A ministra Damares e a goiabeira de cada qual

26/12/2018

 

As crenças que preservamos estão em nós porque compõem a nossa cultura. Não só as certezas, mas igualmente nossas dúvidas decorrem dos credos que professamos. Fora da Tradição Ocidental, outras certezas, outras interrogações.

O pensamento que valorizamos é a expressão acabada da História do passado que nos alcançou na nossa vez de estar no mundo. Que pensará uma criança que acaba de vir à luz da Terra quando alcançar a idade adulta?

No geral, dependerá de como sua Sociedade se organiza; individualmente, dos seus encontros da vida cotidiana. Com o que se lhe assentar como certo e do que se lhe for interditado como errado, cada um\a “medirá” as coisas todas.

Haverá valores relevantes e outros nem tanto. Religiões, por exemplo, são topoi. As fés e os costumes decorrentes são concepções cristalizadas em forma e conteúdo, recebendo o respeito quase geral da Sociedade.

Um topoi alcança status acima do bem e do mal. Investimentos em comportamentos que divirjam dos costumes de fundo sacro, portanto, serão expostos a controvérsias emocionadas ou até violentas. O povo reagirá.

Assim, v.g., não obstante a laicidade do Estado, “Cuba desiste de legislar sobre casamento gay em nova Constituição. Proposta de mudança saiu do projeto após rejeição em consulta popular; tema será tratado em referendo.

Cuba abandonou as mudanças que faria, abrindo caminho para o matrimônio homossexual na ilha, diante de uma majoritária opinião contrária da população manifestada nas assembleias populares.

A proposta inicial da nova Carta Magna, aprovada pelo Congresso em julho, incluía o artigo 68, que definia o matrimônio como a união ‘entre duas pessoas’, substituindo o conceito vigente de ‘entre um homem e uma mulher’.

Ficou decidido que o projeto não definirá quais sujeitos integram o matrimônio, e o tema será tratado em um referendo no futuro. Ou seja, ‘esta discussão sai do universo constitucional’, declarou o secretário do Conselho de Estado.

O texto da Constituição foi submetido a consulta pública e a questão do casamento gay dominou as discussões. Muitos cidadãos parecem rejeitar o texto, assim como as comunidades religiosas, principalmente evangélicas.

O artigo 68 foi o mais abordado pelo povo na consulta, em 66% das reuniões. Das 192.408 opiniões, 158.376 defendem substituir a proposta pela atual legislação (entre um homem e uma mulher), informou a Assembleia Nacional.

A comissão é coordenada pelo ex-presidente e líder do único e governante Partido Comunista de Cuba, Raúl Castro. O próprio presidente cubano, Miguel Días-Canel, se declarou partidário do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Após os primeiros anos do triunfo da revolução de 1959, os homossexuais foram hostilizados em Cuba, um fato pelo qual o próprio líder histórico Fidel Castro pediu perdão e esclareceu não se tratar de política de Estado.

Uma das principais promotoras da inclusão de pessoas LGBT em Cuba é a deputada Mariela Castro, filha de Raúl Catro” (FSP, 20dez18, editado). Estado laico, burocracia comunista, líderes incontestes. Nada. Venceu a religião.

O narrado foi para ressaltar que crenças e preconceitos não são peculiaridade de direitista. É que se me ressaltou estranho a conduta da esquerda midiática diante da declaração da futura ministra de direita Damares Alves.

O que ela disse, que viu, em um momento desesperado, Jesus elevar-se a um pé de goiaba para salvá-la, parece-me concernente em um país em que 90% da população crê que existe um deus e um deus filho, Jesus.

Crê-se que Jesus existiu e que, se ele não retornar antes, o verão depois de mortos e ressuscitados. Bem, parece-me mais verossímil alucinar um deus enquanto pessoa viva do que morrer ressuscitar e, então, vê-lo julgando pecadores.

Essas coisas me enfadam, mas animam um percentual respeitável de brasileiros. No fundo, contudo, mesmo o crente, nas suas falas, sinaliza lucidez. Diz a ministra: “Tem criança que vê duendes, que fala com fadas. Eu vi Jesus”.

Ela traz a narrativa para o nível da fértil imaginação infantil. E justifica a sua visão. Era crente, almejava o “céu” acreditava-se em pecado grave: desesperança, pensamento suicida, Jesus. Há coerência no seu dizer acriançado e cristão.

Para fustigá-la, foi isolado o fator goiabeira. Mas há os antecedentes do seu conto: ela foi abusada, seguidamente, em casa, por dois pastores. Uma reflexão nos grita aos ouvidos de querer ouvir: quem é um pastor para uma crente?

Um pastor é o intercessor da sua divindade. Dia seguinte aos abusos cometidos ao lado do quarto dos pais, a família ia orar. O estuprador conduzia as orações. Culpa e fascínio. Manipulador, o pastor constituiu-a culpada.

Você é culpada, você me seduziu; é enxerida, dizia o pastor. Enxerida: intrometida. Na tradição religiosa diz-se súcuba, um demônio em forma de mulher que se mete sedutora por baixo do homem, levando-o à conjunção carnal.

Este país está pleno de crentes (de esquerda, inclusive) em Jesus, que o vê, que fala com ele. Há quem dele tenha obtido favores. Há esperançosos de ter uma “causa” que o sensibilize. As goiabeiras de cada um pouco se me dão.

Mas o respeito por uma criança que sofreu e que hoje, adulta, conta-se abertamente, a isso eu o tenho. E mais. A adulta porta uma causa. A ministra resta, por sua história, comprometida com o ministério da mulher. Que se advirta disso.

Advertir-se é atinar-se e às suas circunstâncias. Ministra, o sistema de crenças que produz pastores tais os que a violentaram é o mesmo que fornece o discurso que a senhora enuncia: “Mulher tem que ficar em casa”. Pense nisso.

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: Blind Justice// Foto de: Stuart Seeger // Sem alterações

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