A Participação Privada no Sistema Prisional Brasileiro - Por Luiz Otávio Fontana Baldin

03/11/2016

Por Luiz Otávio Fontana Baldin – 03/11/2016

1 A FALÊNCIA DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Nada poderia ser mais verdadeiro do que a famosa frase de Nelson Mandela: “Se quiseres conhecer a situação socioeconômica do país visite os porões de seus presídios”. O Brasil não foge dessa regra dita pelo eterno presidente da África do Sul, pois tanto as suas prisões quanto à situação socioeconômica do país estão em situações críticas.

Poucos lugares do mundo são tão horripilantes quanto às prisões brasileiras. Embora estejamos no século XXI, o sistema penitenciário assemelha-se muito com as características da época medieval, onde lugares altamente insalubres, sujos e sem nenhum conforto eram a regra.

De acordo com o International Centre for Prison Studies (2014), 622.202 (seiscentos e vinte e dois mil e duzentos e dois) é o número de pessoas que vivem em situações análogas as da época medieval no Brasil, ou seja, que vivem dentro de alguma prisão brasileira. Dessa forma, ocupando a 4ª posição na lista dos países com a maior população carcerária do mundo. Porém, importante ressaltar que em números relativos (número de habitantes dividido pelo número de encarcerados), o Brasil ocupa apenas a 30ª posição dessa lista.

O estudo mais completo sobre o sistema penitenciário brasileiro é a Comissão de Inquérito Parlamentar Sistema Carcerário publicado no ano de 2009, este estudo descreveu da seguinte forma a precária situação dos encarcerados brasileiros:

Nas unidades prisionais diligenciadas, constatou-se que os estados não fornecem uniformes, colchões, lençóis ou cobertores – que, na verdade, são fornecidos pelas famílias. De igual forma, os estados não fornecem material de higiene, que igualmente são levados pelos familiares ou comprados nas mercearias das cadeias a preços superfaturados.

Os estabelecimentos são escuros em razão de economia de energia elétrica. As celas e outros espaços de uso dos presos mais parecem masmorras, pelo estado de sujeira e pelo mau cheiro. A falta de água é frequente em várias unidades e racionada em outros. Como racionamento, é distribuído um limite de 6 litros por cela ao dia. Essas celas são ocupadas, em média, por trinta homens. No verão, a temperatura chega aos 35 graus. Os banhos são com água sem aquecimento, para a economia de energia elétrica. Em geral, os estabelecimentos são insalubres, sem a mínima condição de abrigar seres humanos.

A assistência jurídica é ignorada. No quesito alimentação, a qualidade e a variedade são de classificação crítica. As porções, por vezes, ação parlamentar 365 CPI do Sistema Carcerário são servidas até em sacos plásticos, constituídas de um pouco de verdura, feijão, pedaço de carne e arroz de terceira categoria (BRASIL, 2009, p. 364).

Em outra oportunidade, o relator da CPI, o Deputado Domingos Dutra, em entrevista para o site de notícias UOL, resumiu as principais deficiências das prisões brasileiras:

O sistema está realmente falido? Não diria que está falido, o qualifico como caótico. Essa caracterização é pública, pelos mais diversos motins e rebeliões ocorridos no ultimo ano e pelo que a CPI constatou. O caos pode ser medido pela superlotação criminosa, pela existência de um número muito grande de presos provisórios, pela deficiência da assistência jurídica e pela quase inexistência de ressocialização. Se expressa na falta de ocupação, 80% não trabalham e 82% não estudam, e também na falta de assistência médica no interior do presídio. Presos com doenças que vão de tuberculose ao HIV estão sem cuidados em ambientes insalubres. Finalmente, encontramos tortura psicológica e física em quase todos os estabelecimentos visitados (ALVES, 2008, p. 1).

O Professor da Universidade de Berkeley, Loïc Wacquant (2001, p.11), em seu livro “As Prisões da Miséria”, retratou da seguinte forma as condições dos encarcerados brasileiros:

O sistema penitenciário brasileiro acumula, com efeito, as taras das piores jaulas do Terceiro Mundo, mas levadas a uma escala digna do Primeiro Mundo, por sua dimensão e pela indiferença estudada dos políticos e do público: entupimento estarrecedor dos estabelecimentos, o que se traduz por condições de vida e de higiene abomináveis, caracterizadas pela falta de espaço, ar, luz e alimentação (nos distritos policiais, os detentos, frequentemente inocentes, são empilhados, meses e até anos a fio em completa ilegalidade, até oito em celas concebidas para uma única pessoa, como na Casa de Detenção de São Paulo, onde são reconhecidos pelo aspecto raquítico e tez amarelada, o que lhes vale o apelido de "amarelos"); negação de acesso à assistência jurídica e aos cuidados elementares de saúde, cujo resultado é a aceleração dramática da difusão da tuberculose e do vírus HIV entre as classes populares; violência pandêmica entre detentos, sob forma de maus-tratos, extorsões, sovas, estupros e assassinatos, em razão da superlotação superacentuada, [...].

Além da péssima infraestrutura proporcionada aos presos brasileiros, ainda há o terrível problema do déficit de vagas nas prisões. Conforme informações novamente do International Centre for Prison Studies, o Brasil tem capacidade para apenas 371.884 (trezentos e setenta e um e oitocentos e oitenta e quatro mil) presos, ou seja, está com uma ocupação de 57,2% acima da sua capacidade.

