A natureza psicofísica do Direito e a questão do aborto

19/08/2018

O Direito, a nova Teologia, tem a função sintética como um de seus principais aspectos dentro da realidade humana enquanto racionalidade, seu objetivo é fazer a síntese do conhecimento científico, permitindo o desenvolvimento da comunidade ou sociedade organizada.

O Direito tem origem religiosa, em uma narrativa simbólica e integral de mundo, na qual as normas jurídicas cuidam tanto dos corpos como das almas, tanto dos comportamentos físicos externos como dos pensamentos.

O marco filosófico e teológico que definiu a separação formal entre Direito e Teologia pode ser considerado como a proposta de Agostinho de Hipona em “A cidade de Deus”, que significou a criação da existência de dois âmbitos de controle social, o lado corporal, pela cidade dos homens, hoje tratada como o Estado contemporâneo, e o lado espiritual, das almas, pela cidade de Deus, hoje representada pelas Instituições Religiosas, em substituição à “Igreja”, e pela Academia, porque o conceito “Espírito” se transformou em “Razão”.

Nos seus primórdios, o Direito, a Religião e a Teologia eram uma só realidade simbólica, e científica, da qual a ideia de sacrifício fazia parte.

Em suas palestras, sobre “O Significado Psicológico das Histórias Bíblicas” (https://www.youtube.com/playlist?list=PL22J3VaeABQD_IZs7y60I3lUrrFTzkpat), Jordan Peterson reiteradamente destaca a noção de sacrifício, ligada à descoberta do tempo pela humanidade, pois, ao entender o tempo, os homens puderam projetar o futuro e se preparar para ele, construindo-o antecipadamente. Assim, o sacrifício está ligado à renúncia de algo presente para que o futuro seja melhor, sendo um exemplo simples a guarda de alimentos para uma necessidade posterior. Sacrificar, segundo Peterson, é negociar com o futuro.

Podemos dizer que existiam tanto o sacrifício físico cruento, também com significação psicológica, quanto o comportamental, a contenção pessoal dos impulsos biológicos egoístas, sendo esta restrição associada às normas jurídicas, não matarás, não furtarás etc. Também existe bom e mau sacrifício; como o sacrifício do presente em favor do futuro, e o sacrifício do futuro para um benefício imediato.

Dentro da simbologia bíblica, Caim, cujo sacrifício, não se sabe bem por que motivo, não foi aceito por Deus, é o fundador da cidade dos homens; enquanto Abel, que teve aprovação de Deus, representa a cidade Celeste.

Antes da apostasia, ou separação da mente humana, Jesus Cristo realizou o sacrifício absoluto e derradeiro, a entrega de seu corpo individual, morto na cruz, para o restabelecimento do corpo Humano, da Humanidade, cuja unidade havia sido perdida em tempos arcaicos, o que é simbolizado pela ideia arquetípica da Queda de Adão, que representou a violação da norma pelo líder da comunidade, como exposto em “Pecado original” (http://emporiododireito.com.br/leitura/pecado-original-por-thiago-brega-de-assis).

Adão representa o sacrifício da humanidade, o Todo, pela parte, pelo corpo; enquanto Jesus Cristo simboliza, é, o sacrifício do corpo, a parte, pelo Todo, pela Humanidade.

A cruz é, destarte, o marco da nova aliança, o sacrifício perfeito, pelo qual Jesus Cristo negociou não apenas o futuro, mas conquistou a eternidade, a humanidade essencial além do tempo e do espaço. Tal é sua integração cósmica que seu corpo recebeu a energia de sua consciência, mudando de estado físico, que está no tempo e fora do nosso tempo, em nível de realidade física que começa a ser compreendido pela física. A ação de Jesus está no nível quântico, seu sacrifício transcende o tempo e o espaço, sacrificando seu corpo e sua vida ele dominou a Vida, a Humanidade inerente a todos nós e além de qualquer divisão.

