A MULTA JUDICIAL (ASTREINTE) COMO PARTE INTEGRANTE DA BASE DE CÁLCULO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA - Por Rafael Caselli Pereira

09/03/2018

Coordenador Gilberto Bruschi

Enquanto aguardamos ansioso pela publicação da 2ª edição da obra A Multa Judicial (Astreinte) e o CPC/2015 – Visão prática, teórica e jurisprudencial, desta vez, pela Livraria do Advogado (prevista para o primeiro semestre de 2018), propomos algumas reflexões relacionadas a incidência ou não dos honorários advocatícios como parte da base de cálculo do quantum consolidado da multa judicial (astreinte).

Sobre o tema, oportuno referirmos que o STJ, através do julgamento do REsp 1367212/RR[1], em acórdão da 3º Turma e de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôa Cueva entendeu que a multa cominatória não integraria a base de cálculo dos honorários de sucumbência, com a importante ressalva de que tal conclusão fora feita com base nas regras de vigência do CPC/73.

É necessário alertar que após o julgamento do REsp 1367212/RR, restou oposto embargo de declaração (EDcl no REsp 1.367.212/RR, que restou rejeitado, contudo, se analisarmos o voto do Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva identificamos que há referência expressa de que “os critérios diversos surgidos com o CPC/2015 não podem ser aplicados de forma retroativa, a exemplo do proveito econômico obtido pela parte”.

O fundamento utilizado pela 3ª Turma do STJ no julgado acima referido, baseou-se nas premissas de que a multa seria apenas um mecanismo coercitivo posto à disposição do Estado-Juiz para fazer cumprir as suas decisões, além do fato que a multa não transita em julgado (sobre este último fundamento sugerimos a leitura do capítulo XV da 2ª edição, de que a multa, em algum momento irá transitar em julgado, e com isso se torna parte do proveito econômico referido no § 2º do art. 85 do CPC/2015).

Ainda, em outro interessante julgado, a Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ao enfrentar o tema em agravo de instrumento 700669621453[2], também na vigência do CPC/73 concluiu que “Não há como incluir o valor da astreinte, fixada no trâmite da fase de conhecimento, na base de cálculo dos honorários arbitrados em percentual sobre a condenação. Naturezas jurídicas diversas da indenização a que foi condenada a ré e da multa para hipótese de descumprimento de ordem judicial. Astreinte que configura título executivo autônomo”.

No sentido das decisões acima referidas é a posição de Bruno Garcia Redondo, ao afirmar que “eventual percentual de honorários de sucumbência incide somente sobre as obrigações principais de pagar quantia certa (resolvidas na parte dispositiva da sentença), e não sobre o quantum pecuniário acumulado a título de multa coercitiva[3]”, o que descordamos, senão vejamos.

O § 2º do art. 85 do CPC/2015, dispõe que “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa”, ou seja, os honorários serão fixados numa das três hipóteses ali referidas: valor da condenação, proveito econômico (que por ora nos interessa) ou sobre o valor atualizado da causa.

Neste sentido, Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes destaca que “Não só nas sentenças condenatórias, mas sempre que for possível apurar no processo o benefício econômico proporcionado pela atuação do advogado, é sobre o valor desse benefício que os honorários devem ser calculados, não importando a natureza da sentença[4]”. Passam a se enquadrar na regra, portanto, condenações a dar, fazer ou não fazer, além da tutela constitutiva e tutela executiva, sempre que for possível realizar essa mensuração do proveito econômico discutido no processo, e que reverterá em favor de alguém. Somente na hipótese em que, iexistindo condenação, o proveito econômico não for objetivamente aferível é que terá lugar ainda uma terceira e última base de cálculo objetiva: o valor da causa[5], conclui Guilherme Jales Sokal.

Ainda, o inciso IV do §2º do art. 85 do CPC/2015 refere como que o “trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço” como um dos parâmetros objetivos para que o Judiciário leve em consideração ao fixar os honorários de sucumbência. Ora, evidente que o tempo necessário para refletir e apontar os fundamentos de fato e de direito hábeis a afastar a executividade de determinada multa judicial (astreinte), pela impossibilidade jurídica (obrigação impossível) de atender determinado preceito, por exemplo; ou, ainda, ilustrando a parte as razões de fato e de direito hábeis a manter e/ou reduzir e/ou revogar determinado valor alcançado pela multa decorrem do trabalho realizado pelo advogado e como consequência acrescem o tempo de dedicação dele junto ao processo, sendo necessária a respectiva remuneração pelo trabalho, dedicação e grau de zelo desempenhados.