O problema da superlotação não é um problema recente, pelo contrário, é um problema antigo, em 1998 a organização mundial de defesa dos Direitos Humanos Human Right Watch em seu relatório chamado “O Brasil Atrás das Grades” (Behind Bars in Brazil), relatou que

Embora as condições variem significativamente de um Estado para outro, e de uma instituição para outra, as condições carcerárias no Brasil são normalmente assustadoras. Vários estabelecimentos prisionais mantêm entre duas e cinco vezes mais presos do que suas capacidades comportam. Em alguns estabelecimentos, a superlotação atingiu níveis desumanos com detentos amontoados em pequenas multidões. As celas lotadas e os dormitórios desses lugares mostram como os presos se amarram pelas grades para atenuar a demanda por espaço no chão ou são forçados a dormir em cima de buracos de esgoto (HUMANS,1998, p.01)[1].

Diante dessas informações, não restam dúvidas da falência do modelo prisional brasileiro, bem como da necessidade de se repensar novas formas de lidar com essa delicada situação, haja vista que essa falência do sistema abrange também o objeto ressocializador da pena privativa de liberdade, visto que grande parte das críticas e questionamento que fazem à prisão refere-se à impossibilidade – absoluta ou relativa - de obter algum efeito positivo sobre o apenado.

2 A INEFICÁCIA DA LEI BRASILEIRA

O que não faltam são dispositivos legais e supralegais que visam garantir direitos aos apenados brasileiros e limitar o poder estatal sobre esses indivíduos.

A Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XLIX, estabelece que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. No inciso III do mesmo artigo consta, ainda, a garantia de que “Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

Além do mais, a Lei de Execuções Penais (LEP), em seu artigo 3º determina que “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”.

Ainda há dispositivos supralegais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) e o Tratamento de Prisioneiros da ONU (1957) que estabelecem tratamentos mínimos que o preso deve receber por parte do poder estatal.

Porém, nenhum desses dispositivos jurídicos retrata tão bem a letra morta da lei quanto a Lei de Execuções Penais. Pois, em seu artigo 11 prescreve um rol de assistências em que o preso tem direito, mas não são fornecidas de forma minimamente humana: I - material; II - à saúde; III - jurídica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa.

O que se percebe no sistema prisional brasileiro, conforme já dito alhures, são enormes deficiências por parte do Estado em fornecer serviços de qualidade aos presos, demonstrando a enorme disparidade entre o ideal normativo e a realidade prática na execução penal.

Para tentar corrigir essa grave falha do estado em prestar um serviço de qualidade aos presos, deve-se procurar novas formas de gerência e administração prisional, independentemente de ideologia, e nesse passo, o jurista Fernando Capez (apud SANTOS, 2011, p. 1) acerca da possibilidade da privatização dos presídios brasileiros afirma:

É melhor que esse lixo que existe hoje. Nós temos depósitos humanos, escolas de crime, fábrica de rebeliões. O estado não tem recursos para gerir, para construir os presídios. A privatização deve ser enfrentada não do ponto de vista ideológico ou jurídico, se sou a favor ou contra. Tem que ser enfrentada como uma necessidade absolutamente insuperável. Ou privatizamos os presídios; aumentamos o número de presídios; melhoramos as condições de vida e da readaptação social do preso sem necessidade do investimento do Estado, ou vamos continuar assistindo essas cenas que envergonham nossa nação perante o mundo. Portanto, a privatização não é a questão de escolha, mas uma necessidade indiscutível, é um fato.

Destarte, não há mais tempo para os estudiosos do direito ficarem debatendo no campo teórico ou jurídico acerca de alternativas de gestão prisional. Está na hora encararem o caos que assola a realidade, para então, perceberem que se necessita urgentemente adotar medidas mais eficientes de gestão prisional, mesmo que seja necessário irem de encontro com seus princípios ideológicos.

3 A EVOLUÇÃO DO MODELO PRISIONAL BRASILEIRO

A história do sistema carcerário brasileiro teve o seu marco inicial no ano de 1769, quando foi criada a primeira prisão brasileira, a Casa de Correção do Rio de Janeiro.

Desde a criação da Casa de Correição do Rio de Janeiro até o ano de 1999, vigorou exclusivamente o modelo de gestão prisional estatal, ou seja, aquele em que o Estado tem a tarefa de construir, gerenciar, organizar, fiscalizar o sistema carcerário.

Contudo, como já demonstrado alhures, o Estado falhou em sua função de proporcionar ao preso uma estrutura de cumprimento de pena que fosse compatível com o princípio universal da dignidade humana.

Portanto, o próprio Estado para tentar salvar o falido sistema carcerário, reconhecendo a sua incapacidade e ineficiência de alocar recursos escassos, optou por conceder a iniciativa privada algum poder na gestão prisional.

Esse novo modelo, ainda pouco implementado no Brasil, é chamado de terceirização ou cogestão dos serviços penitenciários. Essa ideia de cogestão entre o setor privado e público é oriunda do modelo prisional francês.

O modelo prisional francês estabelece que o Estado permaneça junto à iniciativa privada, numa cogestão. O administrador privado vai gerir os serviços basicamente de alimentação, segurança, vestimenta, higiene, lazer, enquanto o Estado administra a pena, cuidando do homem sob o aspecto jurídico, punindo‐o em caso de faltas ou premiando‐o quando merecer, além de que a remuneração do empreendedor privado deve ser suportada exclusivamente pelo Estado, jamais pelo preso, que deve trabalhar e, com os recursos recebidos, ressarcir prejuízos causados pelo seu crime, assistir a sua família e poupar para quando for libertado (D’URSO, 2002).

