A Nova Lei da Terceirização e a Reforma Trabalhista – Por Ricardo Calcini

03/10/2017

Coordenador: Ricardo Calcini

Muito se discute, atualmente, sobre o tema da terceirização, o qual representa, em síntese, uma derivação – em maior escala – da teoria da divisão e especialização do trabalho dentro da empresa, desenvolvida por Adam Smith, na obra “A Riqueza das Nações” (1776).

Com efeito, os estudiosos e a própria Justiça do Trabalho sempre extraíram os fundamentos da terceirização a partir da leitura do artigo 455 da Consolidação das Leis do Trabalho (subempreitada), do artigo 25 da Lei nº 8.987/1995 (regime de concessão e permissão), do artigo 94, II, da Lei nº 9.472/1997 (telecomunicações), da Lei nº 7.102/83 (vigilância bancária), da Lei nº 6.019/1974 (trabalho temporário), e, sobretudo, com respaldo no entendimento da Súmula nº 331 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho.[1]

E com fulcro na Súmula nº 331 do C. TST, sempre se entendeu por terceirização lícita aquela que ocorrer na atividade-meio da tomadora, como, por exemplo, a que se dá nas atividades de vigilância, conservação e limpeza. Já ilícita era a terceirização que ocorrer na atividade-fim da tomadora (heterodição: comando – dependência), ou, ainda, nas hipóteses em que restar configurada a subordinação estrutural do trabalhador com o tomador de serviços.

Acontece, porém, que o legislador aprovou a Lei nº 13.429/2017, trazendo, ao nosso país, um regramento sistematizador do instituto da terceirização. Nota-se que referida norma promoveu alterações aos dispositivos da Lei nº 6.019/1974, que trata sobre o trabalho temporário, passando também a regulamentar, como novidade, as relações de trabalho praticadas pelas empresas de prestação de serviços a terceiros.

Importante salientar que, tradicionalmente, o fenômeno da terceirização sempre foi visto como um instituto que “permite que se transfira a terceiro atividades reconhecidamente genéricas, secundárias, acessórias ou de suporte ao empreendimento, de forma a permitir que a empresa envide esforços e concentre atenção naquelas atividades centrais ou principais vertidas em seu objeto social.”.[2]

No mesmo diapasão, são as palavras do ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Maurício Godinho Delgado, para quem a “terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente, sendo que por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhista, que se preservam fixados com a prestadora de serviços (entidade interveniente).”.[3]

Lado outro, o Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015, que ainda tramita no Senado da República, e que decorre do famigerado Projeto de Lei nº 4.330-C/2004, dispõe, em seu artigo 2º, I, que a terceirização “é a transferência feita pela contratante da execução de parcela de qualquer de suas atividades à contratada para que esta a realize na forma prevista nesta Lei.”. (g.n)

Já a Reforma Trabalhista, aprovada pela Lei nº 13.467/2017, traz um conceito muito mais abrangente sobre a terceirização, ao assim conceituá-la em seu artigo 4º-A: “Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.”. (g.n)

Assim sendo, sem adentrar na eterna polêmica acerca da permissibilidade da terceirização na atividade-fim ou atividade-meio da tomadora, fato é que as citadas legislações aprovadas não autorizaram, em nenhum momento, que se faça uso da terceirização como instrumento de intermediação de mão de obra, até porque essa pactuação é excepcionalmente admitida apenas nas relações de trabalho temporário.

Bem por isso, não há se confundir a intermediação de mão de obra – que, por ser uma exceção, é aceita somente nas relações do trabalho temporário, tanto que nem sequer há se falar em vínculo de emprego do trabalhador com a tomadora (item I da Súmula nº 331 do C. TST) – com a legítima e efetiva terceirização de serviços, viabilizada por uma pessoa jurídica de direito privado a terceiros.

