Por Roberto Bittencourt Olinger - 20/05/2015
O título acima não é uma invenção própria. Quem dera. Na verdade retrata a síntese do brilhante “Direito Penal a Marteladas – Algo sobre Nietzsche e o Direito” de Amilton Bueno de Carvalho, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ele explica essa luta de maneira absolutamente clara:
No momento que há notícia de um crime, contra o cidadão-suspeito, tem-se toda a estrutura do Estado-administração, via polícia, que necessita encontra culpado (é sua função); contra ele, tem-se toda a estrutura do Estado-acusador que, em tempos de populismo punitivo, necessita fazer presente, seja do jeito que for, a perseguição penal; contra ele, tem-se toda a estrutura da grande maioria dos integrantes do Poder Judiciário que entendem que o judiciário faz parte integrante do aparato repressivo do Estado; contra ele, tem-se a imprensa sensacionalista que necessita do espetáculo infantilizante da busca do “mau”; contra ele, tem-se toda a sociedade que sonha se vingar. Em seu favor, um, apenas um: o defensor. E este, por ousar defender o um contra todos, está a sofrer preconceito na sociedade, inclusive, de pasmar, entre os próprios operadores jurídicos. [...] Mas se esse sujeito, que ousa defender o um contra todos, nega fogo, todos os direitos da cidadania desaparecem.
A citação é um pequeno trecho do pensamento do citado jurista, mas elucida toda a dificuldade enfrentada diariamente pelos advogados criminalistas. Há tempos a classe é vista com falta de apreço. Os motivos de tal antipatia, penso advir de quatro fatores primordiais.
O primeiro deles diz respeito a mais absoluta falta de conhecimento teórico por parte da sociedade, em relação ao Direito Penal. Somos diariamente “doutrinados” por repórteres ou comentaristas. Há em andamento uma verdadeira “Datenização”, ou se preferirem, um ”Ratinhamento” do Direito Penal. A grande massa, preocupada com razão com a crescente violência, aplaude aos discursos fáceis de mais pena e mais prisões. Todavia, desconhecem que somos o terceiro país mais encarcerador do mundo (atualmente com mais de 715.000 presos) e que a questão da segurança pública não melhora. Ao contrário. Se prisão resolve-se tal problema, seriamos um modelo de país. O Direito Penal não surgiu para punir, mas sim, para controlar a saga punitiva do Estado e fixar balizas claras de como e quando punir.
O segundo motivo é a prática nefasta de advogados prestando péssimos serviços, ou pior, trabalhando em favor de organizações criminosas. Maus profissionais existem em todas as profissões, disso não se duvida. O problema é a generalização. Os bandidos com carteiras da OAB são a absoluta exceção, a minúscula minoria, e devem sempre ser banidos. A advocacia criminal e a advocacia como um todo são verdadeiros patrimônios brasileiros. Quando de chumbo a época se alimentava, foi a OAB que não se calou. E essa é função da OAB e dos advogados criminalistas. Já ensinava Sobral Pinto: “A advocacia não é profissão de covardes”. Estas máculas pontuais da advocacia não podem afetar aos demais bons profissionais. Bem verdade que tal situação vem se dissipando, conforme comprova pesquisa Datafolha de julho deste ano, na qual a sociedade elegeu a OAB como a entidade de maior credibilidade entre aqueles que a conhecem, com 72% de confiança, a frente das Forças Armadas e da Polícia Federal.
O terceiro motivo seria causado pelos próprios profissionais do direito, quando aplicam ao Processo Penal institutos de Processo Civil. O Direito Processual Penal não necessita de muletas, ainda mais de outro ramo que não guarda similaridade. Como leciona Aury Lopes Junior, “o processo civil é o cenário da riqueza (de quem possui), ao passo que no processo penal, cada vez mais, é o processo de quem não tem, do excluído. Isso contribui para o estigma de gata borralheira, mas não justifica”. A sistemática resiliência quanto a utilização de institutos alienígenas impõe a ciência criminal (feita a devida distinção entre o Direito material – que sofre menos -, e o processual) uma injusta carga de “menos importante”.
Por fim, e talvez o mais grave de todos os motivos, seja a fama de “advogado de bandido” e a conseqüente confusão entre um e outro. Culturalmente, mesmo que de forma transversa, esse preconceito vem arranhando a imagem dos advogados criminais. Mas tal equívoco necessita ser posto a termo. Nenhum advogado, pelo menos os sérios e comprometidos com o juramento feito quando da colação de grau (“...prometo defender a liberdade, pois sem ela não há Direito que sobreviva, justiça que se fortaleça, e nem paz que se concretize.”), gosta de “bandido” ou concorda com os crimes praticados. Alguém concorda com o estupro? Com o roubo? Com os desvios de dinheiro público? É claro que a resposta é sempre, ou pelo menos deveria ser, negativa. Compreender a natureza humana é parte da profissão, através da multidisciplinaridade inerente ao Direito Penal. Todavia, há um oceano de distância entre compreender e concordar com a prática delitiva. A missão do criminalista é defender os direitos de alguém acusado pela pratica de uma conduta criminosa. Ponto. E defender bem, pois como ensina Francesco Carnelutti, “A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: sentar-se sobre o último degrau da escada ao lado do acusado”. Cruzar este limite é que configura o erro.
Esses quatro motivos podem ser apontados como os principais causadores da má fama ou incompreensão para com os advogados militantes da área criminal. Passou-se do tempo de superá-los.
A advocacia criminal se desenvolveu enormemente nas últimas décadas. Raros são os profissionais da área sem titulação acadêmica superior a graduação. Avolumam se os especialistas, mestres e doutores. E essa qualificação é necessária para cada vez mais acompanhar o desenvolvimento (?) da sociedade. Há cerca de 20 anos atrás a internet ainda engatinhava. Hoje, nos deparamos com os crimes cibernéticos: invasão de email’s, hackers, postagens ofensivas em redes sociais.... A sanha arrecadatória do Estado investe cada vez mais em mecanismos modernos para combater a sonegação fiscal. Pequenos comerciantes e empresários vêm sendo criminalizados cada vez mais por tal razão. E a questão dos crimes ambientais? E a responsabilidade penal das pessoas jurídicas? E como enfrentar a famigerada aplicação das prisões preventivas mal fundamentadas? E como combater a utilização arbitrária das interceptações telefônicas?
Enfim, a tipificação de condutas se avoluma em velocidade absurda. A midiatização do Direito e a interpretação da lei penal sempre desfavorável aos acusados também. A exceção está se tornando regra. Cabe aos advogados criminais enfrentarem esses novos desafios contemporâneos. Dedicação, estudo, constante atualização, coragem e paciência são as armas necessárias para que nenhum direito e garantia fundamental desapareça ou seja atingido. A luta de um contra todos? Esta continuará sempre. Quem sabe um dia, melhor interpretada.
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Roberto Bittencourt Olinger é Advogado Criminalista, Pós-Graduado em Direito Material e Processual Penal (UNOESC) e Professor de Direito Penal I, Direito da Execução Penal e Criminologia na UNOESC/Videira.
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