Nesse sentido, Luma Melo Henrique da Silva e Simone Jorge de Souza Tavares (2014, p. 147) complementam a explicação sobre o modelo prisional francês:

Ao Estado cabe a responsabilidade pela segurança interna e externa da prisão, a indicação do diretor geral do estabelecimento e seu relacionamento com o juízo da execução penal. Já à iniciativa privada compete a organização do trabalho, da educação, do lazer, da alimentação, fornecimento de vestimentas e demais serviços relacionados ao preso, ou seja, os serviços de hotelaria. A empresa contratada receberá uma quantia por preso/dia em decorrência da prestação desses serviços.

O advogado criminalista e Doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, Luiz Flávio Borges D’Urso (2002, p. 01) alertou para as vantagens desse modelo:

No início, o custo do preso no sistema terceirizado era de aproximadamente 2 000 reais por mês. Hoje já baixou para 1 200 reais, englobando toda a assistência ao preso. Já no sistema estatal, é de cerca de 800 reais, sem qualquer assistência ou possibilidade de recuperação. O mesmo valor, investido no sistema estatal, não resolveria? Penso que não, pois o sistema estatal apresenta problemas estruturais intransponíveis, que jamais serão sanados a ponto de se ter o cumprimento integral da Lei de Execuções Penais, com a efetiva possibilidade de recuperação do preso.

O preso deve apenas perder sua liberdade e nada mais. Todas as atrocidades e humilhações sofridas por ele são de responsabilidade do Estado e têm de ser evitadas. As unidades prisionais privadas podem preservar a dignidade do preso, de modo especial se estivermos tratando do provisório, que ainda não foi julgado e que pode ser absolvido. Quem lhe restituirá o que perdeu na cadeia, a dignidade que lhe foi aniquilada?

Esse modelo elogiado por D’Urso foi implementado no Brasil, em 12 de novembro de 1999, quando foi inaugurada a Prisão Industrial de Guarapuava (PIG) no Paraná, a primeira experiência de administração prisional com relevante participação da iniciativa privada. O estado paranaense percebeu o sucesso da PIG, e expandiu o modelo de cogestão para outros estabelecimentos prisionais do estado. Chegando à época a ter 29,2% da população carcerária cumprindo pena em estabelecimentos prisionais terceirizados (OSTERMANN, 2010).

A respeito das experiências no Paraná e também as que ocorreram no Ceará, afirma o consagrado Doutor Luiz Flávio Gomes (apud OSTERMANN, 2010, p. 15):

[...] temos duas experiências no país de terceirização, terceirizou-se apenas alguns setores, algumas tarefas. Essas experiências foram no Paraná e no Ceará, experiências muito positivas. Terceirizaram os serviços de segurança, alimentação, trabalho, etc. Há uma empresa cuidando da alimentação de todos, dando trabalho e remunerando nesses presídios, que possuem cerca de 250 presos cada um. O preso está se sentindo mais humano, está fazendo pecúlio, mandando para a família e então está se sentindo útil, humano. Óbvio que este é o caminho. Sou favorável à terceirização dos presídios.

Além do mais, em 2010, Sandro Cabral, Doutor em Administração pela UFBA e Sergio G. Lazzarini, Doutor em Administração pela Washington University, realizaram o estudo denominado Impactos da Participação Privada no Sistema Prisional: Evidências a partir da Terceirização de Prisões no Paraná, com intuito de comparar através dados empíricos a qualidade e o custo operacional dos estabelecimentos prisionais terceirizados e dos estabelecimentos estatais do estado do Paraná.

A conclusão em que os pesquisadores chegaram foi de que

Das análises acima, apreende-se que, no setor prisional, as modalidades de provisão com a participação de empresas privadas apresentam indicadores de desempenho, em termos de custos e qualidade, superiores em relação às formas tradicionais de provisão do serviço, com exceção dos serviços de assistência jurídica, nos quais não há diferenças significativas entre as duas estruturas de governança, naturalmente considerando os limites do caso estudado. Os resultados, portanto, não apoiam a previsão do modelo de Hart et al. (1997) de que, apesar de apresentarem menores custos, unidades prisionais com participação privada apresentariam também queda nos indicadores de qualidade. (CABRAL; LAZZARINI, 2010, p. 13).

O sucesso das terceirizações dos estabelecimentos prisionais do estado do Paraná foi tão evidente, que outros estados da federação acabaram copiando o mesmo modelo de cogestão, entre eles o estado de Santa Catarina, Ceará, Minas Gerais, Bahia, Amazonas e Espírito Santo.

3.1 Privatização Prisional em Santa Catarina

Em Santa Catarina, o primeiro estabelecimento a ser gerido pelo modelo de cogestão, foi a Penitenciária de Joinville. Construída em 2005 pelo governo do estado, mas administrada pela iniciativa privada, no caso a empresa Montesinos foi a vencedora da licitação.

A experiência com o modelo de cogestão na Penitenciária de Joinville foi tão positiva, que levou o governo catarinense a criar mais quatro unidades semelhantes.

Essa positiva experiência fica claramente demonstrada na reportagem do jornalista José Fucs (2014, p. 01) da Revista Época:

A Penitenciária Industrial Jucemar Cesconetto, em Joinville, Santa Catarina, parece a prisão dos sonhos de qualquer detento. Conhecida como “creche”, “spa” e “colônia de férias” entre os criminosos, ela se destaca pelo tratamento humano e pela perspectiva de reintegração social que oferece, por meio da educação e do trabalho. Segundo o diretor da penitenciária, Richard Harrison Chagas dos Santos, um sargento da PM no cargo desde 2007, chegam cinco ou seis cartas por semana de presos de outras regiões de Santa Catarina e até de outros Estados pedindo remoção para Joinville. Em dezembro passado, três presos chegaram a manter dois agentes como reféns por mais de dez horas na prisão de Piraquara, no Paraná, para reivindicar a transferência para Joinville, cidade natal do trio – e conseguiram. “Até que, para prisão, não é ruim, não”, disse a ÉPOCA o preso Hercílio Natalício Borges, o Cachimbo, de 55 anos. Condenado a 20 anos por tráfico de drogas, dos quais já cumpriu cinco, ele já passou por várias outras prisões. “Aqui não é três, é cinco estrelas. É difícil achar outra prisão igual a esta.”