Isso porque a física quântica mostrou que a realidade não é atômica, não é composta de coisas materiais separadas, devendo ser vista como uma corrente da qual tudo e todos somos elos, física e psiquicamente, literalmente. Essa é a conclusão filosófica da física quântica, pela qual cada um de nós é o próprio cosmos, porque deste não podemos nos separar (é impossível), e cada um de nós carrega em si o cosmos; todo o passado e todo o futuro passa por nós, e essa é a Tradição Cristã. Jesus Cristo alcançou a consciência dessa unidade cósmica, reconhecendo “eu e o Pai somos um”. Pode-se dizer que Buda também atingiu esse nível de consciência, mas Jesus Cristo tinha uma função especial, porque sua consciência é ainda superior, está no nível coletivo e histórico, e deve ser entendida nos planos jurídico, religioso e político, porque é o Messias, tendo realizado o sacrifício necessário para o restabelecimento atual e futuro da unidade humana perdida, inclusive nos níveis social, coletivo e formal, pela autêntica civilização humana, para a fundação do Reino de Deus, a cidade de Deus e dos homens. Essa verdade é inferida pelas ciências, e está para ser melhor conhecida, no Dia do Senhor, o Dia da Revelação, do Dia do Apocalipse, quando a Verdade de Jesus Cristo for reconhecida em Israel.

Exulta, alegra-te, filha de Sião, porque eis que venho para morar em teu meio, oráculo de Iahweh. Numerosas nações aderirão a Iahweh, naquele dia, elas serão para ele um povo. Habitarei no meio de ti e tu reconhecerás que Iahweh dos Exércitos me enviou” (Zc 2, 14-15).

Esses níveis social, coletivo e formal são unificados no Direito, como na Teologia, e por isso a dignidade humana, resultado do sacrifício de Cristo, é o fundamento do Direito, assim como a crucificação está no cerne da Teologia Cristã, que, penso, não foi corretamente interpretada por Agostinho de Hipona, como abordado no artigo “A cidade de Deus”:

“Santo Agostinho, contudo, aderiu ao referido 'discurso herético', depois de aceitar inicialmente o milenarismo: 'Essa opinião seria até certo ponto admissível, se se acreditasse que durante o referido sábado os santos gozarão de algumas delícias pela presença do Senhor. Eu mesmo aderi algum tempo a esse modo de pensar. Mas seus defensores dizem que os ressuscitados folgarão em imoderados banquetes carnais, em que haverá comida e bebida em tal excesso, que excederão as orgias pagãs. E isso não podem crê-lo senão os carnais. Os espirituais, porém, dão-lhes o nome de khiliastás, palavra grega que literalmente podemos traduzir por milenaristas' (Santo Agostinho. A cidade Deus: (contra os pagãos), parte II. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, pp. 469-470).”

A partir de Agostinho, a Teologia Cristã se afastou da Judaica, e também é com base na filosofia de “A cidade de Deus” que o Ocidente Cristão não consegue se unir ao mundo islâmico, principalmente depois que a proposta cartesiana prevaleceu, separando ainda mais, filosófica e cientificamente, corpo e alma, rompendo a unidade humana, que somente começará a ser recuperada pela aceitação de Jesus como Messias pelos Judeus e como O Profeta pelo Islã.

Essa unidade, antevista e vivida por Cristo, continua a ser buscada pela ciência:

“O que está mais próximo de Deus, se me permitem usar aqui uma metáfora religiosa? Beleza e esperança ou as leis fundamentais? O Correto, naturalmente, é dizer que precisamos olhar para todas as interconexões estruturais. Todas as ciências – não só as ciências, mas todos os esforços intelectuais – são tentativas de encontrar conexões entre hierarquias, de conectar beleza com história, história com psicologia do homem, psicologia do homem com funcionamento do cérebro, cérebro com impulsos nervosos, impulsos nervosos com química e assim por diante, para cima e para baixo, nos dois sentidos. Ainda não podemos ligar um extremo a outro, só começamos a perceber que existe essa hierarquia relativa” (Richard Feynman. Sobre as leis da física. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2012, p. 131).

