Por Alexandre Hardt Bortolotto – 24/06/2017
O título faz alusão à obra de Albert Camus.
Já tive a oportunidade de dizer acerca do livro “O Mito de Sísifo” – do mesmo autor, ocasião na qual procedi uma analogia com a política de prevenção e repressão às drogas[1].
Agora, porém, digo exclusivamente sobre o livro “A Peste”.
Trata-se de uma crônica de acontecimentos ocorridos na cidade de Orã, localizada na costa Argelina, no segundo quarto do século passado.
Inicia a obra dizendo que Orã é uma cidade comum e que "uma forma conveniente de travar conhecimento com uma cidade é procurar saber como se trabalha, como se ama e como se morre. Na nossa pequena cidade, talvez por efeito do clima, tudo se faz ao mesmo tempo, com o mesmo ar frenético e distante. Isto é: aqui, as pessoas se entendiam e se dedicam a criar hábitos. Nossos concidadãos trabalham muito, mas apenas para enriquecer. Interessam-se sobretudo pelo comércio e ocupam-se, em primeiro lugar, segundo a sua própria expressão, de fazer negócios. Naturalmente, apreciam prazeres simples, gostam de mulheres, de cinema e de banhos de mar. Muito sensatamente, porém, reservam os prazeres para os domingos e os sábados à noite, procurando, nos outros dias da semana, ganhar muito dinheiro. (...)"
Pouco mais adiante, temos que “não é necessário, portanto, definir a maneira como se ama entre nós. (...) por falta de tempo e de reflexão, somos obrigados a amar sem saber. O que é mais original na nossa cidade é a dificuldade que se pode ter para morrer. Dificuldade, aliás, não é o termo exato: seria mais certo falar em desconforto. (...) O importante é ressaltar o aspecto banal da cidade e da vida. Mas os dias passam sem dificuldades, desde que se tenha criado hábitos”.
Ocorre que, após destacado o aspecto banal e maquinal da vida, onde as pessoas se dedicam a criar hábitos e não se prestam muito a reflexões acerca da vida e da morte, uma peste assola a pequena cidade e atinge indistintamente suas vítimas – não levando em conta sua condição social, naturalidade, cor, sexo e afins.
Conforme uma das passagens do livro: “se tudo tivesse ficado por aí, os hábitos, sem dúvida, teriam vencido. Mas outros concidadãos nossos, nem sequer porteiro ou pobres, tiveram que seguir o caminho que Michel fora o primeiro a tomar. Foi a partir desse momento que começou o medo e com ele, a reflexão”.
Em exíguo tempo a peste se assola de forma espantosa ocasionando a morte da primeira pessoa, culminando na necessidade gradual de isolamento da cidade. A partir daí percebemos paulatinamente um looping no ponto de vista dos cidadãos acerca da vida e da morte. Passam, doravante, à reflexão!
A morte, agora, integra o ápice de suas preocupações. Aquilo que antes causava certo desconforto agora é prioridade. A morte se avizinha!
Os habitantes de Orã necessitaram ser ameaçados pela iminência da morte para ampliarem seus horizontes sobre o tema.
Por meio desse contato mais próximo com a morte, referidos concidadãos são levados a deixar hábitos de lado e, através da reflexão originada, resgatam valores como o amor, solidariedade, caridade, carinho, afeto e semelhantes.
Voltam eles os olhos e a atenção às pessoas, aos seus vizinhos, a entender e a conhecer aqueles com quem partilham a vida nesta terra.
De certo modo todos nós estamos ameaçados por ela – a morte, contudo raramente nos apercebemos disso com a franqueza que o assunto exige.
A peste tratada no livro de Camus nada mais é, sob minha interpretação, do que a morte em si.
Estamos todos, dia a dia, hora a hora e minuto a minuto sujeitos a sermos vitimados por ela. De supetão; sem aviso prévio.
O livro em tela é um chamado à reflexão.
A maneira segundo a qual o autor aborda os temas vida e morte é magistral e singular, convidando-nos a ampliar nossos pontos de vista sobre a forma com que conduzimos essa espetacular obra-prima – a vida!
À semelhança dos habitantes de Orã, passemos nós a resgatar aqueles valores!
Para arrematar, lanço mão das palavras do próprio Albert Camus: "Chego por fim à morte e ao sentimento que ela nos provoca. (...) Mas é sempre surpreendente o fato de que todo mundo viva como se ninguém 'soubesse'".
Notas e Referências:
[1] http://justificando.cartacapital.com.br/2016/03/31/sisifo-e-a-repressao-as-drogas-pior-do-que-a-falta-de-esperanca-e-insistir-no-retrocesso/
. Alexandre Hardt Bortolotto é advogado criminalista. Bacharel e pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel – Univel e membro suplente do Conselho Comunitário de Segurança de Toledo/PR – CONSEG. .
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