As outras quatro prisões sob o sistema de cogestão no estado de Santa Catarina são o Presídio de Lages, Presídio de Tubarão, Presídio de Itajaí e a Penitenciária de Joinville.

Em 2015 foi concluída e publicada a Auditoria Operacional no Sistema Prisional do Estado de Santa Catarina, realizada pelo Tribunal de Contas do Estado, dentre as várias conclusões obtidas, a enorme disparidade entre o modelo de cogestão prisional e o modelo puramente estatal é ser um dos maiores objetos de preocupação, fato que não pode ser aceito com normalidade.

Os estabelecimentos prisionais terceirizados, além de fornecerem melhor infraestrutura e condição de segurança, oferecem um maior número oportunidades de trabalho e educação aos apenados, locais específicos para visitas íntimas, com lençol, toalha, sabonete e preservativo.

Já nas unidades de gestão estatal, a equipe do Tribunal de Contas do Estado averiguou péssimas condições de manutenção, falta de segurança, de uniformes e de disponibilização de materiais de higiene. Os auditores também apuraram que os reeducandos dependem da ajuda da família para conseguirem itens de higienização pessoal.

3.2 Complexo Penitenciário Público-Privado de Ribeirão das Neves

Em 2013 o modelo de cogestão prisional deu mais um grande passo dentro do cenário prisional brasileiro. Em Minas Gerais foi inaugurado o Complexo Penitenciário Público-Privado, o primeiro estabelecimento prisional nesse regime no Brasil e sob a égide da Lei Federal nº 11.079/04.

Ao contrário da terceirização, em que a iniciativa privada recebe a prisão a ser administrada, no sistema de Parceria Público-Privada a empresa parceira tem de construir o presídio do zero com recursos próprios ou financiados.

Restando ainda como funções e atribuições do ente público a segurança externa da penitenciária, a gestão do complexo e de cada uma das unidades pela coordenação do Diretor Público de Segurança.

O contrato firmado entre o Estado e o consórcio privado fixou um prazo de concessão de 27 anos, até o ano de 2036, podendo ser prorrogável até o limite de 35 anos. Conforme estabelecido no contrato, os dois primeiros anos de concessão foram destinados à construção do empreendimento e os 25 anos restantes para a gestão prisional por parte da concessionária.

Ademais, o projeto prevê a disponibilização de 3.360 vagas prisionais, divididas em cinco unidades prisionais, sendo três para o regime fechado e duas para o regime aberto.

A remuneração do parceiro privado é vinculada aos indicadores de desempenho dos serviços prestados. Esses indicadores abrangem avaliações das atividades de assistência e apoio ao preso, bem como dos padrões de segurança praticados. Dentre os indicadores que foram definidos estão: o número de fugas, o número de rebeliões e/ou motins, o nível educacional dos internos, a proporção dos internos que trabalham, a quantidade e qualidade dos serviços de saúde prestados, a quantidade e qualidade da assistência jurídica e psicológica aos internos.

O Mestre em Gestão Pública pela Universidade Federal de Alfenas, Jeferson Alves dos Santos (2014, p. 96), em sua dissertação de mestrado sobre a Parceria Público-Privada do Complexo Penitenciário da cidade de Ribeirão das Neves concluiu:

Com relação à qualidade dos serviços prestados pelo ente privado, o que se observou foi que grande parte dos indicadores vem sendo devidamente atendida dentro dos padrões estabelecidos no contrato.

Posto isso, levando-se em consideração que o preceituado no contrato vem sendo devidamente cumprido e que o referido contrato e seu caderno de encargos foram também analisados à luz dos preceitos legais para a prestação de serviços carcerários, conclui-se que a prestação dos serviços carcerários por parte do consórcio GPA – Gestores Prisionais S/A, naquilo que lhe compete, também está dentro dos parâmetros legais e de respeito aos direitos humanos. Além do mais, é nítida a diferença do ambiente e da infraestrutura apresentada pelo Complexo Penal objeto do presente estudo se comparada àquela apresentada pelo relatório do CNJ.

Conclui-se, então, que, operacionalmente, a PPP mostrou-se como uma alternativa possível ao gestor público na consecução dos serviços carcerários com relação às suas funções materiais, em resposta à situação atual dos presídios.

A experiência da Parceria Público-Privada no sistema prisional do estado de Minas Gerais ainda é muito recente, porém os resultados já são positivamente surpreendentes.

4 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE A PRIVATIZAÇÃO PRISIONAL

4.1 No Brasil

No Brasil onde a onda de privatizações de presídios é mais recente, ainda não existem muitos estudos comparando os estabelecimentos prisionais privados e públicos, contudo, os que existem demonstram a superioridade dos privados.

O melhor estudo empírico realizado no Brasil comparando os modelos prisionais foi o já citado Impactos da Participação Privada no Sistema Prisional: Evidências a partir da Terceirização de Prisões no Paraná, e, a conclusão foi de que:

As análises aqui empreendidas, nesse setor em que são raros os estudos da área, demonstraram que, além de apresentarem menores custos, as prisões terceirizadas são mais seguras que as prisões operadas na modalidade tradicional. As prisões terceirizadas na nossa amostra apresentam relativamente menor incidência de fugas e mortos, além de proverem mais consultas médicas. As razões para os resultados distintos estão relacionadas aos incentivos a que as operadoras privadas estão submetidas e às suas habilidades para contornar as restrições institucionais, notadamente ligadas ao número de controles administrativos para contratação de pessoal, execução de mecanismos de recompensas e punições e aos procedimentos de compras (MCGAHAN, 2007 apud CABRAL; LAZZARINI, 2010, p. 410).

