A multa prevista para os agravos internos manifestamente inadmissíveis ou improcedentes – Por Luiz Antonio Ferrari Neto

01/08/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

Na primeira etapa da reforma do CPC de 1973 o legislador já havia se atentado para a necessidade de se atribuir maior poder ao relator. Naquela oportunidade[1], o art. 557 do CPC foi alterado para prever a possibilidade de o relator negar provimento a recurso que estivesse dissonante de entendimento fixado em súmula do respectivo tribunal ou de tribunal superior[2]. Posteriormente, em 1998, os poderes do relator foram aumentados para que ele também pudesse negar provimento a recurso que contrariasse entendimento firmado em jurisprudência dominante do respectivo tribunal ou do tribunal superior e ainda foi lhe atribuído poder para dar provimento a recurso quando a decisão atacada estivesse em contrariedade com a jurisprudência dominante ou súmula do STJ ou STF[3].

Nesta reforma de 1998 também foi incluída previsão específica de multa para o agravo interno manifestamente inadmissível ou infundado:

§ 2o “Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor”.

Com o novo CPC os poderes do relator, previstos no art. 932, foram ampliados ainda mais.

No que tange à incidência de multa no agravo interno, ela continua prevista no § 4º do art. 1.021:

§ 4o “Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa”.

Percebe-se que para a incidência da multa passou a ser necessário que o agravo seja julgado em votação unânime. A incidência da multa teve seu teto reduzido de 10% para 5%. Além destas alterações, verifica-se que o novo CPC fala em recurso “manifestamente inadmissível ou improcedente”, enquanto o CPC/1973 falava em recurso “manifestamente inadmissível ou infundado”.

Por agravo manifestamente inadmissível, podemos citar como exemplo a sua interposição fora dos casos expressamente previstos em lei, como o que foi verificado no julgamento pela Corte Especial do STJ, na qual a parte interpôs agravo interno contra decisão colegiada[4].

Uma das preocupações dos operadores do direito quando da entrada em vigor do Novo CPC, (até por este procurar trazer uma nova forma de visualizar o processo) no que tange ao agravo interno seria a aplicação da multa ao agravo interno toda vez que ele fosse rejeitado ou tivesse seu provimento negado por unanimidade. Tal entendimento teria por base o fato de que o relator julgou o recurso, com fundamento, por exemplo, em jurisprudência consolidada e, por via de consequência, o agravo interno seria sempre (ou quase sempre) inadmissível.

Não obstante, tal entendimento não resiste a uma leitura apurada do § 4º do art. 1.021. Expliquemos.

Em primeiro lugar, o § 4º do art. 1.021 é claro ao afirmar que a multa incidirá nas hipóteses de recurso “manifestamente inadmissível ou improcedente”.  Além disto o dispositivo também ressalta que haverá necessidade de fundamentação da decisão no que se refere à aplicação da multa. A multa não poderá ser aplicada sem que haja a devida fundamentação sobre sua incidência.

Outro ponto relevante e já levantado pela doutrina desde a alteração do CPC/1973 pela Lei 9.756/1998 deve ser considerado: a necessidade de esgotamento das vias ordinárias para acesso aos Tribunais Superiores. Assim, sendo prolatada decisão monocrática por desembargador, para que aquele que se sinta prejudicado possa levar a matéria para apreciação do STJ ou do STF será necessário que haja a interposição do Agravo Interno, sob pena de não conhecimento do recurso excepcional, uma vez que a decisão monocrática não é decisão de útima instância. Nesse sentido já se manifestou a Corte Especial do STJ em 17/10/2012, ao julgar o recurso repetitivo REsp. n. 1.198.108-RJ, de relatoria do Min. Mauro Campbell Marques:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ARTIGO 543-C DO CPC). VIOLAÇÃO DO ART. 557, § 2º, DO CPC. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA. NECESSIDADE DE JULGAMENTO COLEGIADO PARA ESGOTAMENTO DA INSTÂNCIA. VIABILIZAÇÃO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE CARÁTER PROTELATÓRIO OU MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. IMPOSIÇÃO DE MULTA INADEQUADA. SANÇÃO PROCESSUAL AFASTADA.PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. [...]”[5].

