A multa judicial (astreinte) e sua aplicação na ação de exibição de documento – A chegada do art. 400, § único do CPC/2015 e o adeus à súmula 372 – STJ – Por Rafael Caselli Pereira

07/03/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

Ao analisarmos a seção VI, do CPC/2015, a qual dispõe da exibição de documento ou coisa, deparamo-nos com uma impactante mudança. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se: I - o requerido não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração, no prazo do art. 398; II - a recusa for havida por ilegítima.

O que nos interessa é o que dispõe o § único do art. 400, o qual prevê que: “Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, para que o documento seja exibido”, ou seja, em tese, estaria revogada a súmula 372 do STJ, editada em 11.03.2009, a qual previa que: “Na ação de exibição de documentos, não cabe à aplicação de multa cominatória”.

A edição da súmula 372, no ano de 2009, criou um grande problema para os advogados. Pelo fato de não ser possível a utilização da multa cominatória (astreintes) para coagir a exibição do documento, restava à parte, apenas a tentativa de busca e apreensão do documento.

Mesmo antes da vigência do art. 400 – CPC/2015 e após a edição da súmula 372, de 11/03/2009, Kátia Aparecida Mangone recorda que o STJ entendeu pela aplicação das astreintes, em ação de exibição de documentos, referindo que, “após o julgamento do repetitivo acima indicado, no REsp. 1359976/PB, julgou-se ser cabível multa diária à empresa que não cumpre ordem judicial, em ação de exibição de documentos movida por usuária de telefone celular para obtenção de informações acerca do endereço de IP (“Internet Protocol”), que lhe enviou diversas mensagens anônimas agressivas, por meio do serviço de SMS (“short message service”). O Relator destacou a aplicação “da chamada técnica das distinções, conhecida na common law como distinguishing.” Concluiu que “não se está aqui desconsiderando o entendimento sumular, posteriormente pacificado no julgamento do REsp. 1.333.988/SP, de minha relatoria, sob o regime do art. 543 - C do CPC, mas se estabelecendo uma distinção, em face das peculiaridades do caso. Em situações como a dos autos, em que a busca e apreensão de documentos e a confissão não surtiriam os efeitos esperados, a fixação de astreintes, mostra-se a medida mais adequada para garantir a eficácia da decisão, que determina o fornecimento de informações de dados de usuário em sítio eletrônico” (STJ, REsp. 1359976/PB, 3.ª T., rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, v. u., j. 25.11.2014, DJe 02.12.2014)[1]”.

As dificuldades ocasionadas, quando da edição da súmula 372 – STJ, foram retratadas por Guilherme Rizzo Amaral, ao demonstrar que “a vedação da utilização das astreintes, combinada à inaplicabilidade da presunção de veracidade dos fatos, fazia com que a busca e apreensão fosse a única técnica de tutela apta à obtenção do resultado almejado, pela parte interessada na ação autônoma de exibição do documento na vigência do CPC/1973. Já na exibição incidental, tinha lugar a presunção de veracidade dos fatos, embora a jurisprudência do STJ já viesse admitindo, quando se mostrasse insuficiente a presunção de veracidade dos fatos, a utilização de medida de busca e apreensão do documento ou coisa[2]”.

O art. 400, parágrafo único, CPC, autoriza o juiz a empregar qualquer medida “indutiva, coercitiva, mandamental ou sub-rogatória para a satisfação da ordem de exibição”. Resta superada a súmula 372, do STJ, que não tem mais cabimento à vista do preceito expresso em sentido contrário[3], como advertem Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero.

No mesmo sentido, Nelson Nery Júnior leciona que: “Resta superada a súmula 372 do STJ, que não tem mais cabimento, à vista do preceito expresso em sentido contrário. A regra alude a medidas “mandamentais”, o que, porém, constitui imprecisão técnica, na medida em que as decisões, com eficácia mandamental, são exatamente aquelas que empregam medidas de indução (aí incluídas as de coerção, como a multa coercitiva, e as de pressão positiva, que são vantagens oferecidas para o cumprimento da ordem); ao lado das decisões com eficácia mandamental, podem ser veiculadas decisões com eficácia executiva, que veiculam medidas de sub-rogação (v. g., a busca e apreensão do documento). Assim, seria mais preciso o texto aludir apenas a medidas de indução e de sub-rogação; o excesso, porém, na redação, pode contribuir para deixar claro que o juiz tem amplo espaço para eleger a técnica mais adequada para a obtenção do documento ou da coisa buscados. Cabe ao juiz, decidir qual medida empregar, não estando vinculada a eventual pedido da parte requerente[4]”.

Misael Montenegro Filho apresenta, em sua obra, o enunciado n.º 54[5], do III FPPC – Rio, cujo texto estabelece que: “Fica superado o enunciado 372, da súmula do STJ, após a entrada em vigor do NCPC, pela expressa possibilidade de fixação de multa de natureza coercitiva, na ação de exibição de documento[6]”.