Por sua vez, a Auditoria Operacional no Sistema Prisional do Estado de Santa Catarina, realizada pelo Tribunal de Contas do Estado, durante inspeções em 11 unidades penais, verificou que em unidades penais administradas por cogestão — empresas contratadas — as condições de estrutura física, segurança, assistência material e de oferta de trabalho e ensino eram melhores.

Além do mais, juristas como Luiz Flávio Gomes (apud OSTERMANN, 2010), Fernando Capez (apud SANTOS, 2011, p. 1), Luiz Flávio Borges D’Urso (2002) são a favor da privatização do sistema penitenciário. D’urso ex-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRAC e ex-presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM, um dos maiores estudiosos sobre sistema penitenciário, afirma:

Não estou dando mero palpite, estudei e continuo a estudar essa modalidade de gerenciamento prisional, observando seus resultados no mundo todo e obtive meu grau de Mestre em Direito Penal pela USP, com a tese da privatização de presídios.

Outro ponto favorável sobre as privatizações das prisões ocorre no que tange os seus funcionários. No sistema estatal de prisões, a burocracia atrapalha muito a seleção de bons funcionários, pois é muito difícil que ocorra uma demissão, assim, os piores dificilmente podem ser mandados embora. Por outro lado, no setor privado, caso o funcionário não mostre qualidade em seu serviço, ele é demitido na hora, pois trará prejuízo para a empresa.

Nesse sentido, a ex-Secretária Nacional de Justiça Elizabeth Sussekind (FERNANDES, 2007, p. 1) afirma que “um agente penitenciário corrupto se for público, no máximo é transferido, se for privado, é demitido na hora”.

4.2 Nos Estados Unidos e na Inglaterra

Nos Estados Unidos[2] há inúmeros estudos que comprovam a maior eficiência das prisões privadas. Alguns dos mais famosos desses estudos é o Well Kept: Comparing Quality of Confinement in Private and Public Prisons, de Charles H. Logan (1992, p. 601) que concluiu:

Este estudo procurou comparar a “qualidade de confinamento” em três prisões: a prisão feminina administrada pelo estado do Novo México, uma versão privada dessa prisão e uma prisão federal feminina. [...]. A prisão privada superou a prisão estadual e federal, na maioria das vezes por margens muito substanciais em quase todos os critérios.

Outro estudo norte-americano que retrata a superioridade das prisões privadas é o Private Prisons: Quality Corrections at a Lower Cost de Adrian Moore (1999, p. 16) que afirma:

Inegavelmente, a chave para a redução dos custos do setor privado é a competição. Para ganhar contratos e mantê-los, a empresa deve ser eficiente. Aumento dos custos, ou cortes que levam à má qualidade, levaria a empresa a não ganhar mais contratos.

O setor privado poupa dinheiro fazendo uma série de coisas de forma diferente de governo. Ademais, o seu sucesso depende de entregar o mesmo produto que o governo, mas a um custo menor, ou um produto melhor a um preço de custo eficaz, assim, eles focam em novas abordagens de gestão, novas técnicas de monitorização e em eficiência administrativa, ou seja, inovação.

Adrian Moore (1999, p. 18) ainda ressalta que a eficiência e a inovação no setor privado não acontecem porque as empresas privadas têm algum pó mágico inalcançável pelo setor público. É apenas por existir a concorrência que se consegue obter essa eficiência e inovação, pois a concorrência pune a ineficiência e a inércia.

Um exemplo de como a concorrência pune as empresas que não fornecem serviços de qualidade, aconteceu no condado de Brazoria no Texas, onde a empresa Capital Correction Resources Inc. que recebia detentos do Estado do Missouri, teve o seu contrato rescindindo em 1997, após o vazamento de um vídeo em que agentes penitenciários agrediam detentos, acarretando em um prejuízo no valor de US$ 1,8 milhão para empresa (GILLESPIE, 1997).

Além desses estudos, há inúmeros outros que defendem a eficiência das prisões privadas. Somente Moore, em seu estudo citado acima, traz uma compilação de 14 estudos de variados Estados norte-americanos que demonstram a superioridade das prisões privadas em relação às prisões estatais, por exemplo: Breaking the Mold: New Ways to Govern Texas de John Sharp; Certification of Correctional Facility Actual Per Diem Costs Pursuant to Section 957.07, Florida Statutes, pela Auditoria Geral do Estado da Florida; Privatization Review: Minimum Security Correctional Facilities, pela Auditoria das Contas Públicas do Kentucky; Texas Correctional Cost Per Day, 1993-94, pela Justiça Criminal do Texas, entre outros (MOORE, 1999, p. 11).

Já na Inglaterra, onde a privatização das prisões está cada vez mais comum, aponta, também, para uma superioridade das prisões privadas e relação às prisões públicas.

O think tank britânico Reform fundado em 2001 para monitorar os gastos públicos do governo britânico, realizou um estudo a partir dos dados fornecidos pelo Ministério da Justiça britânico, que concluiu:

As prisões privadas superam as prisões do setor público quando se compara o custo e a qualidade, proporcionando, assim, melhor custo-benefício para o contribuinte. Além disso, a grande maioria das prisões contratadas têm taxas de reincidência menores do que as prisões do setor público, semelhantes para prisioneiros de longo e de curto prazo (TANNER, 2013, p. 21).

