A natimorta “geração pós-88” e o futuro em tubos de nitrogênio - Por Rafael Alexandre Silveira

10/11/2017

Coordenador: Marcos Catalan

Car@ leitor@: esta não é uma coluna usual, ou seja, expressa-se por uma indignação e uma tentativa de metaforizar sobre nosso momento. Trata-se de congelamento de corpos em tubos de nitrogênio, em outras palavras, a criogenia (a técnica de manter cadáveres congelados para ressuscitá-los um dia) enquanto experimento. Vejamos: o processo de criogenia começa quando o médico atesta a morte legal do indivíduo, no momento em que o coração cessa seus batimentos. Em seguida, um líquido anticoagulante é injetado ao corpo e uma máquina continua exercendo o bombeamento sanguíneo de maneira artificial para evitar a morte dos tecidos.

O corpo, então, é colocado em uma manta térmica especial e imerso em um tanque de gelo, mantendo-se a uma temperatura baixíssima para minimizar a atividade cerebral que restou e conservar os tecidos preservados por mais tempo. Já na clínica, o sangue do paciente é retirado, sendo substituído por um líquido à base de glicerina, razão pela qual o corpo fica em animação suspensa por longos períodos. Logo depois, o corpo é coberto por um saco plástico protetor e mergulhado em um grande cilindro de nitrogênio líquido que circula a mais de 190 graus negativos. Assim, daqui uns longos anos, os cientistas descobrem um jeito de combater a doença causadora da morte e degelam os corpos para, novamente, voltarem à vida.

Há indivíduos que já se encontram sob o processo de criogenia, e tantos outros (aqui mesmo no Brasil) que podem se considerar como corpos levados aos tubos. Quais corpos?

Os de descendentes de escravos/quilombolas.

Os de indígenas.

Os corpos de mulheres.

Os de trabalhadores(as).

Os corpos da população LGBTs.

Também os direitos (fundamentais?) foram jogados aos tubos de nitrogênio. Mas quais direitos? Aqueles referentes à cidadania.

À saúde.

À educação.

À previdência e ao meio ambiente. 

Não é à toa, portanto, que somente 38 terras de descendentes de escravos foram tituladas pelo atual (des)governo em 29 anos pós-Constituição de 1988. Não é à toa, portanto, que há uma drástica redução de investimentos em políticas públicas para estes grupos sociais. Não é à toa, portanto, que desde o mandato de Dilma Rousseff, há redução de cargos e de orçamento para as políticas indigenistas, tendo uma queda superior a 200% de investimentos (pelo atual (des)governo) com demarcação e fiscalização de terras e proteção aos povos indígenas. Não é à toa, portanto, que desde julho deste ano, há um parecer da AGU (Advocacia-geral da União) ao afirmar que somente poderão ser demarcadas áreas ocupadas pelos índios até a data da promulgação da Constituição Federal de 1988 e as áreas já demarcadas não poderão ser ampliadas. Não é à toa, portanto, que o meio ambiente vem sofrendo ataques sistemáticos, com a extinção de áreas protegidas, o enfraquecimento de licenciamentos ambientais, a ocorrência de liberação de agrotóxicos mais agressivos à saúde da população, a venda de terras para estrangeiros, a anistia a crimes ambientais e às dívidas do agronegócio, a legalização da grilagem de terras, a liberação de áreas florestais para exploração mineral.

Não é à toa, portanto, que há mudança no conceito de trabalho escravo. Não é à toa, portanto, que a Emenda Constitucional 95/2016 impede o SUS de enfrentar o subfinanciamento, sendo que, a partir de 2018, as despesas federais somente poderão aumentar conforme a inflação acumulada de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – quais as consequências disso para o direito e a sociedade de consumo?  Certamente, reflexões para outras colunas... Não é à toa, portanto, que o SUS perderá R$ 743 bilhões (segundo estudos do IPEA) e que, cada vez mais, caminhamos para a privatização da saúde. Não é à toa, portanto, que a educação tem seríssimos cortes orçamentários e que há zero (!) em repasses federais aos programas específicos de defesa da comunidade LGBT (A Constituição não trouxe direitos direcionados), e que, efetivamente, não há política pública para tais grupos.

A metáfora: compara-se, aqui, o momento social e político com os corpos mortos e colocados em tubos de nitrogênio. O que já deu errado? Nossa geração pós-88 está condenada ao insucesso desde seu surgimento, e que há a necessidade de recuperá-la ou mesmo ressuscitá-la para uma renovada esperança de futuro, cujos direitos serão respeitados, efetivados e tornados vivos a cada momento histórico. E se tudo der certo? Os corpos e direitos serão ressuscitados, na promessa de que voltarão à vida com sua própria consciência, mais jovens, bonitos, saudáveis e...imortais!

 

Imagem Ilustrativa do Post: Han Solo // Foto de: Diana Parkhouse // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/digallagher/2204225337

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