Jesus Cristo está mais perto de Deus, da unidade cósmica, e porque sua função histórica, política e jurídica foram esquecidas pelo mundo Cristão, que se concentrou na agostiniana cidade de Deus, nas almas, vivemos meia vida, com corpos sem alma e almas sem corpos, quando, na realidade, corpos e almas estão interligados, formam uma unidade, porque campos quânticos, química, cérebro, psicologia do homem, história e beleza integram uma unidade essencial, que somente é compreendida através da Cruz, por seu horror e sua beleza, o sacrifício perfeito da nova Lei, do Direito da Humanidade.

Essa conexão estrutural está melhor desenvolvida na doutrina do Direito ambiental, que compreende a interdependência dos organismos vivos e os reflexos que as condutas humanas podem ter no meio ambiente e na própria vida das pessoas, porque a humanidade está forçando o planeta, está esticando a corda, e o planeta responde com eventos climáticos extremos com cada vez mais frequência.

Daí os princípios da prevenção e da precaução que informam o Direito ambiental. Segundo o art. 225 da Constituição Federal, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, também estando previsto no art. 5.º da Lei Maior a garantia da inviolabilidade do direito à vida.

Assim, devemos evitar o dano possível, pela prevenção, para que uma determinada ação não gere efeitos irreversíveis. E não apenas isso, pela precaução, na medida em que não sabemos os efeitos de muitos comportamentos, que podem acarretar reações em cadeia destrutivamente, decorrentes do desconhecimento humano sobre os efeitos daqueles comportamentos, devemos adotar as medidas necessárias para prevenir danos humanos graves e irreversíveis. Como consta no Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento:

“Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental” (http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf).

A vida humana ocupa o mais alto ponto da hierarquia da existência, sendo a dignidade humana o fundamento da República Federativa do Brasil.

Portanto, caso não se adote a concepção, a união do gameta feminino com o gameta masculino, como o momento do início da vida humana, a ciência NÃO pode responder à indagação sobre quando começa a humanidade, devendo ser especialmente destacada a falta de conhecimento sobre o início da consciência, não havendo a mínima certeza científica sobre esse fato.

Por essas razões, pela inegável interconexão estrutural do universo, porque ontologicamente não é possível distinguir o embrião, o feto com algumas semanas, a criança ou o homem adulto, também não havendo a mínima certeza científica sobre efeitos psíquicos, individuais e coletivos, decorrentes da morte prematura de uma pessoa, o aborto não pode ser considerado uma opção inteligente, não pode ser tido como uma opção civilizatória, mas fruto de irresponsável ignorância, uma espécie de nova barbárie, e de barbárie a humanidade está farta.

Não permitir o aborto é um sacrifício necessário. Para evitar danos graves e irreversíveis sobre a vida humana, inclusive da mulher que pretender abortar, e também sobre danos psíquicos atemporais na mulher e na humanidade, essa conduta deve continuar a ser considerada um crime, pelo menos até que se prove, com certeza científica absoluta, que o embrião não tem consciência e que o aborto não causa danos graves e irreversíveis não só à mulher como à humanidade como um todo.

Outrossim, como Sobral Pinto usou a Lei de Proteção aos Animais em favor de pessoas humanas, para não permitir o aborto, de modo que esta conduta continue a ser criminalizada, devem ser respeitados, no mínimo, os princípios da prevenção e da precaução, que regem o Direito ambiental, pois é fato inconteste o desconhecimento humano sobre a consciência, e para evitar um dano ainda ignorado à integridade da humanidade, o aborto deve ser proibido e tipificado como crime, porque a vida humana é o que a Natureza possui de mais sublime.

 

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