Essa superioridade das prisões privadas em relação às prisões públicas no Brasil, Estados Unidos e Inglaterra, apenas reforçam a teoria sobre a ineficiência do setor público de alocar recursos.

5 OS CONTRAPONTOS ÀS PRINCIPAIS CRÍTICAS CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DAS PRISÕES BRASILEIRAS

5.1 A legalidade da privatização prisional brasileira

Existe um grande embate teórico entre os juristas brasileiros em torno da possibilidade de privatizar, terceirizar as prisões brasileiras. Essa divergência ocorre em saber se dentro do nosso ordenamento jurídico seria possível o Estado delegar as administrações materiais que seriam do Poder Público, como ocorre no modelo francês, à iniciativa privada.

O argumento contrário sustenta que do ponto de vista jurídico, as restrições à privatização do sistema prisional estariam dispostas na legislação brasileira. A interpretação literal da Lei de Execução Penal proíbe que a execução do sistema carcerário seja gerenciada por empresas privadas, bem como a delegação da gestão penitenciária aos particulares (RABELO; VIEGAS; RESENDE, 2015). Esse entendimento de que o gerenciamento dos presídios integraria a função jurisdicional do Estado, tornando-se, assim, impossível a sua descentralização, é defendido por MINHOTO (2000), WACQUANT (2001), TOURINHO (2008) e MOREIRA (2015).

Ocorre que à primeira vista, o termo privatização dos presídios pode dar a ideia de transferência do poder estatal para a iniciativa privada, mas o que se pretende é que as atividades administrativas em sentido estrito permanecem por conta do poder estatal e atividades de execução material seriam atribuídas a iniciativa privada. Ou seja, a comida, a limpeza, as roupas, a chamada hotelaria, a o administrador particular será responsável, já a função jurisdicional, indelegável, permanece nas mãos do Estado que, por meio de seu órgão-juiz, determinará quando o homem poderá ser preso, quanto tempo assim ficará, quando e como ocorrerá a punição e quando o homem poderá sair da cadeia, numa preservação do poder de império do Estado, que é o único legitimado para o uso da força, dentro da observância da lei (D'URSO, 1999, p. 75).

Também neste sentido se posiciona Júlio Fabbrini Mirabete. O consagrado jurista separa as atividades inerentes à execução penal, destacando as atividades administrativas em sentido amplo. Estas podem ser classificadas em duas modalidades: atividades administrativas em sentido estrito (judiciárias) e atividades de execução material. As primeiras são inafastáveis e indelegáveis pelo poder estatal, incumbindo aos órgãos da execução penal. Já no que tange às atividades de execução material, poderiam ser atribuídas a entidades privadas (MIRABETE, 1993).

Essa distinção de funções do ente público e do ente privado na administração de uma prisão privada resta claramente obedecida, conforme conclusão de Jeferson Alves dos Santos (2014, p. 93) ao analisar o Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves:

Conforme estabelecido no contrato e que pôde ser verificado in loco, Somente os agentes, que são servidores públicos, podem portar armas de fogo. Constatou-se, ainda, que em cada unidade existe um contingente de servidores públicos responsáveis pela segurança externa do complexo e, caso seja necessário, para a intervenção interna. Outra atividade que é da competência exclusiva do ente público é o transporte dos detentos para fora das unidades penais. Com isso, verifica-se que fica muito clara a divisão de tarefas entre os entes público e privado, cabendo ao segundo apenas a execução de tarefas estritamente operacionais e necessárias ao atendimento das necessidades mínimas e básicas para uma prestação de serviço digna e dentro dos padrões requeridos pelo ordenamento jurídico.

5.2 A busca pelo lucro

Outro argumento dos opositores à privatização das prisões refere-se a moralidade da gestão, uma vez que, o objetivo da iniciativa privada no setor penitenciário será exclusivamente o lucro. Minhoto ainda afirma que essa nova forma de gestão, a prisão acaba se tornando um meio de controle altamente lucrativo das ilegalidades dos perdedores globais (MINHOTO, 2002, p. 136).

Ocorre que o serviço carcerário, como o serviço de saúde e como o serviço de educação, são serviços que estão sujeitos às mesmas leis econômicas de mercado como qualquer outro serviço da sociedade, não importando a sua ideologia política.

O lucro e o sistema de lucros e prejuízos, embora demonizados por muitos, são os melhores mecanismos que a sociedade tem para alocação recursos escassos. Os sinais emitidos pelos lucros e prejuízos atendem a uma insubstituível função econômica.  A lucratividade serve como uma força motivadora, mas também — e ainda mais importante — sinalizam um trabalho bem-feito.

Ademais, a busca pelo lucro é a base de um contínuo processo de inovação, no qual são constantemente introduzidos novos e melhores produtos e novos e menos custosos métodos de produção (REISMAN, 2015).

Dessa forma, se os criminólogos estão realmente preocupados em defender uma melhoria na qualidade de vida dos encarcerados, eles deveriam ser os primeiros a lutarem por um sistema de gestão que funciona sob o mecanismo de lucros e prejuízos.

5.3 O problema com o lobby na condução da política criminal

O único argumento contra a privatização do sistema penitenciário que pode, de fato, refletir para pior na vida do encarcerado, é o de que “os interesses privados das companhias passem a influir crescentemente na definição dos termos e na condução da política criminal” (MINHOTO, 2000, p. 89).

Ou seja, o interesse das empresas privadas é exclusivamente o lucro, quanto mais preso melhor. Assim, haveria o incentivo para que as empresas interessadas fizessem lobby para que mais prisões fossem construídas, bem como para que as penas se tornassem mais rígidas e um maior número de condutas fossem criminalizadas.

