Introdução
A vida moderna se caracteriza pela presença de inquietudes cientificas e pela existência de conflitos extremos. No dizer de Eric Hobsbawm[1], a modernidade se encontra em meio a incertezas, a catástrofes e a crises. As dúvidas, os medos e a absoluta ausência de referencial atingiram as ciências e a forma de organização do Estado. A democracia, uma realidade relevante à organização da sociedade e um contraponto ao estado totalitário/absolutista parece não reluzir ou encantar o Ser Humano e, as relações sociais que outrora estavam fixadas em modelos, leis e regulamentos sólidos, cedeu espaço a cultura da opinião sem fundamento e da felicidade individual a qualquer preço, não importando preço ou custo social da alacridade.
A mudança (quebra) de paradigmas nocauteou os valores morais, éticos e as regras jurídicas do Estado moderno. No campo da ciência, os vetores causa versus efeitos não indicam, adequadamente, um resultado atraente às necessidades da nova ordem racional. As incertezas volatilizaram a vida e as decisões do que seja certo ou errado.
Dentro desse contexto, a dimensão humana e ecológica da vida em sociedade passou a ser discutida e inserida. A ideia do presente artigo é discutir a volatilidade com que a sociedade tutela o meio ambiente, a solidariedade ambiental e a sustentabilidade.
A ordem social
O que é certou ou errado em relação ao Meio Ambiente? A resposta à pergunta perpassou, ao longo do tempo, por dois caminhos: a moral e o direito. A moral responde pelos princípios que o Ser Humano, livremente, escolhe cumprir por considerar legitimo e necessário à convivência em sociedade. O direito positivo, por sua vez, corresponde às regras estabelecidas pelo Estado, por meio do devido processo legislativo, cujo cumprimento não se vincula, inicialmente, ao livre convencimento do Ser Humano, mas ao elemento psicológico da coercibilidade, traduzida na prática pela possibilidade de aplicação de penalidade por parte do Estado em caso de descumprimento das regras sociais de convivência.
As discussões entre a moral e o direito encontram limites na organização da forma de vida gregária, cujo vinculo é discutido sob a ótica de dois mundos – o mundo natural e o mundo cultural. O mundo natural ou o mundo da natureza, é constituído pelos reinos animal, vegetal e mineral; estando o homem inserido como uma parte do todo, compondo a cadeia hierárquica de organização da vida. O mundo cultural, por outro lado, é constituído pelos Seres Humanos e por tudo que decorre da interferência no mundo natural – é o mundo da produção de bens, de serviços e de produtos a partir dos recursos contidos no mundo natural.
Deixando a ideia dicotômica dos mundos, o Ser Humano acaba estando submerso no mundo natural, na condição de animal racional e mundo cultural, através da produção e do uso dos bens e dos serviços criados a partir da interferência/exploração do mundo natural.
Ocorre, contudo, que a convivência e a transição dos Seres Humanos entre o ambiente natural e o ambiente cultural se revelou conflitante em razão da ausência de convergência de interesses, resultando na regra primaria de seleção natural, com prevalência do interesse do indivíduo mais forte e a submissão do indivíduo mais fraco.
A evolução da vida social gregária trouxe a reboque a necessidade de substituir a regra da seleção natural do mais forte pela prescrição de padrões de conduta de socialização do Ser Humano, indicando a forma e o modo de agir em sociedade, individual ou coletivamente.
Em meio ao processo de evolução da vida em sociedade e da imbricação entre o mundo natural e o mundo cultural, o Ser Humano desenvolveu e sistematizou o conhecimento científico e as normas éticas, disciplinando o comportamento de cada indivíduo dentro da ordem social subjacente.
Decerto, por muito tempo, as definições científicas, ancoradas em regras morais, jurídicas e éticas, constituíram um verdadeiro alicerce para a organização da sociedade. Por séculos os valores sociais configuraram estamentos com característica e natureza de segurança social e jurídica. Entretanto, as recentes revoluções políticas e tecnológicas; a abertura dos mercados nacionais; os avanços e a democratização no universo da informação; a urbanização das cidades e a revisão de standard morais e religiosos, trouxeram a fragmentação dos conceitos históricos e a virulência dos princípios essenciais à vida em sociedade – é a era da pós modernidade.
A pós modernidade trouxe uma espécie de dissolução da segurança científica, cuja consequência imanente é a dificuldade na definição metodológica da relação causa versos efeito na elucidação dos fenômenos naturais e humanos. A fluidez científica da pós modernidade é, ao mesmo tempo, caracterizada pela forte presença das definições generalistas e confrontada pela presença da ampla liberdade de pensamento.
