A Lei Maria da Penha e os casos de feminicídio

18/09/2021

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), é considerada responsável por ter trazido maior enfoque à assistência à vítima de violência doméstica direcionada ao gênero feminino, principalmente no que se refere a maior conscientização sobre a discriminação da mulher frente ao acesso a sua proteção sob o enfoque jurídico.

Segundo o que prevê a Lei Maria da Penha, considera-se violência contra mulher qualquer forma de agressão física, sexual, psicológica ou moral, praticadas em ambiente doméstico, familiar, ou em qualquer outro lugar, desde que baseada no gênero. A lei foi fruto da organização do movimento feminista no Brasil que desde os anos 1970 denunciava as violências cometidas contra as mulheres (violência contra prisioneiras políticas, violência contra mulheres negras, violência doméstica, etc.)

Estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher na Lei Maria da Penha: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial − Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III, IV e V.

A violência contra a mulher cresceu muito nos últimos anos, a tradição de uma sociedade patriarcal, na qual o homem sempre deve ser o sujeito dominante frente a mulher, veio a longo dos anos fragilizando ainda mais o gênero feminino. Ainda que em 1988 tenha sido criada a lei da igualdade de gênero no Brasil a fim de construir desde então uma sociedade cada vez mais igualitária e justa para todos, a mulher não deixou de sofrer abusos, físicos ou psicológicos. 

Em 7 de agosto de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei Maria da Penha, está lei cria mecanismos que visam a proteção da mulher. No que se refere à introdução da Lei Maria da Penha, podemos ver que a seguir:

[...] Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. (BRASIL, 2006).

Como diz Batista, Oliveira Júnior & Oliveira Musse (2019, p. 63), a violência ocorre a partir do momento que o indivíduo promove uma larga ação envolvendo força física ou abuso de poder sobre um indivíduo ou comunidade, ocasionando danos físicos ou mentais, quando está violência tem como resultado a morte podemos caracterizar como homicídio. Os autores estimam que no ano de 2012, houve um total de 475 mil vítimas de homicídio em todo o mundo, ou seja, 6,7 mil mortes para cada 100 mil habitantes. Em 2015, a cada 9 minutos uma pessoa morria vítima de violência, sendo elas de natureza dolosa, latrocínio e agressões que resultaram em morte, os pesquisadores calculam um total de 58.487 mortes somente neste ano.

Com base nos dados de homicídios supracitados, a mulher suplanta esses números e a partir de então é que podemos chamar de feminicídio quando a violência contra a mulher resultou em morte. Em pleno século XXI é comum vermos nos dias atuais a desigualdade de gênero, oriunda de tempos antigos, atrelados a sociedades patriarcais, que visa o homem como autoridade absoluta. Para Matos (2021, p. 6) “o patriarcado é um sistema de subjugação representado por um conjunto de ideias, de estratégias, de condutas, de regras e de valores que legitima a percepção social de que a mulher é um objeto, confirmando a hierarquia de dominação dos homens sobre as mulheres.” Assim, a lei Maria da Penha vem enfrentando essas fronteiras patriarcais da sociedade, em que muitas vezes o homem usa da sua força para transformar a mulher submissa.

Monitorando a violência contra a mulher nos últimos 35 anos, para Souza et al. (2017, p. 2952) o Brasil registrou um taxa padrão de 5,13 mortes brutais para cada 100 mil mulheres brasileiras. Os dados apontam que na Região Centro-Oeste do Brasil a taxa foi mais elevada apresentando percentual de 7,98 óbitos, posteriormente, “Sudeste com 4,78, Norte com 4,77, Nordeste com 4,05 e Sul com 3,82 óbitos”, vale ressaltar que durante o estudo dos pesquisadores constaram que o uso de arma de fogo foi o mais utilizado, logo depois a arma branca (perfuro cortantes), e estrangulamento. Mesmo com o vigor da Lei Maria da Penha, a mulher ainda persiste em ser um grupo vulnerável.

