveria determinará a interdição parcial de estabelecimentos, alas ou instituições congêneres de custódia e tratamento psiquiátrico no Brasil, com proibição de novas internações em suas dependências e, em até 12 (doze) meses a partir da sua entrada em vigor, a interdição total e o fechamento dessas instituições.

Mais recentemente, entretanto, a Resolução n. 572, de 26 de agosto de 2024, trouxe modificações importantes ao texto original da Resolução 487/2023, ajustando os prazos e permitindo maior flexibilidade na implementação dessa nova política. A nova resolução veio como resposta a desafios práticos que surgiram durante a tentativa de aplicação imediata das diretrizes propostas pela resolução anterior, especialmente devido às desigualdades regionais e às condições do sistema de saúde pública.

A nova Resolução 572/2024 reconheceu as dificuldades enfrentadas para cumprir esses prazos em sua totalidade. Agora, a revisão dos processos de medida de segurança deverá ocorrer no prazo de até 9 meses, e a interdição parcial de Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou instituições similares foi estendida para esse mesmo período. A interdição total e o fechamento dessas instituições, anteriormente previstos para ocorrer em 12 meses, foram prorrogados para 15 meses. Além disso, a nova resolução introduziu o artigo 18-A, que permite a prorrogação desses prazos a pedido dos Tribunais, desde que devidamente fundamentados, com base na realidade específica de cada unidade da Federação.

Essa prorrogação não implica, de modo algum, na descontinuidade da implementação da política antimanicomial. Pelo contrário, busca garantir que a transição seja feita de maneira estruturada, respeitando as peculiaridades locais e assegurando que as medidas estabelecidas possam ser realmente efetivadas. Para tanto, foi estabelecido que os Tribunais, ao solicitarem a prorrogação dos prazos, apresentem um plano de ação detalhado, indicando as etapas já concluídas e o cronograma das ações pendentes, de forma a permitir uma análise criteriosa por parte do CNJ.

Outra inovação trazida pela Resolução 572 é a previsão de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida para todos os pacientes ainda internados em HCTPs ou instituições congêneres. Agora, o prazo para a elaboração de Projetos Terapêuticos Singulares (PTS) e a consequente transição para o meio aberto foi estendido para 15 meses, com a obrigatoriedade de apresentação desses planos nos processos judiciais, assegurando a participação de todos os atores institucionais envolvidos.

Vale ressaltar que, ainda que as novas diretrizes tenham aumentado os prazos para a extinção dos HCTPs, o compromisso do Poder Judiciário em erradicar práticas asilares continua firme. A proibição de novas internações em instituições com características asilares permanece, e o CNJ mantém seu papel de fiscalizar a execução dessa política, garantindo que os direitos previstos no artigo 2º da Lei n. 10.216/2001 sejam respeitados.

Entretanto, a implementação da política antimanicomial não se resume a uma mera revisão de prazos. Ela envolve um esforço contínuo de articulação entre diferentes órgãos e instituições. A Resolução 572/2024 reforça a importância da cooperação interinstitucional, destacando a necessidade de criação de comitês estaduais e grupos de trabalho dedicados ao monitoramento da política. Esses comitês deverão acompanhar a desinstitucionalização das pessoas em medida de segurança, propondo fluxos de articulação entre o Judiciário, a Saúde e a Assistência Social, especialmente no contexto das audiências de custódia.

Outro aspecto central da Resolução 572/2024 é a importância atribuída à formação dos profissionais envolvidos na implementação da política antimanicomial. Nesse sentido, a nova norma exige a elaboração de programas de capacitação, visando preparar os profissionais da Justiça, da Saúde e da Segurança Pública para lidar com as complexidades inerentes à nova abordagem de tratamento das pessoas com transtornos mentais em conflito com a lei.

Portanto, as alterações promovidas pela Resolução 572/2024 não apenas ajustam os prazos, mas também reforçam a necessidade de planejamento cuidadoso e cooperação interinstitucional para garantir que as mudanças propostas sejam implementadas de maneira eficaz. A política antimanicomial do Poder Judiciário segue seu curso, agora com maior flexibilidade, mas sem abdicar de seus objetivos principais: a erradicação de práticas asilares e a promoção de um tratamento digno e inclusivo para as pessoas com transtornos mentais e deficiências psicossociais.

Essa ampliação de prazos e a introdução de mecanismos de flexibilização, longe de representar um retrocesso, constituem uma adaptação necessária frente às dificuldades práticas que se impõem. A política antimanicomial, tal como delineada pela Resolução 487/2023 e complementada pela Resolução 572/2024, continua a ser um marco na proteção dos direitos humanos, sendo um instrumento vital para assegurar que as pessoas com transtornos mentais tenham acesso a um tratamento humanizado, pautado no respeito à sua dignidade e autonomia.

 

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