A liquidez ambiental
Nesse ambiente em constante mutação, o Ser Humano passou a relativizar os conceitos e a aplicar de forma absoluta a razão, como forma de resolução dos principais problemas sociais. A liquidez de conceitos, reconhecida pela flexibilização de regras morais, éticas e religiosas, atingiu diretamente o homem através de uma verdadeira crise de valores e pela absoluta falta de referência social, assim explicado por Baumam:
Atualmente, o problema da identidade resulta principalmente da dificuldade de se manter fiel a qualquer identidade por muito tempo, da virtual impossibilidade de achar uma forma de expressão da identidade que tenha boa probabilidade de reconhecimento vitalício, e a resultante necessidade de não adotar nenhuma identidade com excessiva firmeza, a fim de poder abandoná-la de uma hora para a outra, se for preciso. Não é tanto a co-presença de muitas classes que é a fonte de confusão, mas sua fluidez, a notória dificuldade em apontá-las com precisão e defini-las – tudo isso revertendo à central e mais dolorosa das ansiedades: a que se relaciona com a instabilidade da identidade da própria pessoa e a ausência de pontos de referência duradouros, fidedignos e sólidos que contribuíram para tornar a identidade mais estável e segura[2].
A condição volátil da sociedade aniquilou a premissa da filosofia iluminista do uso da razão como meio para estabelecer as bases da convivência harmoniosa da civilização, pois, já não se sabe para onde ir diante das inúmeras incertezas. Boaventura, citado por Erika Pereira Duailibe e Germana Parente Neiva Belchior, faz referência ao suscitado fenômeno como sendo o “des” da pós-modernidade: “[...] contentemo-nos com saber que o pós contém um des – um princípio esvaziador, diluidor. O pós-modernismo desenche, desfaz princípios, regras, valores, práticas, realidades” (destacado). Observa, ainda, o autor que há uma “des-referencialização” do real e uma “des-substancialização” do sujeito[3].
No dizer de Erika Pereira Duailibe e Germana Parente Neiva Belchior, a liquidez de Bauman não está limitado às relações humanas. Ao contrário, percebe-se que esta insegurança e incerteza estão se espalhando por todos os ramos do conhecimento, inclusive o Direito. A crise ambiental se aflora diante das características pós-modernas e da sociedade de risco, na medida em que a racionalidade não há como controlar de forma segura a relação entre homem e meio ambiente. As incertezas científicas e a liquidez dos conceitos penetram diretamente na problemática ecológica, invadindo, inclusive, o próprio conceito de bem ambiental e as bases teóricas do Estado. (g.n.)
A incerteza e a fluidez da sociedade moderna (sociedade de risco) alimentam uma perspectiva desenvolvimentista sem precedente e sem limite ecológico, afrontando diretamente a possibilidade de garantir às gerações presentes e futuras, um meio ambiente sadio.
A liquidez ambiental se traduz na crise ecológica sistêmica. É uma crise sistêmica em razão de que alcança os valores éticos, morais e as regras jurídicas. A volatilidade criou uma cortina de fumaça, fazendo com que o Ser Humano não compreenda o papel e a importância do homem na natureza.
Conclusão
O combate à liquidez ambiental não se reveste de uma tarefa a ser realizada de forma isolada. Trata-se de uma ação que requer um olhar holístico e multidisciplinar. A fluidez científica impõe a rediscussão do conceito de meio ambiente, afastando de forma definitiva a cisão entre Ser Humano, sociedade e meio ambiente.
Os estamentos éticos, morais e jurídicos sobre o meio ambiente precisam ceder espaço para o mundo novo, um mundo que deve crescer à luz da solidariedade, da compaixão e da sustentabilidade. O Estado, para ser Ecológico, deve substituir ou rever as políticas públicas ambientais, alterando o eu individualista pelo nos coletivo, revisão o sistema de crescimento econômico do mercado de capitais pelo mercado ambiental e, não menos importante, educando para uma vida que seja capaz de respeitar o ambiente do planeta terra.
Notas e Referências
[1] HOBSBAUM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX, 1914-1991. Companhia das Letras. 1994.
[2] BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014, p. 155.
[3] Disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/pos-modernidade_e_estado_de_direito_ambiental_desafios_e_perspectivas.pdf. Acesso em 11 de maio de 2018.
Imagem Ilustrativa do Post: Guara...reserva ambiental Caieiras...Joinville--SC...Brasil // Foto de: Gaio Torquato // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/8947107@N05/12030339696
Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/1.0/