[...] Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. (BRASIL, 2006).

[...] Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2006).

 

Como a Lei bem respalda o gênero feminino, os dados estatísticos deveriam apresentar-se cada vez mais diminuídos a um ponto de chegar a marca zero, o que vemos é o contrário, os números só aumentam. A citação da Lei anterior assegura que qualquer mulher no Brasil, independente de sua situação financeira, origem racial, grupo étnico pertencente, opção sexual, nível de instrução, etc., deve ser protegida de qualquer tipo de violência, bem como sua garantia a segurança, saúde, alimentação, educação, etc.

De acordo com Matos (2021, p. 43), os dados da pesquisa do autor, apontam que entre 2011 e 2020 houve um total de 1.050 óbitos violência contra mulher no Rio Grande do Norte. O ano de 2017 foi o que mais registrou baixas de mulheres com total de 159 mortes. O pesquisador aponta que as mulheres mais acometidas por esses homicídios “são as jovens, solteiras, negras, com renda e escolaridade baixas”. A lei Maria da Penha estabelece que de acordo com “Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:”.

[...] I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2006).

 

Mesmo com tantos respaldos que a lei assegura o gênero feminino, os dados corroboram o contrário, vemos que a violência física que é proibida pela lei está resultando em uma consequência pior, o feminicídio. Tudo que o artigo 7º da lei Maria da Penha proíbe e ampara a mulher, vem sendo cometido em dados que só aumentam. Temos relatos de agressões físicas e psicológicas, privação de liberdade, estupros, intimidação, danos a moral da mulher, todos esses crimes cometidos pelo sujeito homem, que tem um pensamento antigo da sociedade patriarcal.

Consoante Batista, Oliveira Júnior & Oliveira Musse (2019, p. 65), apontam nos resultados de suas pesquisas que no ano de 2016, o Brasil registrou 4.391 mortes de mulheres. O nordeste se sobressaiu nesse número, marcando 1.435 mil homicídios. A faixa etária das nordestinas que foram violentamente assassinadas foi de 15 a 29 anos e de 30 a 49 anos. Os locais das mortes foram registrados em sua maioria nas ruas e em domicilio. Essa pesquisa também corrobora com os outros achados citados anteriormente, no que diz respeito ao objeto utilizado para cometer o crime, os pesquisadores informam que armas de fogo e armas brancas são mais utilizadas no momento do homicídio.

Os dados aqui discutidos sugerem que mesmo no século 21, onde inúmeras leis foram criadas para garantir a igualdade de todos os brasileiros, a cultura anterior dos tempos atrás tenta predominar, a cultura machista do homem e o autoritarismo do sujeito homem, que se acha possuidor do poder, tem contribuído significativamente para o aumento da violência e está sendo agravada para o feminicídio. Não há como discutir que mulheres munidas de boa escolarização têm mais oportunidades no mercado de trabalho, garantindo sua independência própria, muitos relatos sugerem que maioria das mulheres vítimas de violência vive dependente dos seus parceiros sexuais. A independência financeira da mulher reduz as taxas de violência e feminicídio, pois contribui para seu empoderamento.

Feminicídio é o homicídio contra uma mulher porque ela é mulher. É considerado feminicídio o crime em que estiver envolvida a violência familiar e doméstica; o menosprezo e a discriminação à condição de mulher. Isso porque 35% dos homicídios de mulheres no mundo são cometidos por seus parceiros, segundo a Organização Mundial da Saúde.

A violência contra a mulher reflete questões de ordens cultural, social e religiosa que se manifestam de formas distintas nas diferentes partes do mundo. Enraizada e apoiada no patriarcado, a violência contra a mulher está presente tanto no espaço público quanto na vida privada, dentro de casa, nos espaços de trabalho, em geral imposta por pessoas que a mulher conhece, convive e em quem confia. Caso de parentes, cônjuges, amigos e pessoas com quem ela se relaciona.

A lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do Feminicídio, considera crime hediondo, ou seja, o Estado entende como um crime grave e cruel. A lei tipifica de um crime de discriminação, de preconceito e menosprezo da condição feminina. A Lei prevê que assassinatos cometidos por companheiros ou ex-companheiros da vítima sejam registrados como tal. No entanto, 377 homicídios de mulheres registrados no ano passado nessas condições não foram tipificados como feminicídio, de forma correta, pelas autoridades policiais segundo o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 15 de julho de 2021.

O Estado do Ceará tem a maior taxa de homicídios de mulheres, mas apenas 8% foram registrados como feminicídio, muito abaixo da média nacional, 34,5%. O número de vítimas de feminicídio foi recorde em 2020. Houve 1.350 vítimas, um aumento de quase 1% em relação ao ano anterior. Os dados indicam que 9 em cada 10 mulheres vítimas de feminicídio morreram pela ação do companheiro, do ex-companheiro ou de algum parente.

Entre as vítimas de feminicídio, verifica-se uma distribuição mais igualitária entre as faixas de 18 a 24 anos (16,7%), de 25 a 29 anos (16,5%), 30 a 34 anos (15,2%) e 35 a 39 anos (15,0%), com poucas vítimas entre crianças e adolescentes.

A diferença mais significativa na comparação entre os feminicídios e os demais assassinatos de mulheres se dá em relação à arma utilizada. Enquanto armas de fogo respondem por 64% de todos os demais assassinatos de mulheres, semelhante à média nacional, a maioria dos crimes de feminicídio ocorrem com a utilização de armas brancas como facas, tesouras, canivetes, pedaços de madeira e outros instrumentos (55,1%) utilizados pelo agressor.

São dois tipos de medidas protetivas previstas na lei: as que obrigam o agressor a determinadas condutas e as que visam a proteção da mulher. As medidas protetivas podem ser o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima, a fixação de limite mínimo de distância de que o agressor fica proibido de ultrapassar em relação à vítima e a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, se for o caso.

A medida protetiva é uma ferramenta para proteger mulheres vítimas de violência doméstica, que restringe a aproximação do agressor. O primeiro passo para garantir esse recurso é fazer a denúncia do agressor na polícia. E, em seguida, o juiz tem 48 horas para determinar se a medida protetiva será concedida ou não. O agressor que descumprir as ordens pode pegar de 3 meses a 2 anos de prisão.

A Lei Maria da Penha é uma preservação tanto para a vida da mulher quanto uma prevenção de mortes anunciadas. Contudo esta lei não tem caráter de sanção, mas de proteção. A Lei do Feminicídio alterou tanto o Código Penal como a Lei de Crimes Hediondos o incluindo na sua lista.

O princípio da lei de feminicídio é sem dúvida uma garantia para todas as mulheres e meninas, pois será utilizada quando for praticado crime contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. O princípio da lei de feminicídio é fundamental no campo político, social e jurídico.

Para impedir que a violência contra a mulher prospere, é importante que a escola e o sistema de saúde saibam identificar de forma precoce mulheres e crianças que estejam sendo vítimas de violências e propiciar encaminhamento para apoio e até medidas protetivas contra o agressor, se for o caso.

 

Notas e Referências

BATISTA, Jefferson Felipe Calazans; OLIVEIRA JÚNIOR, José Hunaldo; OLIVEIRA MUSSE, Juliana. FEMINICÍDIO NO NORDESTE BRASILEIRO: O QUE REVELAM OS DADOS DE ACESSO PÚBLICO. Interfaces Científicas-Saúde e Ambiente, v. 7, n. 3, p. 61-74, 2019. Disponível em: https://periodicos.set.edu.br/saude/article/view/6591/pdf. Acessado em 11 de set. 2021.

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