A perseguição à originalidade no Brasil: o caso do professor investigado por curandeirismo ao criar a pílula contra o câncer

19/01/2017

Por Jorge Coutinho Paschoal - 19/01/2017

Quem tem, já teve ou sofre (ou sofreu) com um parente diagnosticado com câncer sabe como pode ser doloroso não só o desenvolvimento dessa terrível doença, mas, sobretudo, o seu tratamento. O câncer, especialmente em alguns casos, pode se mostrar tão agressivo e cruel, a ponto de se colocar o próprio questionamento referente à prática da eutanásia, isto é, quando a pessoa decide morrer, ainda que haja tratamentos eficazes.

São extremamente delicadas essas situações, mormente quando se pede para um parente ou alguém próximo que ministre substância mortífera ou desligue os aparelhos que prolongam a vida, ainda que esta seja viável. Embora seja discutível do ponto de vista religioso, entendo que, em um país laico, decidir morrer com dignidade é um direito (e deve ser debatido).

Não raro, parentes e amigos, em situações como essas, são processados por suposta prática de homicídio (e na modalidade qualificada!), o que apenas demonstra a insensibilidade das autoridades públicas para questões realmente complexas da vida e dos dramas humanos. Eis um lado da questão, que trazem consigo situações tristes relacionadas ao combate ao câncer.

Do outro lado, contudo, há casos em que pacientes em situação já bastante debilitada, em vez de desejarem a morte, querem, como nunca antes em sua vida, continuar a viver. Há casos em que mesmo aquelas pessoas, para as quais já não mais haveria qualquer tipo de esperança, sendo de se cogitar a própria ortotanásia, existe o desejo de viver e tentar a cura.

Pois bem, principalmente para tais hipóteses, justamente nos casos mais extremos da doença, em que o paciente – muitas vezes desenganado - quer tentar o tratamento, foi desenvolvido, em nosso país, de modo pioneiro, um remédio, a princípio, eficaz para - senão curar a doença - ao menos conferir o alívio esperado para situações bastante delicadas, nas quais o câncer acaba causando um grande sofrimento à pessoa.

Trata-se da “pílula contra o câncer”, criada pelo químico Gilberto Chierice, o qual desenvolveu a “fosfoetanolamina sintética”.

Embora não tenha eficácia comprovada, já que o medicamento não passou pelos testes em humanos, não tendo obtido êxito quanto ao registro na Anvisa, mesmo assim acabou sendo desenvolvido, sendo diversos os depoimentos relatando alívio com o seu tratamento. Trata-se de casos de pessoas em estado bastante crítico, em que qualquer tipo de luz no fim do túnel (ou conforto) obtido contra a agressividade da doença representa um indescritível progresso.

Em que pese o exposto, não obstante todos esses relatos, e batalhas pro e contra a distribuição do remédio, o fato é que a Universidade de São Paulo (USP) ingressou com várias medidas contra referido pesquisador, dentre elas, inclusive, no âmbito penal, por suposta prática de curandeirismo.

Inacreditavelmente, o caso chegou a ser investigado pela Polícia, tendo andado muito bem a Justiça ao arquivá-lo, impedindo esta injustiça[1].

Ora, não se trata de uma pessoa sem as credenciais científicas e técnicas para desenvolver um medicamento. Embora não haja, à exaustão, a comprovação da sua eficácia, são inúmeros os casos apontando alívio pelo paciente ou progresso com a descoberta.

Outro ponto (e, a meu ver, é o central): não se trata de (mais) uma criação consistente, por exemplo, em uma “aspirina” ou “medicamento contra gripe”, cujos testes de eficiência podem aguardar meses (quando não anos) para aprovação, podendo entrar na fila dos trâmites burocráticos da Anvisa; estamos falando de um medicamento criado para casos extremos, que tem conferido algum alívio para pacientes de câncer em estado crítico.

Essas pessoas - que não têm mais esperança com tratamentos anteriormente ministrados - não podem esperar e é curioso que justamente um pesquisador, que tenha desenvolvido algo tão inovador entre nós, seja mal visto e tratado como criminoso em nosso país.

Tão absurda chegou a situação que, segundo consta das notícias, outra pessoa, em situação de desespero, ao tratar a sua mãe, acometida com um tumor no útero, chegou a ser presa em flagrante ao “fabricar ilegalmente a fosfoetanolamina sintética nos fundos de casa, em Pomerode, no Vale do Itajaí. Ele conheceu a substância com o pesquisador e conseguiu o remédio para sua mãe, que tinha câncer no útero. Após a melhora dela, ele procurou novamente o pesquisador e ficou cerca de quatro meses aprendendo a ser um químico prático e a sintetizar a substância. Kennedy passou 17 dias preso e foi indiciado por falsificação de medicamento, que é considerado crime contra a saúde pública. Ele responde ao processo em liberdade”[2].

Ainda que a substância não tivesse os efeitos alardeados, com o devido respeito, em situações como essas, encaixa-se qual luva a asserção de que “não pode ser crime esperar um milagre”[3].

O pesquisador, que foi responsável pela criação da pílula, agora trava uma luta para não perder a sua aposentadoria na docência[4].

Em tempos em que vemos funcionários públicos ganhando salários (muito) acima do teto, alguns sendo “punidos” com aposentadorias compulsórias em situações controversas nas quais, no mínimo, se poderia falar de um “malfeito” (para mim um eufemismo), parece incrível que, justamente, o Professor inventor de um remédio que tem conferido, conforme inúmeros relatos, alívio para tratar os tipos de câncer mais agressivos esteja correndo o risco de perder a sua aposentadoria. Talvez isso ajude a explicar, em parte, a situação lamentável do nosso país no ranking científico.


Notas e Referências:

[1] http://www.conjur.com.br/2017-jan-16/processo-envolvendo-autor-pilula-cancer-volta-andar

[2] http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2016/03/usp-denuncia-pesquisador-que-criou-pilula-do-cancer-por-curandeirismo.html

[3] PASCHOAL, Janaina Conceição. Ingerência Indevida. Tese (Livre Docência) apresentada na Faculdade de Direito da USP, 2009.

[4] http://www.conjur.com.br/2017-jan-16/processo-envolvendo-autor-pilula-cancer-volta-andar


jorge-coutinho-paschoal. . Jorge Coutinho Paschoal é Advogado e Mestre em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (USP). . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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