Neste atual cenário, a empresa terceirizada, responsável pela prestação de serviços a terceiros, passou a se dedicar, por força da Lei nº 13.429/2017[4],  à execução de serviços determinados e específicos, os quais, a partir da reforma trabalhista, doravante são direcionados às atividades principais da contratante dentro de uma terceirização reputada como lícita.

E essa licitude da terceirização, repita-se, é aquela na qual não há a presença da pessoalidade e a subordinação direta dos empregados terceirizados para com os representantes legais e/ou prepostos da contratante (item III da Súmula nº 331 do C. TST), sendo certo que o conceito de subordinação estrutural[5], s.m.j., parece ter sido mitigado pela legislação superveniente, em autêntico processo de “overruling”.

Nota-se, pois, que essa é a conclusão se extraí da chancela legislativa da prática de terceirização em quaisquer tipos de atividades, ainda que relativas àquelas entendidas como essenciais, desde que a execução dos serviços ocorra por empresa dita especializada que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.[6]

Entrementes, com o intuito de evitar a chamada “pejotização”, como também a “marchandage” (mercantilização do trabalho humano), o legislador trouxe duas importantes regras que, caso não sejam observadas, acarretarão em nulidades das terceirizações pactuadas após a vigência da reforma trabalhista. E, isso, frise-se, resultará na declaração de vínculos de emprego dos terceirizados diretamente com as empresas contratantes, além da responsabilização solidária de todos que praticaram atos com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos celetistas (artigo 9º da CLT c/c artigos 932 e 942 do Código Civil).

A primeira regra diz respeito ao óbice de se recontratar os trabalhadores que, nos últimos 18 (dezoito) meses, antes da vigência da Lei nº 13.467/2017, tenham prestado serviços à empresa contratante na qualidade de empregados ou autônomos sem vínculo de emprego, exceto se os referidos titulares ou sócios da pessoa jurídica de direito privado contratada estejam aposentados.[7]

Aqui, portanto, a reforma trabalhista buscou reprimir a “pejotização” de trabalhadores que, para continuarem a prestar serviços à empresa contratante, tenham sido “competidos” a se tornarem efetivas “pessoas jurídicas”[8]. Interessante notar que a legislação traz uma presunção de ilegalidade que, s.m.j, pode ser elidida por prova em sentido contrário, a depender a situação do caso em concreto.

De toda sorte, tal prática se, de fato, for efetivamente constatada, acaba por avultar o valor social do trabalho que constitui, a um só tempo: (i) fundamento da República Federativa do Brasil (CRFB, artigo 1º, IV); (ii) alicerce da Ordem Econômica, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e, por um dos seus princípios, a busca do pleno emprego (CRFB, artigo 170, “caput” e VIII); e (iii) base de toda a Ordem Social (CRFB, artigo 193).

Já a segunda regra de transição se refere à proibição de o empregado, cujo contrato de trabalho tenha sido rescindido após vigência da reforma trabalhista, voltar a prestar serviços ao seu então empregador, mas agora na condição de empregado da empresa de prestação de serviços a terceiros, sem que seja observado o transcurso do prazo de 18 (dezoito) meses contados de sua demissão.[9]

Nota-se o legislador, neste caso, se mostrou atento ao fenômeno da mercantilização do trabalho humano, o qual era muito comum já nos primeiros arranjos produtivos do período da Revolução Industrial. Na França, por exemplo, a “marchandage” foi proibida em 1848.

Há de se ter em mente que o preceito de que “o trabalho humano não é mercadoria de comércio” está vinculado a esta preocupação inicial de evitar a intermediação da mão de obra (a “marchandage”). O problema pertinente ao recrutamento da mão de obra foi expressamente referido na constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), inscrita no Tratado de Versalhes, de 1919.

Logo, o labor deve ser visto como meio de colaboração, livre e eficaz, na produção de riquezas, sendo esse valor reafirmado na Declaração da Filadélfia, de 1944, parte anexa da constituição da OIT, organização qualificada como consciência social da humanidade por estabelecer padrões mínimos de trabalho digno e decente.

