Por Freitas Junior - 23/12/2015
A lei 9.514/97 dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências.
O artigo 22, da referida lei, traz a definição de alienação fiduciária como sendo o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.
Dito de outro modo, “o interessado na compra de um imóvel levantará, na instituição de sua preferência, o empréstimo para pagamento do preço de aquisição e, em garantia, efetuará a alienação fiduciária do imóvel ao credor. ” (CHAVES DE FARIAS, Cristiano. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, Vol. 5, 8ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 579)
A intenção do legislador com a lei 9.514/97 foi desburocratizar a recuperação do crédito pelo fiduciário, uma vez trazer em seu bojo uma proposta de celeridade na execução do bem imóvel dado em garantia, posto que o procedimento em caso de inadimplência se desenvolve integralmente no Cartório Imobiliário, ou seja, extrajudicialmente, sem interferência, a priori, do Judiciário.
O presente texto pretende focar no posicionamento atual do Superior Tribunal de Justiça no tocante à necessidade de intimação pessoal quando do dia, hora e local do leilão extrajudicial de imóvel, sob pena de nulidade, sem discorrer, portanto, sobre a totalidade do procedimento de execução nessa modalidade.
Com efeito, a jurisprudência firme do Superior Tribunal De Justiça adotou a tese de que “o mutuário deve ser intimado pessoalmente acerca da data, hora e local do leilão em sede de execução extrajudicial (DL 70/66), sob pena de nulidade da praça”. (REsp 1115687/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/11/2010, DJe. 02/02/2011)
Numa interpretação restrita da lei 9.514/97 é incontestável que o artigo 26 e parágrafos não fazem referência expressa à necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data, local e hora da realização do leilão extrajudicial.
No entanto, no artigo 39, inciso II, da supracitada lei, extrai-se a claríssima remissão ao decreto nº 70 de 21 de novembro de 1966, como aplicável diretamente ao conjunto normativo ora em comento, não se tratando, nesse ponto, de aplicação subsidiária ou supletiva. Vejamos:
Art. 39. Às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere esta Lei: [...] II - aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966.
Analisando o decreto (70/66), os artigos 29 ao 41 estabelecem o procedimento de leilão extrajudicial nos casos de hipoteca, porém, como se viu, são aplicáveis tais disposições à lei 9.514/97 por força do comando legal de seu artigo 39.
Quanto aos aludidos artigos do decreto 70/66, “a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito se encontra consolidada no sentido da necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial. ” (Recurso Especial Nº 1.447.687 – DF, julgamento em 21 de agosto de 2014)
Essa posição do Superior Tribunal De Justiça teve origem na interpretação do artigo 36, parágrafo único, do decreto 70/66, que possui a seguinte redação:
Considera-se não escrita a cláusula contratual que sob qualquer pretexto preveja condições que subtraiam ao devedor o conhecimento dos públicos leilões de imóvel hipotecado, ou que autorizem sua promoção e realização sem publicidade pelo menos igual à usualmente adotada pelos leiloeiros públicos em sua atividade corrente. (grifo nosso)
Dessa forma, considerando que os dispositivos do decreto têm alcance normativo sobre a lei 9.514/97, e que o artigo 36, parágrafo único, daquele mesmo decreto deve ser interpretado no sentido de prestigiar a publicidade dos atos, “conclui-se pela incidência desse entendimento aos contratos regidos pela lei 9.514/97 (Recurso Especial Nº 1.447.687 – DF, julgamento em 21 de agosto de 2014).
Daí por que a Corte Superior firmou jurisprudência no sentido da necessidade de intimação pessoal do devedor, considerando a imprescindível publicidade que deve permear a concretização do ato de leilão.
E o que se entende, nessas hipóteses, por intimação pessoal? Pensamos que o artigo 26, §3º, da lei federal 9.514/97, a ser observado na oportunidade de cobrança da dívida, deve servir de norte a solução de qualquer embaraço conceitual, de modo que a intimação pessoal se verifica apenas com a assinatura do devedor (ciência) ou envio de notificação pelo correio com aviso de recebimento.
Seguimos. Outro argumento favorável a tal interpretação é aquele segundo o qual a lei 9.514/97 objetiva a consecução do direito social e constitucional à moradia, pelo que a hermenêutica no caso em estudo deve maximizar as chances de o imóvel permanecer com o devedor.
A propósito, o novo modelo constitucional, denominado de neoconstitucionalismo, agrega elementos metodológicos formais — fruto do amadurecimento do processo histórico, que reposicionou a constituição de documento político de baixa imperatividade à norma suprema —, tais quais o reconhecimento da força normativa da Carta Maior, a superioridade desta em relação às normas infraconstitucionais, e, por fim, a compreensão e interpretação do ordenamento jurídico a partir do que dispõe o corpo normativo da Lei Suprema, conforme disserta Ana Paulla De Barcelos, no artigo intitulado “Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e Controle das Políticas Públicas” (Revista Diálogo Jurídico, nº 15, 2007).
Lembra Luiz Edson Fachin (Direito Civil: sentidos, transformações e fim. Rio de Janeiro: Renovar, 2015, p. 51) que o efeito da constitucionalização do direito civil trouxe novos vetores axiológicos em detrimento da perspectiva unicamente patrimonial, colocando em evidência a dignidade da pessoa humana:
Os três pilares de base do Direito Privado - propriedade, família e contrato recebem uma nova leitura sob a centralidade da constituição da sociedade e alteram suas configurações, redirecionando-os de uma perspectiva fulcrada no patrimônio e na abstração para outra racionalidade que se baseia no valor da dignidade da pessoa. (grifo nosso)
De outra banda, o Superior Tribunal De Justiça já teve oportunidade de afirmar que “deve-se buscar interpretação que, sem impor prejuízo à satisfação do crédito do agente financeiro, maximize as chances de o imóvel permanecer com o mutuário, em respeito, inclusive, ao princípio da menor onerosidade contido no art. 620 do CPC, que assegura seja a execução realizada pelo modo menos gravoso ao devedor.” (Recurso Especial Nº 1.433.031, julgado em 03.06.2014)
Para além disso, o fator publicidade torna-se ainda mais relevante tendo em vista que a assinatura do auto de arrematação representa o último momento para purgação da mora, daí a necessidade de o devedor ter conhecimento pessoal da data, hora e local do leilão.
Eis o que assentou o Superior Tribunal De Justiça (Recurso Especial Nº 1.433.031, julgado em 03.06.2014):
Havendo previsão legal de aplicação do art. 34 do DL nº 70/99 à Lei nº 9.514/97 e não dispondo esta sobre a data limite para purgação da mora do mutuário, conclui-se pela incidência irrestrita daquele dispositivo legal aos contratos celebrados com base na Lei nº 9.514/97, admitindo-se a purgação da mora até a assinatura do auto de arrematação.
Trata-se de formalidade indispensável nos termos do art. 687, § 3º, do Código de Processo Civil, "sem o que não poderiam purgar o débito, após o leilão e antes da assinatura do auto de arrematação, conforme lhes é facultado pelo art. 34 do DL 70/66 (REsp 417.955/SC, publicado em 04.11.2002).
Portanto, a posição do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a intimação do devedor da data, hora e local do leilão extrajudicial deve ser pessoal tem imperiosa importância nessa modalidade de execução, porquanto a publicidade revela-se, a um só tempo, como forma de oportunizar a purgação da mora até a assinatura do auto de arrematação, e de prestigiar o direito social à moradia.
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Freitas Junior é Advogado no Estado de Sergipe. Formado pela Universidade Tiradentes. Pós Graduando em Direito Constitucional. Facebook: www.facebook.com/freitascjr / Twitter: @freitascjr / E-mail: jfreitascjr@gmail.com .
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