Por Samira Schultz Mansur – 22/03/2017
A Neurociência mostrou que todo estado mental, seja ele proveniente de pensamentos ou sentimentos, possui uma representação física no cérebro. Este órgão é composto por circuitos neuronais interconectados resultantes de ligações genéticas, do aprendizado e de experiências, permitindo a interação do ser humano com o ambiente cultural e social em que vive. Ademais, desta ciência sabemos que o cérebro é capaz de adaptar-se de acordo com o meio em que cresce e se desenvolve, seja estabelecendo conexões compatíveis com as novas habilidades, seja otimizando as existentes, a fim de alcançar funções mais complexas. Ocorre que este fato talvez pareça lógico quando se trata especialmente da primeira infância, a qual se julga estender até cerca de 7 anos de idade, porém, verifica-se enquanto houver a possibilidade de aprendizado, seja ele em quaisquer etapas da vida.
Em situações de estresse, suficientes para atingir rotineiramente o indivíduo, observa-se uma alteração no estado mental - de pensamentos e sentimentos - capazes de, conforme a intensidade, gerar modificações cerebrais prejudicais à interação com a sociedade e que se traduzem por implicações comportamentais. Além disso, encontra-se prejudicada a produção de novos neurônios, denominada neurogênese, diminuindo a habilidade cerebral em responder a situações desafiadoras (Openak e Gould, 2015). Nesse viés, há que se destacar que em ambientes estressantes não se consegue educar, disciplinar, estudar, socializar e, por conseguinte, alcançar os objetivos do Direito, uma vez que os fatores básicos para socialização apresentam resistência para se desenvolverem.
Estudos de Psicologia e Neurociência demonstram que o aprendizado é intensificado quando professores conferem a seus alunos a possibilidade de fazerem seus próprios julgamentos, enfatizando a importância das ações do indivíduo na sua capacidade de percepção, socialização e compreensão (Glenberg e Gallese, 2012). A execução das tarefas com motivação e proatividade gera a liberação de transmissores químicos no cérebro, responsáveis por aumentar a função executiva do mesmo, bem como o nível de atenção, tornando os aprendizes sujeitos ativos no julgamento (Glenberg e Gallese, 2012).
Elemento fundamental em qualquer processo de julgamento é a empatia, capacidade de ver as coisas a partir do ponto de vista dos outros (empatia cognitiva) e alcançar o sentimento do outro (empatia emocional) (http://emporiododireito.com.br/empatia-no-direito-o-que-e-isso). A empatia tem como substrato físico uma estrutura cerebral chamada de amígdala, entre outros componentes do sistema límbico ou emocional do cérebro. O processo emocional dependente da amígdala encontra-se prejudicado em pessoas diagnosticadas com desordem comportamental (Ortega-Escobar e Alcázar-Corcoles, 2016), não lhes permitindo, por vezes, a identificação e a análise crítica de suas próprias percepções e da compreensão da individualidade alheia. O indivíduo acaba por não ser mais ele mesmo, a personalidade consciente desaparece, o discernimento está ausente, os sentimentos e pensamentos se orientam na direção estabelecida por outrem (Freud, 2016).
À justiça convém não apenas a aplicação do direito preexistente, mas a produção de direito conforme se depara com os singulares casos e suas interpretações (http://emporiododireito.com.br/elemento-subjetivo-da-interpretacao-judicial), as quais devem estar baseadas no contexto político e social vigente. Por conseguinte, a pluralidade de valorações possíveis nos conduz à necessidade de sopesar princípios e perceber os detalhes que ligam os fatos às circunstâncias. Não foi sem razão que já se disse que "sentença" derivava de “sentir" (Calamandrei, 2013).
Ao se deparar com indivíduos que apresentam distúrbios comportamentais que atingem o contexto político e social em que se encontram, transformá-los em elementos ativos no seu processo de recuperação significa oportunizá-los a mudanças a nível cerebral (amígdala) e, por conseguinte, a diferentes atitudes e compreensões. Sendo o comportamento humano susceptível a mudanças, uma forma de efetivá-las é por meio da alteração do ambiente em que se vive, considerando para tanto a atividade multiprofissional entre neurocientistas, psicólogos, antropólogos, assistentes sociais, médicos, operadores do Direito, entre outros.
Interessante assinalar que diferentes países já consideraram evidências neurocientíficas nos procedimentos legais, como relatado na Índia por Maharashtra e Sharma (2008), na Itália por Feresin (2011) e nos Estados Unidos por Miller e Alabama (2012) (Jones e Ginther, 2015). Casos como esses sugerem a tendência de que a Neurociência seja considerada em meio aos procedimentos legais, uma vez que a avaliação da responsabilidade do ofensor, o seu grau de periculosidade e risco de recidiva, podem receber desta ciência novas ferramentas para investigações (Jones e Ginther, 2015; Gkotsi e Gasser, 2016), sem olvidar das limitações presentes em quaisquer técnicas e julgamentos (Gkotsi e Gasser, 2016).
Vale ressaltar que isto não sugere isentá-los das sanções impostas pelo sistema de justiça, mas, ao mesmo tempo em que se impõe a devida pena, possibilitá-los a mudanças biológicas e emocionais que definem seu comportamento. Atribuir importância à análise do cérebro e às alterações estruturais e químicas que ocorrem, a ponto de atingir e compreender a sua realidade e a do outro - empatia - , é um avanço a todas as ciências. A análise estrita do ser humano, desconsiderando as suas diversas facetas e complexidades psicobiológicas, não conduz ao caminho de sua recuperação; pior, prosseguir contrariando a realidade desses casos é renunciar à justiça, oprimindo resposta à integração social dos indivíduos e agravando seu estado comportamental, além de negar homenagem àquilo que moral e juridicamente se estabelece como um dos princípios fundamentais do Direito: a dignidade da pessoa humana.
Notas e Referências:
CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados. 2 ed. São Paulo: Pilares. 2013. 175 p.
FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e análise do eu. Porto Alegre: L&PM Pocket. 2016. 172 p.
GKOTSI, G.M.; GASSER, J. Neuroscience in forensic psychiatry: From responsibility to dangerousness. Ethical and legal implications of using neuroscience for dangerousness assessments. International Journal of Law and Psychiatry. v. 46, p. 58-67, 2016.
GLENBERG, A.M.; GALLESE, V. Action-based language: A theory of language acquisition, comprehension and production. Cortex. v. 48. p. 905-922, 2012.
JONES, O.D.; Ginther, M. Law and Neuroscience. International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences. 2 ed., v. 13. 2015.
OPENDAK, M.; GOULD, E. Adult neurogenesis: a substrate for experience-dependent change. Trends in Cognitive Sciences. v. 19, n. 3, p. 151-161, mar. 2015.
ORTEGA-ESCOBAR, J.; ALCÁZAR-CÓRCOLES, M.A. Neurobiology of agression and violence. Anuario de Psicología Jurídica. v. 26, n. 1. 2016.
. Samira Schultz Mansur é Doutora em Neurociências (UFSC), Professora de Anatomia Humana (UFSC), Mestre em Ciências do Movimento Humano (UDESC), Bacharel em Fisioterapia (UDESC), graduanda em Direito (UNISUL). Acesso para o currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/8728925060560002. .
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