Coordenador: Marcos Catalan
Vivemos na sociedade do espetáculo, na qual a mercadoria reina absoluta. As necessidades são cada vez maiores e, como consequência, o consumo desenfreado torna-se cada vez maior. A aparência tem importância fundamental e quase assume personalidade própria. Tudo visa à aceleração do consumo e a acumulação de bens de consumo. Nas palavras de Debord no espetáculo a mercadoria domina a vida. Os seres humanos se afastam uns dos outros e passam a manter relações apenas superficiais, que são regidas de acordo com a circulação de mercadorias. É o momento em que a mercadoria ocupa totalmente a vida social[1]. Somos condicionados a acreditar que uma vida boa depende do consumo de determinados bens e produtos. A ideia de felicidade está cada vez mais ligada à possibilidade de ter, de consumir, de parecer. Uma das consequências desta realidade é a multiplicação das lesões sofridas pelos consumidores e o aumento do número de conflitos que envolvem relação de consumo levados ao Poder Judiciário e, portanto, uma crescente dificuldade no acesso à justiça.
De acordo com o relatório elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça – Justiça em Números – no ano de 2014, os conflitos que envolvem direito do consumidor ocupavam o terceiro lugar entre os assuntos mais demandados no Poder Judiciário (4,01%) e o primeiro lugar entre os assuntos mais demandados nas Turmas Recursais (9,56%) e nos Juizados Especiais Cíveis (12,39%). No ano de 2015, passaram a ocupar o quarto lugar entre os processos mais demandados no Poder Judiciário (3,9%), mas permaneceram ocupando o primeiro lugar entre os processos mais demandados nas Turmas Recursais e Juizados Especiais Cíveis em percentuais ainda maiores do que no ano anterior, 12,98% e 15,47%[2].
O quadro é de aumento vertiginoso do número de processos judiciais em curso e congestionamento dos tribunais. Consequentemente, o Poder Judiciário não consegue alcançar uma prestação jurisdicional efetiva, o que culmina na insatisfação dos jurisdicionados. Cresce a cada dia o descrédito da sociedade no Poder Judiciário, não apenas em virtude da morosidade, mas também da ausência de uniformidade de suas decisões.
Diante desse cenário, a legislação brasileira passou por inúmeras reformas, buscando alternativas para conferir uma prestação jurisdicional efetiva, especialmente, com a inserção de novos instrumentos de acesso à justiça, como os meios alternativos de solução de conflitos.
Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 125, que instituiu a política judiciária nacional de tratamento adequado aos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. Uma das premissas da resolução era a necessidade de se consolidar uma politica pública e permanente de aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução do litígio, entendendo que a mediação e a conciliação seriam instrumentos efetivos de pacificação e prevenção de litígios.
Nesse contexto, a mediação foi inserida no código de processo civil, somando-se a jurisdição estatal, visando conferir aos jurisdicionados uma resposta mais adequada e célere para os conflitos, entendendo que a satisfação das partes pode ser mais efetiva diante de uma solução por elas encontrada. Aliado a isso, entendeu-se que a mediação consistiria um importante instrumento de pacificação social.
No âmbito do direito do consumidor, antes mesmo do advento da nova lei processual, o artigo 4º da lei consumerista, que elenca princípios norteadores do direito do consumidor, já deixava as portas abertas para a aplicação dos meios alternativos de solução de conflitos. Além disso, o artigo 83 do código de defesa do consumidor determina que são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela, o que significa que o consumidor poderá valer-se tanto da esfera administrativa como da esfera judicial para a resolução do conflito.
Ademais, não se pode perder de vista que a Constituição inseriu a defesa do consumidor no rol dos direitos fundamentais, elencados no artigo 5º. Assim, não basta o reconhecer uma gama de direitos subjetivos em favor do consumidor. É necessário que o reconhecimento desses direitos seja efetivo e, para tanto deve se colocar a sua disposição as vias adequadas e conhecidas, que permitam a ele alcançar o objetivo que pretende[3].
Neste aspecto, a mediação pode consistir em importante instrumento de resolução dos conflitos que envolvem a relação de consumo, pois possibilita não apenas alcançar tutela efetiva ao consumidor, uma vez que proporciona a solução mais rápida, menos dispendiosa e mais adequada ao caso concreto, como também pode proporcionar a manutenção da confiança entre o consumidor e o fornecedor.
Outrossim, a mediação pode garantir um resultado uniforme para diversas pessoas lesadas, a exemplo do que aconteceu no programa de indenização para os familiares e vítimas do acidente aéreo do voo 447, da Air France, que caiu no oceano Atlântico em 31 de maio de 2009. O resultado final foi obtido por meio da mediação, que contou com a participação da empresa aérea, dos familiares bem como com o aporte do Ministério da Justiça, do Ministério Público do Rio de Janeiro e do PROCON do Estado do Rio de Janeiro[4].
Nessa linha de entendimento, recentemente, o Conselho da Justiça Federal aprovou 87 enunciados, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de mecanismos e políticas públicas voltadas à adoção de práticas extrajudiciais de prevenção e solução de litígios, tanto no âmbito da iniciativa privada, como no âmbito do Poder Público. O enunciado 14 reza que: “a mediação é método de tratamento adequado de controvérsias que deve ser incentivado pelo Estado, com ativa participação da sociedade, como forma de acesso à Justiça e à ordem jurídica justa”[5]. E mais, por meio do enunciado 45, recomendou a utilização da mediação nos casos de superendividamento: “a mediação e conciliação são compatíveis com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento, observadas as restrições legais”.[6]
Neste sentido, tem-se que a mediação pode significar importante reforço aos instrumentos de proteção ao consumidor já existentes no Brasil, porquanto pode oferecer uma resposta mais adequada ao caso concreto, diante das necessidades criadas na sociedade atual.
Notas e Referências:
[1] DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1994.
[2] Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros. Acesso em: 20/11/2016.
[3] CARRASCO, Marta Blanco. La alternativa de lá mediación em conflictos de consumo: presente y futuro. Anuário Jurídico y Económico Escurialense. XLII, 2009.
[4] ARAÚJO, Nádia de; FÜRST, Olivia. Um exemplo brasileiro de uso da mediação em eventos de grande impacto: o programa de indenização do voo 447. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n, 91, jan./fev. 2014.
[5] Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros/relatorios. Acesso em: 20/11/2016.
[6] Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros/relatorios. Acesso em: 20/11/2016.
Imagem Ilustrativa do Post: Macro Monday : Barcodes are just fancy stripes // Foto de: cchana // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/cchana/27617287546
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode