A metodologia adotada pelo artigo 334 do CPC traz ou não incentivo à cooperação?  

16/05/2019

             O CPC/2015, na sua intenção original, reclamaria um novo profissional diante de uma nova forma de realizar o direito. Indaga-se: a) Até que ponto o conteúdo da norma legal traz incentivos para uma mudança comportamental aos sujeitos do processo (juiz, partes e o advogado)? b) Será que a mudança comportamental dos sujeitos do processo é possível na dinâmica processual atual e será suficiente para estimular a cooperação?

            É fato que o legislador objetivou dar ao processo uma dinâmica mais dialógica e democrática em decorrência do fortalecimento dos princípios da cooperação e da motivação frente à argumentação (enfrentamento dos argumentos), nos termos do disposto nos artigos 6º, 9º, 10 e 489 do CPC.

            No mesmo contexto, as regras processuais até então tidas como indisponíveis podem ser objeto de transação (CPC, art. 191), por meio dos negócios jurídicos processuais atípicos e ou típicos de previsão objetiva, nascendo uma nova forma de gerenciar o conflito, a partir de estratégias de origem, inclusive, pré-contratuais, momento em que a cooperação tende a ser mais proveitosa e atraente para as partes.

            As partes, o juiz e o advogado cooperam mediante incentivos, como já mencionado em artigo precedente, publicado nesta coluna, cabendo, aqui, levantar um problema cultural maior. O Cliente, respeitadas as exceções, paga menos no acordo do que no litígio, sob o ilusório manto da racionalidade rasa/superficial. Seria mais racional resolver o conflito em um tempo mais curto e majorar a remuneração do advogado que coopera, pois se estaria evitando inúmeros custos processuais e extraprocessuais com o prolongamento do litígio.              

            Ocorre que a visão mais dialógica, democrática e cooperativa não foi incorporada pelo artigo 334 do CPC/15, pois, ao contrário de estimular a cooperação, traz um distanciamento entre as partes, muitas vezes de forma incontornável.

            O referido artigo 334 dispõe: se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência

            Pelo conteúdo do artigo subsequente (art. 335), o réu oferecerá contestação no prazo de 15 dias contados da audiência de conciliação ou de mediação.

            Pode parecer, à primeira vista, que o conteúdo legal traz incentivos para a cooperação em razão da designação prévia de uma audiência de conciliação ou de mediação, todavia pretende-se demonstrar que isso não é plausível.

            O fato de o réu não apresentar contestação prévia traz empoderamento ao autor e dificilmente o trará cooperativo para a mesa de negociação. Isto porque o autor seguirá para o conclave sem conhecer, com detalhes, as informações que detém o réu. Note-se a existência de assimetria informacional no ato processual tal como pensado pelo legislador. As informações são assimétricas, unilaterais, devido à exposição de razões e documentos pelo autor e não pelo réu. Dificilmente o resultado será proveitoso. É isso o que se tem observado depois de quase quatro anos de vigência do novo Código, pois as taxas de autocomposição na audiência de conciliação em comentário são muito baixas.

            Erik Navarro Wolkart, ao tratar deste assunto, especificamente sobre o artigo 334 do CPC, diz que o legislador criou um jogo dinâmico de informação incompleta, segundo o qual, na penumbra do Código, duas pessoas interagem e um processo de tomada de decisão, no entanto, uma delas, no caso o autor, detém informações incompletas em relação ao réu. Erik, em sua obra, demonstra a dificuldade da mediação e da negociação sob a égide do artigo 334, criando uma árvore decisória para o jogo de informação incompleta, onde previu hipóteses, ofertas, recompensas entre outros fatores que justificam ou justificariam o aceite e a recusa de parte a parte.[i] 

            No direito processual, pouco se vê do uso das técnicas de entendimento sobre o comportamento humano ou preocupação com o aumento do bem-estar-social, agravando-se a “tragédia da justiça”, termo usado por analogia à “tragédia dos comuns”. Trata-se, na linguagem do autor, do esgotamento do aparato jurisdicional, tornando-o incapaz de prestar a tutela justa, efetiva e em tempo razoável. A cooperação transcende ao processo civil, pois se trata de um fenômeno natural.  O problema é cooperar em um ambiente hostil, diante de interesses divergentes, todavia modelos econômicos simples, em sintonia com a psicologia e a neurociência podem proporcionar avanços para unir esforços em prol de benefícios comuns, a serem apropriados em razão de um comportamento processual colaborativo[ii].  

            Conclui-se que a cooperação efetiva depende não apenas do incentivo, mas, igualmente, das informações de que dispõe a parte sobre as estratégias do seu opositor. Somente com o lançamento das armas sobre a mesa, constituídas pelo conjunto de informações de parte a parte, será possível construir um ambiente propício para mediar e conciliar. O aludido artigo 334, aqui comentado, não traz conteúdo para tal mister, recomendando-se uma alteração legislativa específica, com o objetivo de reconstituir a intenção originária tão proclamada.   

 

Notas e Referências

[i] WOLKART, Erik Navarro. Análise econômica do processo civil: como a economia, o direito e a psicologia podem vencer a tragédia da justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 361-369.

[ii] WOLKART, Erik Navarro. Análise econômica do processo civil: como a economia, o direito e a psicologia podem vencer a tragédia da justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 133.

 

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