Decerto, os Tribunais ainda muito discutirão as novas regulamentações relativas à terceirização, atualmente incorporadas ao ordenamento jurídico pátrio, tanto é verdade que já estão pendentes de julgamento, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, ações direitas de inconstitucionalidade questionando a Lei nº 13.429/2017, e que estão sob a relatoria do ministro Gilmar Ferreira Mendes.[10]

De resto, a Corte Superior Trabalhista, mesmo sem adentrar no mérito da Lei nº 13.429/2017, já se posicionou pela inaplicabilidade das novas regras incorporadas à terceirização de serviços para as relações de trabalho regidas e extintas sob a égide da Lei nº 6.019/1974, sob pena de afronta ao direito adquirido do empregado a condições de trabalho mais vantajosas.

Portanto, a mais alta Corte do Judiciário Trabalhista, em recente decisão da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (RR – 900-31.2012.5.18.0003), em voto de relatoria do ministro João Oreste Dalazen, definiu que os contratos de trabalho celebrados e findos antes da entrada em vigor da Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, devem continuar a observar o entendimento jurisprudencial firmado no item I da Súmula nº 331 do C. TST, amparado no antigo teor da Lei nº 6.019/1974, sem que sejam levadas em consideração as alterações promovidas pela Lei nº 13.429/2017.


Notas e Referências:

[1] SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALI-DADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

[2] BARROS, Alice Monteiro deCurso de Direito do Trabalho. 6ª edição – São Paulo. LTr, 2010. p. 452.

[3] DELGADO, Maurício GodinhoCurso de direito do trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 487.

[4] Lei 13.429/2017, Art. 4º-A: “Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.”.

[5] O critério objetivo da subordinação surgiu com a doutrina europeia, em especial com a italiana, e encontrou adeptos no Brasil, como Paulo Emílio Ribeiro Vilhena e Arion Sayão Romita. Recentemente, parte da doutrina e da jurisprudência vem adotando a Subordinação Estrutural, principalmente nos casos de terceirização e trabalho à distância (teletrabalho). Gustavo Filipe Barbosa Garcia explica a subordinação estrutural como um fenômeno inerente à relação de emprego, a qual é reconhecida quando “o empregado desempenha atividades que se encontram integradas à estrutura e à dinâmica organizacional da empresa, ao seu processo produtivo ou às suas atividades essenciais (…)” (GARCIA, Gustavo Filipe BarbosaManual de Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2009. p. 64).

[6] Lei 13.467/2017, Art. 2°: “Art. 4o-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução..

[7] Lei 13.467/2017, Art. 5o-C. “Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4o-A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados.”.

[8] “Trata-se de uma imposição dos empresários destinada a reduzir o custo do trabalho pois, considerando uma escala decrescente, é maior no vínculo de empregatício, seguido pelo autônomo, pelo cooperativado e, por fim pela contratação de serviços prestados por empresa, uma pessoa jurídica prestadora de serviços” (RODRIGUES, Rodrigo Cândido. A pejotização da pessoa física, através da figura do microempresário individuais: competência para julgamento. In Revista Trabalhista Direito e Processo, ano 10, n. 39, 2011, p. 188).

[9] Lei 13.467/2017, Art. 5o-D. “O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado.”.

[10] ADIn 5.735, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República; ADIn 5.695, ajuizada pelas Confederações Nacionais dos Trabalhadores da Indústria Química e dos Trabalhadores na Indústria Têxtil e de Vestuário; ADIn 5.685, ajuizada pela Rede Sustentabilidade; ADIn 5.686, protocolada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais; e ADIn 5.687, de autoria do PT e do PCdoB.

 


Imagem Ilustrativa do Post: Grinder // Foto de: Cowboy in the Jungle // Sem alterações

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