Esse é o único argumento com um viés utilitarista, que é o que realmente importa para o preso. Pois, o embate sobre a legalidade da privatização das prisões é apenas um embate teórico, sem ter relevância para uma melhoria do sistema prisional, bem como o argumento de que seria imoral empresas lucrarem com o sistema prisional não passa de uma questão ideológica, novamente não pensando no que, de fato, é o melhor para o preso.

A Teoria da Captura (STIGLER, 1971) trata bem a questão do lobby, que ocorrerá por grupos privados perante o poder público para beneficiá-los em detrimento dos interesses coletivos. Contudo, essa é uma crítica não ao sistema penitenciário privado per si, mas da forma como a política brasileira é estruturada.

Nesse sentido, o jurista Fábio Ostermann (2010, p. 19) explica:

Ocorre que tal argumento não é, na verdade, uma crítica à participação de empresas privadas na gestão prisional, mas sim uma boa justificativa para reformas no nosso atual sistema político, dentro qual grupos de interesses especiais (sindicatos, entidades empresariais, “movimentos sociais” etc) se locupletam da res publica em nome de ganhos privados. Se faz necessária a existência de mecanismos de controle e transparência que facilitem o acesso às informações referentes aos negócios de interesse público e aos seus agentes, para que possa, de fato, existir um controle público sobre a classe política

Além do mais, importante salientar que nos Estados Unidos, onde o mercado correcional gera bilhões de dólares por ano, o que vem acontecendo contradiz os que afirmam que o lobby das empresas privadas de gerenciamento de prisões irá sempre influenciar as políticas criminais do país.

Pois, de acordo o International Centre for Prison Studies, desde o ano de 2008, quando o número de presos nos Estados Unidos chegou a incrível marca de 2.307.504 (dois milhões, trezentos e sete mil e quinta e quatro), a população carcerária americana tem sido reduzida ano após ano, tendo chegado a 2.217.947 (dois milhões, duzentos e dezessete e novecentos e quarenta e sete mil) o número de presos em 2014.

Outro fato que contradiz os que afirmam que o lobby irá influenciar as políticas criminais são os acontecimentos ocorridos nos Estados Unidos acerca da política contra o uso da cannabis (maconha).

Embora, a guerra contra as drogas seja o principal vetor para o encarceramento em massa americano, cada vez mais os estados americanos estão aprovando leis que descriminam o porte de cannabis, que permitam a cannabis para o uso medicinal e que legalizam a cannabis para uso recreativo, como fizeram os estados de Washington, Colorado, Alaska e Oregon.

Portanto, nos Estados Unidos pode-se afirmar que o lobby das empresas privadas de encarceramento nos últimos anos não vem surtindo muito efeito, uma vez que a política criminal americana vem caminhando para um sistema menos punitivista no que tange a guerra contra as drogas.

6 A BUSCA POR UMA MAIOR RESSOCIALIZAÇÃO E POR UMA MENOR REINCIDÊNCIA

A finalidade da pena privativa de liberdade ao longo dos anos já possuiu diferentes entendimentos. Nesse longo caminho transcorrido, fora atribuída finalidades que visaram a retribuição e a punição, contudo, atualmente, a principal finalidade da pena é a prevenção especial, ou seja, a função de reintegração social ou ressocialização do preso.

Nesse sentido, a função principal do sistema penitenciário é a preocupação em ressocializar os seus encarcerados para evitar que os mesmos voltem a delinquir, e possam, assim, ser reinseridos na sociedade.

Qualquer pessoa que não sofra com problemas de cognição, facilmente consegue perceber que para alcançar-se um maior número de encarcerados ressocializados e um menor número de reincidentes, é necessário que o estabelecimento prisional proporcione um bom ambiente prisional e ferramentas para que o preso consiga, mesmo dentro de uma prisão, ser útil para a sociedade quando for posto em liberdade, como por exemplo, através de cursos profissionalizantes, ensino básico e oportunidades de trabalho dentro da prisão.

Diante do retrato trazido do sistema prisional estatal brasileiro e dos poucos casos de privatização desse sistema, não restam dúvidas de que dentro de um estabelecimento prisional, o qual a iniciativa privada administra e coopera com o setor público, a probabilidade de a pena alcançar a sua finalidade humanística, ou seja, a ressocialização, é muito maior.

Conforme o Juiz de Direito de Santa Catarina, Luiz Fernando Boller (2006), a Penitenciária Industrial de Guarapuava, enquanto era gerida pela iniciativa privada, alcançou um índice de 6% de reincidência, enquanto no restante do País esse índice era de 60%.

No estado de Santa Catarina, a Auditoria Operacional, realizada no sistema carcerário concluiu que o governo não sabe o índice de reincidência das suas unidades prisionais, e recomendou à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania que efetue a medição dos índices de reincidência da população carcerária catarinense nos parâmetros estabelecidos pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen).  A única exceção foi a Penitenciária Industrial de Joinville, administrada por cogestão, que mantinha indicador de reincidência atualizado (BRASIL, 2015).

Diferente do estado de Santa Catarina, nos Estados Unidos e na Inglaterra, onde os estudos sobre o sistema penitenciário está mais evoluído, os bancos de dados de reincidência são sempre atualizados, e as conclusões são nítidas.

De acordo com o think tank Reform, na Inglaterra, referente a sentenciados de longo prazo (12 meses ou mais), 10 de 12 estabelecimentos prisionais privados tiveram índices de reincidências melhores do que os dos estabelecimentos prisionais públicos. E referente a sentenciados de curto prazo (menor do que 12 meses) 7 de 10 estabelecimentos prisionais privados tiveram índices de reincidências melhores do que os dos estabelecimentos prisionais públicos (TANNER, 2013).