Em relação aos honorários recursais, dispõe o § 11 do art. 85 que “ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2o a 6o, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar[6] os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2o e 3o para a fase de conhecimento”.

A justificativa para tanto, é a de que o juiz de primeira instância não pode prever a interposição de eventuais recursos e que levarão o advogado a maior trabalho[7], comenta Felipe Cunha de Almeida.

Sobre o tema, por ocasião do julgamento do AgInt nos EResp nº 1539725/DF[8], a Segunda Seção, em acórdão de relatoria do Ministro Antonio Carlos Ferreira, definiu as hipóteses para aplicação dos honorários recursais: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso. 

A nosso ver, efetivamente se a multa judicial (astreinte) teve seu fato gerador, leia-se, incidência do binômio periodicidade/valor na vigência do CPC/73, a multa judicial (astreinte) efetivamente não poderia ser considerada parte da base de cálculo dos honorários de sucumbência. Em contrapartida, considerando-se a inserção do § 2º e § 11º do art. 85 pela vigência do CPC/2015, concluímos que toda e qualquer multa judicial (astreinte), cujo fato gerador = incidência do binômio periodicidade/valor se deu após 18/03/2016, devem ser consideradas para base de cálculo dos honorários advocatícios de sucumbência, inclusive em relação ao trabalho acrescido por força do recurso interposto. 

Com isso, os honorários de sucumbência devem ser calculados pelo resultado da soma dos valores obtidos com a condenação principal (danos materiais, extrapatrimoniais, dano emergente, lucros cessantes, pensionamento, etc.) e dos valores obtidos através da condenação acessória, leia-se dos valores obtidos pela incidência da multa judicial (astreinte) desde que já consolidados com o trânsito em julgado da decisão que a fixou.

 

[1] RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEMANDA PROCEDENTE. BASE DE CÁLCULO. CPC/1973. VALOR DA CONDENAÇÃO. MULTA COMINATÓRIA. VERBA EXCLUÍDA. NATUREZA JURÍDICA DIVERSA. MEIO COERCITIVO. COISA JULGADA MATERIAL. AUSÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. SÚMULA Nº 13/STJ.

  1. Cinge-se a controvérsia a saber se o valor da multa cominatória integra a base de cálculo da verba honorária disciplinada pelo CPC/1973.
  2. O art. 20, § 3º, do CPC/1973 estipula que os honorários de advogado, quando procedente o pedido da inicial, serão fixados entre dez por cento (10%) e vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, a qual deve ser entendida como o valor do bem pretendido pelo demandante, ou seja, o montante econômico da questão litigiosa conforme o direito material.
  3. A multa cominatória constitui instrumento de direito processual criado para a efetivação da tutela específica perseguida, ou para a obtenção de resultado prático equivalente, nas ações de obrigação de fazer ou não fazer, constituindo medida de execução indireta. 4. A decisão que arbitra astreintes não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa ou, ainda, para suprimi-la. Precedente da Segunda Seção.
  4. As astreintes, por serem um meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado, não ostentam caráter condenatório, tampouco transitam em julgado, o que as afastam, na vigência do CPC/1973, da base de cálculo dos honorários advocatícios.
  5. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

(REsp 1367212/RR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 01/08/2017)

 

[2] Agravo Nº 70066962143, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 26/11/2015

[3] REDONDO, Bruno Garcia. Astreintes: Aspectos Polêmicos. Revista de Processo. n. 222, p. 65-89, agosto. 2013, p. 86.

[4] LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Honorários advocatícios no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 144.

[5] SOKAL, Guilherme Jales. A sucumbência recursal no novo CPC: Razão, Limites e Algumas perplexidades. Revista de Processo. n. 256, p.179-205, junho. 2016. p. 181 

[6] Neste sentido é o enunciado 241 do FPPC: Os honorários de sucumbência recursal serão somados aos honorários pela sucumbência em primeiro grau, observados os limites legais.

[7] ALMEIDA, Felipe Cunha de. Honorários advocatícios contratuais: ressarcimento e princípio da reparação integral dos danos: de acordo com o novo Código de Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017, p. 39-40.

[8] AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017

 

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