O professor José Miguel Garcia Medina entende pela validade da súmula 372 do STJ, “quando o pedido de exibição de documento ou coisa tiver sido requerido, incidentalmente, por uma das partes do processo contra a outra, hipótese em que a consequência da não exibição será a admissão dos fatos como verdadeiros, salvo se a parte demonstrar ser legítima a recusa em exibir o documento. Em contrapartida, quando se estiver diante de ação exibitória autônoma, empregada para realizar o direito material à exibição ou nos casos em que a exibição do documento ou coisa é indispensável para o próprio exercício do direito de ação (isso é, de ação a ser ajuizada), e não para provar algo em ação que se encontra em curso, é cabível a aplicação da medida coercitiva e, em razão disso, restaria superada a súmula 372[7]”.

Ocorre que mesmo com a novidade advinda com o CPC/2015, parte da jurisprudência[8] segue entendendo pela aplicabilidade da súmula 372 do STJ, contrariando o disposto no § único do art. 400 do CPC/2015.

No caso de haver resistência na exibição do documento, entendemos ser imprescindível a aplicação da astreinte, medida coercitiva protagonista do CPC/2015, de caráter acessório e com a finalidade de assegurar a efetividade da tutela específica, na medida em que municia o magistrado[9], com um meio executivo idôneo a atuar sobre a vontade psicológica do devedor, em detrimento do direito do credor e da autoridade do próprio Poder Judiciário. Sua incidência pode se dar por qualquer medida de tempo (ano, mês, quinzena, semana, dia, hora, minuto, segundo) ou por quantidade de eventos em que a medida restar descumprida, dependendo da finalidade e do objeto a ser tutelado, sendo devida desde o dia em que se configurar o descumprimento e incidirá enquanto a decisão não for cumprida[10].

Não sendo exibido o documento, poderá o magistrado, municiado dos poderes do § único do art. 400 do CPC/2015 adotar outras medidas como a busca e apreensão do documento ou concluir pela presunção da sua veracidade.

Nos termos dos artigos 5º e 6º do CPC/2015, verifica-se um dever substancial de mudança comportamental das partes em relação ao processo, as quais deverão agir de acordo com a boa-fé e no sentido de cooperar para garantia da razoável duração do processo. Diante disso, para supressão da multa judicial (astreinte) é imprescindível a demonstração da impossibilidade do cumprimento do preceito judicial de exibir o documento pela parte obrigada dentro do prazo concedido pelo magistrado, sob pena de manutenção da executividade de todo o período em que a multa incidiu sem que o devedor prestasse tal informação[11].

Por previsão expressa do § único, do art. 400, do CPC/2015, não se sustenta mais a permanência da súmula 372, do STJ, a qual foi revogada[12] a partir da vigência do CPC/2015, em 18/03/2016.


Notas e Referências:

[1] MANGONE, Kátia Aparecida. Da exibição de documento ou coisa. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.065-1.066.

[2] AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 524-525.

[3] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 424.

[4] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 931.

[5] No Fórum Permanente de Processualistas Civis restou editado o enunciado n.º 54, em Salvador, no período de 08 a 09 de novembro de 2013, dispondo que: “Fica superado o enunciado 372, da súmula do STJ (“Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória”), após a entrada em vigor do CPC, pela expressa possibilidade de fixação de multa de natureza coercitiva na ação de exibição de documento”. (FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. Enunciados. Disponível em: <http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf> Acesso em: 03 março 2017).

[6] MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Atlas, 2016, p. 427.

[7] MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 660-661.

[8] Agravo de Instrumento Nº 70033391780, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em 29/11/2016); (Agravo de Instrumento Nº 70069378990, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miriam A. Fernandes, Julgado em 21/11/2016)

[9] Apesar do caput do art. 537 afirmar que a multa “poderá” ser aplicada, leia-se “deverá”, uma vez que devemos interpretar o novo código de forma sistêmica. Assim, para garantia da tutela jurisdicional tempestiva e efetiva (art. 4.º CPC/2015), deverá o magistrado, desde logo, fixar a multa na fase de conhecimento, na tutela provisória, na sentença, ou ainda, na execução, evitando novas manifestações pelo credor da obrigação, corriqueiramente prejudicado pelo “tempo morto” do processo.

[10] Sobre o conceito de astreinte, sugere-se a leitura do 1º capítulo de nossa obra, PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) no CPC/2015: visão teórica, prática e jurisprudencial. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 36.

[11] Para exemplificar nosso pensamento: Se o juiz fixa o prazo de 10 dias para exibição de determinado documento, sob pena de multa diária de R$ 100,00, é dever da parte obrigada agir de boa-fé e cooperar informando dentro deste prazo de 10 dias que a obrigação é ou se tornou impossível de ser atendida, sob pena de ter de arcar com o valor da multa até a data em que protocolou sua manifestação dando ciência ao juízo de que não poderá atender ao comando judicial, além de comprovar sua alegação.

[12] Este foi o nosso entendimento manifestado na obra PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) no CPC/2015: visão teórica, prática e jurisprudencial. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 135.

AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do Novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MANGONE, Kátia Aparecida. Da exibição de documento ou coisa. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Atlas, 2016.

NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) no CPC/2015: visão teórica, prática e jurisprudencial. Salvador: Juspodivm, 2016.


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Conheça a obra A multa judicial (astreinte) no CPC 2015 (2017), do autor Rafael Caselli Pereira.

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