A polêmica remição de pena pela leitura - Por Ricardo Antonio Andreucci

07/12/2017

Muito se tem discutido acerca da admissibilidade de remição de pena pela leitura, hipótese não prevista expressamente pelo art. 126 da Lei n. 7.210/84 – Lei de Execução Penal.

Em vários precedentes jurisprudenciais, o Superior Tribunal de Justiça tem admitido o alargamento das hipóteses de remição previstas na Lei de Execução Penal (que se restringem ao trabalho e ao estudo), em verdadeira analogia “in bonam partem”, tudo visando o “aprimoramento do reeducando” e “propiciar condições para a harmônica integração social do condenado”.

Até mesmo a atividade musical realizada em coral foi admitida para a remição de pena. No REsp 1.666.637-ES, que teve como relator o Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 26.09.2017 (DJe 09.10.2017) a Sexta Turma, por unanimidade, decidiu o seguinte: “O ponto nodal da discussão consiste em analisar se o canto em coral pode ser considerado como trabalho ou estudo para fins de remição da pena. Inicialmente, consigna-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como resultado de uma interpretação analógica ‘in bonam partem’ da norma prevista no art. 126 da LEP, firmou o entendimento de que é possível remir a pena com base em atividades que não estejam expressas no texto legal. Concluiu-se, portanto, que o rol do art. 126 da Lei de Execução Penal não é taxativo, pois não descreve todas as atividades que poderão auxiliar no abreviamento da reprimenda. Aliás, o caput do citado artigo possui uma redação aberta, referindo-se apenas ao estudo e ao trabalho, ficando a cargo do inciso I do primeiro parágrafo a regulação somente no que se refere ao estudo – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional. Na mesma linha, consigna-se que a intenção do legislador ao permitir a remição pelo trabalho ou pelo estudo é incentivar o aprimoramento do reeducando, afastando-o, assim, do ócio e da prática de novos delitos, e, por outro lado, proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado (art. 1º da LEP). Ao fomentar o estudo e o trabalho, pretende-se a inserção do reeducando ao mercado de trabalho, a fim de que ele obtenha o seu próprio sustento, de forma lícita, após o cumprimento de sua pena. Nessa toada, observa-se que o meio musical satisfaz todos esses requisitos, uma vez que além do aprimoramento cultural proporcionado ao apenado, ele promove sua formação profissional nos âmbitos cultural e artístico. A atividade musical realizada pelo reeducando profissionaliza, qualifica e capacita o réu, afastando-o do crime e reintegrando-o na sociedade. No mais, apesar de se encaixar perfeitamente à hipótese de estudo, vê-se, também, que a música já foi regulamentada como profissão pela Lei n. 3.857/1960.”

A remição, como é sabido, é um direito do condenado, e consiste no desconto do tempo de pena privativa de liberdade, cumprido nos regimes fechado e semiaberto, pelo trabalho ou pelo estudo. Constitui um meio de abreviar ou extinguir parte da pena, funcionando, ainda, como estímulo para o preso corrigir-se, abreviando o tempo de cumprimento da pena que tinha que cumprir, de modo a passar ao regime de liberdade condicional ou à liberdade definitiva.

Dispõe o art. 126 da Lei de Execução Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 12.433/2011: “O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou estudo, parte do tempo de execução da pena”.

No caso de trabalho, a contagem do tempo para o fim de remição será feita à razão de um dia de pena por três de trabalho.

Com relação à remição pelo estudo, mesmo antes da alteração do art. 126 da Lei de Execução Penal pela Lei n. 12.433/2011, essa modalidade já vinha sendo admitida pela jurisprudência, em razão dos benefícios trazidos pelo estudo ao processo de recuperação e ressocialização do condenado. Inclusive, a Súmula 341 do Superior Tribunal de Justiça estabelece: “A frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto”.

Nesse sentido, inclusive, o art. 83, § 4.º, da Lei de Execução Penal, com a redação dada pela Lei n. 12.245/10, dispõe que os estabelecimentos penais deverão contar com salas de aulas destinadas a cursos do ensino básico e profissionalizante.

A remição por estudo é contada à razão de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar — atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional —, divididas, no mínimo, em 3 (três) dias. As atividades de estudo referidas poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância, e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados. Inclusive, o tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação.

Com relação especificamente à remição pela leitura, hipótese não prevista no art. 126 da Lei de Execução Penal, a Recomendação nº 44, de 26 de novembro de 2013, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em seu art. 1º, V, assim dispõe:

“Art. 1º. Recomendar aos Tribunais que: (...)

V - estimular, no âmbito das unidades prisionais estaduais e federais, como forma de atividade complementar, a remição pela leitura, notadamente para apenados aos quais não sejam assegurados os direitos ao trabalho, educação e qualificação profissional, nos termos da Lei n. 7.210/84 (LEP - arts. 17, 28, 31, 36 e 41, incisos II, VI e VII), observando-se os seguintes aspectos: (...).”

No mesmo sentido é a Portaria Conjunta nº 276, de 20 de junho de 2012, do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, que, em seu art. 1º, instituiu “no âmbito das Penitenciárias Federais, o Projeto ‘Remição pela Leitura’, em atendimento ao disposto na Lei de Execuções Penais, no que tange à Assistência Educacional aos presos custodiados nas respectivas Penitenciárias Federais.”

Em conclusão, a remição pela leitura é uma realidade que vem sendo admitida pelos Tribunais Superiores e por muitos Juízos de Execução Penal pelo país afora, em louvável preocupação com a ressocialização dos condenados, fazendo com que o Poder Público despenda vultosas quantias para aquisição de livros e obras literárias diversas para guarnecer as bibliotecas dos estabelecimentos prisionais.

Melhor seria, entretanto, que, ao invés de se preocupar somente com a ressocialização do preso pela leitura, houvesse maior preocupação do Poder Público com a socialização, com a educação e com a formação intelectual de crianças e jovens que frequentam a rede pública de ensino, em cujas escolas faltam desde material didático até merenda e cujas bibliotecas, muitas vezes com pouquíssimas obras literárias em seu acervo, somente sobrevivem por meio de doações da comunidade e de entidades sem fins lucrativos.

 

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