Nos Estados Unidos, há diversos estudos demonstrando que os estabelecimentos prisionais privados têm índices de reincidências menores do que os dos estabelecimentos prisionais públicos.

O estudo intitulado de A Comparative Recidivism Analysis of Releasees from Private and Public Prisons, de Lonn Lanza-Kaduce, Karen F. Parker e Charles W. Thomas (1999), comparou a reincidência dos homens postos em liberdade por prisões privadas e aqueles postos em liberdade por prisões públicas no estado da Flórida. A amostra foi composta de 396 encarcerados postos em liberdade entre o período de 01 de junho de 1996 a 30 de setembro de 1996 - metade era de prisões públicas e a outra metade era de prisões privadas. A conclusão após 12 meses a concessão da liberdade a esses presos foi de que apenas 17% dos reclusos de estabelecimentos privados reincidirão ao crime, e que 24% dos reclusos de estabelecimentos públicos reincidirão ao crime (LANZA-KADUCE; PARKER; THOMAS, 1999).

Portanto, para que a finalidade da pena de ressocialização do encarcerado seja alcançada, deve-se permitir cada vez mais a participação da iniciativa privada na administração do sistema penitenciário brasileiro. 

7 CONCLUSÃO

Não há mais como negar a falência do sistema penitenciário brasileiro. O paradigma da gestão estatal das penitenciárias deve ser questionado. É tempo, portanto, de repensar novas formas de atuação face ao problema que assola o sistema.

O sistema de cogestão prisional, conforme apresentado ao longo desse trabalho, demonstrou ser empiricamente superior acerca da qualidade das prisões privadas em relação às prisões estatais no Brasil, Estados Unidos e Inglaterra.

Os três principais argumentos que os criminólogos contrário à privatização do sistema penitenciário se agarram, apenas um deve ser levado a sério, pois o argumento da inconstitucionalidade da participação da iniciativa privada é apenas um argumento teórico, sem grande valor ao encarcerado, e o argumento que vista combater o lucro das empresas de correção é apenas um argumento ideológico. Dessa forma, o único argumento plausível seria de que empresas correcionais fariam lobby na política criminal nacional, mas já demonstrado nesse trabalho, à base empírica norte americana contradiz esse argumento.

Portanto, os juristas garantistas brasileiros que se preocupam com o ambiente prisional que os encarcerados se encontram atualmente, bem como preocupados com o baixo índice de ressocialização dos presos, deveriam levantar a bandeira da privatização do sistema penitenciário, permitindo cada vez mais que a iniciativa privada cooperasse com o setor público, para que, então, fosse possível salvar o falido sistema penitenciário, e alcançar uma qualidade na prestação de serviços carcerários compatível com toda a legislação nacional e internacional de Direitos Humanos.


Notas e Referências:

[1] Tradução do original em inglês: “Although conditions vary significantly from state to state and from institution to institution, conditions of confinement in Brazil are very often appalling. Many penal facilities hold two to five times more inmates than they were designed for. In some facilities, the overcrowding has reached inhuman levels, with inmates jammed together in a tight crowd. The densely packed cells and dormitories in these places offer such sights as prisoners tied to windows to lessen the demand for floor space, and prisoners being forced to sleep on top of hole-inthe-floor toilets.”

[2] Foram adotadas algumas diferentes espécies de participação da iniciativa privada na gestão dos estabelecimentos prisionais nos Estados americanos. A primeira delas foi o arrendamento das prisões, onde a participação do ente privado  se  limita  ao  projeto,  financiamento  e  construção  do  estabelecimento prisional,  não  lhe  cabendo  qualquer  atividade que afeta  à  execução  da  pena  (LUMA; SIMONE, 2014, p. 142).O principal motivo para autorização da iniciativa privada nessa forma de atuação é porque as empresas privadas conseguem construir prisões por um preço  menor  e  em  um  tempo  muito  mais  rápido.  Essas empresas alegam que podem cortar entre 10% e 40%dos  custos  de  construção,  com  30%  sendo  o  mais  comum(MOORE, 1999, p.04).

A segunda espécie com a participação da iniciativa privada que foi adotado pelos americanos é o de contratação de serviços   específicos   com prestadores particulares,  chamado  de  terceirização  ou  cogestão.  Esse modelo é similar  com  o modelo  francês  adotado  pelo  Brasil,  onde o  poder  público terceiriza os  serviços  de alimentação, vestuário, educação, assistência médica, lazer, serviços esses chamados de hotelaria.

Já a terceira espécie ocorre com a utilização da mão-de-obra dos presos por empresas particulares, que constroem campos  de  trabalho  dentro  do  próprio  presídio, são as chamadas prisões industriais.

E por último, a espécie conhecida como modelo americano de privatizações de prisões, ocorre quando é de responsabilidade da companhia privada a edificação, o gerenciamento  e  o  controle  da  unidade  prisional,  não  havendo  nenhuma  participação do    Estado,    nem    mesmo    mediante    a    realização    da    segurança    externa    do estabelecimento  penitenciário, cabendo  ao poder  público apenas  como custos  legis, permitindo,  assim, maior autonomia  ao  ente  privado. Algumas  penitenciárias  norte-americanas adotam esse modelo privatizador, sendo, inclusive, de responsabilidade da iniciativa  privada  à  execução  da  pena  de  morte,  nos  estados  em  que  as  mesmas  são permitidas(LUMA; SIMONE, 2014, p. 142

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luiz-otavio-fontana-baldin. Luiz Otávio Fontana Baldin é Advogado do escritório Ivo Carminati & Advogados Associados, formado pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC) e pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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