– mãe, onde tá aquele rio que corria ali? –
– afogou-se, filho meu…
– mas mãe, rio sabe nadar tão direitinho pra lá e pra cá, não pode afogar na água que ele mesmo fez nascer…
– sei dizer não, menino… é assim que foi feito. Veio deus e mandou um dilúvio de lama pra afogar o rio e pronto. Acabou tudinho…
– mas mãe, deus não era pra ser bom sujeito? A senhora não vive rezando pra deus trazer saúde e vida longa pra gente tudo… ele não ia deixar o rio de fora dessa reza, logo o rio d’onde a gente mata a sede e molha as plantas e pesca o peixe…
– olha, menino, não me faz pergunta difícil porque tu sabe que não tenho estudo…
– mas mãe, quando aqueles homens vieram aqui buscar aquele teu pedaço de chão, eles prometeram não roubar o rio da gente… tô achando que não foi deus quem afogou o rio… foram aqueles homens… eles não pareciam homens de bom coração…
– quieto, menino! Não fala ‘bestage’! Os homens ficaram com nosso pedaço de chão, mas deram o barco e a gente até pescou cada peixe bonito!
– mas mãe, de que vai adiantar um barco agora, se a gente não tem mais água pra ele andar em cima? E nem peixe sobrou…
– ô, filho, um barco não anda só em cima da água não, ele até pode andar em cima da tua imaginação! Como num sonho… olha só: fecha bem esses dois olhos grandes e pensa num mar bem comprido… mas fecha bem fechadinhos, pra não escapar nenhuma onda… pensou? Pois então! Agora bota o barco em cima dele e deixa a onda levar… viu como é fácil? Tem até marola no mar, viu meu filho? Não é muito mais bonito e grande do que aquele rio que tava ali? E ainda por cima é azul, visse? Bem da cor dos olhos do teu pai que o rio levou…
– mas mãe… onde tá aquele rio que corria ali?
– ôxe! Pra que tanta insistência, menino?
– pra eu colocar o barco em cima e ir procurar meu pai… rio de lama também faz marola, mãe? Marola pode ser azul, mãe? Se puder, eu até já sei onde encontrar meu pai…
– deixa de onda, menino…
– não é onda não, minha mãe… é marola… e é azul… são os olhos do meu pai… você não disse que eu podia sonhar?
(* uma homenagem às vítimas da barragem em Brumadinho/MG)
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