Isso não significa, todavia, que todas as vezes em que houver julgamento monocrático em segunda instância não poderá haver a incidência de multa. O repetitivo em questão é claro ao destacar a impossibilidade de incidência de multa pois a decisão monocrática estava fundada em entendimento exarado pelo próprio tribunal (e não em entendimento firmado pelo STJ ou pelo STF).

Assim, o entendimento seria diverso se o relator fundamentasse a incidência da multa em entendimento consolidado pelo STF, por exemplo.

Para que não haja a incidência de multa em hipótese como a destacada acima (julgamento em consonância com entendimento do STF), passa a ser fundamental que o agravante siga a previsão contida no § 1º do art. 1.021 do CPC, impugnando especificadamente os fundamentos da decisão recorrida. Portanto, é fundamental que o agravante explique o porquê de o entendimento do STF (no exemplo acima) não ser aplicado ao caso sub judice.

Também neste ponto, podemos extrair outro julgado do STJ, também de relatoria do Min. Mauro Campbell Marques:

“[...] 3. Com relação à multa prevista no artigo 1.021, §4º, do CPC/2015, o STJ   tem firmado compreensão de que a penalidade não é uma decorrência automática do não provimento do agravo interno, sendo necessário demonstrar, por decisão fundamentada, a inadmissibilidade ou improcedência do recurso. Precedentes. 4. No caso em apreço, não se observa a manifesta inadmissibilidade ou improcedente do agravo interno interposto pelo recorrente, pois pretendia demonstrar que a questão de direito tratada no recurso era mais específica do que a decidida em sede de repercussão geral, no julgamento pelo STF do RE 564.354, motivo pelo qual a multa aplicada com base no artigo 1.021, §4º, do CPC/2015 deve ser afastada. [...]”[6]

Verifica-se, com isto, a imprescindibilidade de o Agravante demonstrar a ausência de similitude entre o entendimento paradigma e o caso julgado monocraticamente – é preciso demonstrar a peculiaridade do caso sub judice, pois caso contrário, o Agravante poderá sujeitar-se à incidência da multa.

Outro ponto de destaque no que toca à fixação de multa diz respeito à sua obrigatoriedade ou faculdade. O § 4º do art. 1.021 é expresso ao dizer que “[...] o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará [...]”, dando a entender que a fixação da multa pelo órgão colegiado é obrigatória. Segundo Arlete Inês Aurelli, todavia, a fixação não seria obrigatória. Para a autora, “[...] o colegiado poderá vir a impor multa ao agravante [...]”[7].

Por fim, vale destacar a previsão constante do § 5º, o qual prevê como pressuposto de admissibilidade de recurso subsequente o depósito prévio do valor da multa. Aqui, diferentemente do que vinham entendendo os tribunais superiores, os quais entendiam que o requisito de prévio depósito da multa se aplicava a todos (incluindo-se a Fazenda Pública[8] e o beneficiário da justiça gratuita[9]), o Novo CPC previu a desnecessidade de depósito prévio nas hipóteses de a multa ser imposta à Fazenda ou ao beneficiário da justiça gratuita. Neste ponto percebe-se um retrocesso e um tratamento diferenciado sem qualquer razão plausível. Se a previsão da multa tem por finalidade justamente inibir o recurso protelatório e que procura atacar decisão que está em consonância com entendimento do Tribunal ou de Tribunal Superior, a não exigibilidade da multa como pressuposto de admissibilidade recursal para a Fazenda ou para o beneficiário da assistência judiciária gratuita dá a estes a possibilidade de recorrer sem que haja fundamentação para tanto.


Notas e Referências:

[1] Esta era a redação original do art. 557 do CPC de 1973: “Art. 557. Se o agravo for manifestamente improcedente, o relator poderá indeferi-lo por despacho. Também por despacho poderá convertê-lo em diligência se estiver insuficientemente instruído.

Parágrafo único. Do despacho de indeferimento caberá recurso para o órgão a que competiria julgar o agravo”.

[2] Com a alteração do CPC pela Lei 9.139/1995, essa passou a ser a redação do dispositivo: Art. 557 – “O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior”.  Parágrafo único – “Da decisão denegatória caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso. Interposto o agravo a que se refere este parágrafo, o relator pedirá dia”.

[3] Isso ocorreu com a alteração do CPC de 1973 por meio da Lei 9.756/1998: Art. 557. “O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”.

§ 1o-A “Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso”.

[4] STJ. Corte Especial. AgInt nos EDcl nos EDcl no AgInt no RE nos EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp 1.439.021-SP. Para Araken de Assis, seria manifestamente inadmissível o agravo interno despojado de motivação congruente. ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 8. ed. São Paulo: RT, 2017, p. 691.

[5] Para íntegra do julgado, acesse: https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=1187893&tipo=0&nreg=201001114501&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20121121&formato=PDF&salvar=false

[6] STJ. 2ª Turma. REsp. 1.672.822-SC, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 27/06/2017, v.u.

[7] AURELLI, Arlete Inês in BUENO, Cassio Scarpinella (coord). Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 4. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 473

[8] “TRIBUTÁRIO.  RECOLHIMENTO DIFERENCIAL DE ICMS. APLICAÇÃO DA MULTA DO ART. 557, § 2º, CPC/73. NECESSIDADE DE DEPÓSITO PRÉVIO COMO CONDIÇÃO PARA   INTERPOSIÇÃO DE QUALQUER OUTRO RECURSO.  FAZENDA PÚBLICA APLICABILIDADE.  RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.  I - "O Supremo Tribunal Federal, à luz do CPC/1973, tem entendido ser aplicável à Fazenda Pública a necessidade do depósito prévio da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC/1973 como condição para a interposição de qualquer   outro recurso (STF, RE  521. 424 AgR-EDv-AgR/RN, Rel. Ministro Celso de Mello, Pleno, DJe de 27/08/2010; STF, AI 775.934 AgR-ED-ED/AL, Rel.   Ministro   Cezar   Peluso, Pleno, DJe de 13/12/2011)." (AgRg no AREsp 550.893/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/11/2016, DJe 30/11/2016).

II - A jurisprudência desta Corte Superior, alterando posicionamento anterior, firmou-se no sentido de "que o depósito prévio da multa cominada   com base no art.  557, § 2º, do CPC[73] configura pressuposto objetivo de recorribilidade, que também se impõe às pessoas   jurídicas de direito público" (STJ, AgRg nos EAREsp 22.230/PA, Rel.  Ministro Sidnei Beneti, Corte Especial, DJe de 1º/7/2014).

III - Agravo interno improvido”. (STJ. 2ª Turma. AgInt. No REsp. 917.435-PB, rel. Min. Francisco Falcão, j. 20/04/2017, v.u.)

[9] “AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/1973. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MULTA DO ART. 557, § 2º, DO CPC/1973. COMPROVANTE DO   DEPÓSITO   DA   MULTA.   PRESSUPOSTO   RECURSAL   OBJETIVO   DE ADMISSIBILIDADE.

  1. O prévio recolhimento da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC/1973 é pressuposto recursal objetivo de admissibilidade.
  2. Aplica-se a multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC/1973 à hipótese de interposição de agravo regimental contra julgamento notoriamente de acordo com a orientação pacífica do STJ, não havendo falar em necessidade de esgotamento da instância.
  3. Agravo regimental desprovido. (STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp. 646.777-MS, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 02/06/2016, v.u.)

 

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