A Lei da Liberdade  

28/10/2018

 

Lei e liberdade são temas fundamentais da Ciência do Direito, porque é através de leis que os sistemas jurídicos impõem limites à ação humana, condicionando a liberdade individual para o bem comum.

Existem teorias que pressupõem a existência de várias espécies de leis, especificando as leis divinas, as leis naturais e as leis humanas, as primeiras tratadas pela Teologia, as segundas pela Física e as últimas pelo Direito, umas independentes ou sem ligação direta ou necessária com as outras.

Contudo, superando a referida divisão entre os ramos científicos citados, Teologia, Física e Direito, para a unificação da Ciência, e do conhecimento, é inafastável um conceito de Lei que se aplique, simultaneamente, às aludidas áreas do saber, e esse conceito está ligado à Lei da Liberdade, citada pelo apóstolo Tiago:

Mas quem olhou atentamente para a lei perfeita, que é a lei da liberdade, e continuou não sendo ouvinte de esquecimento, mas sim praticamente de obra – esse será abençoado na prática. Se alguém parece ser religioso, não refreando a língua, mas enganando o seu coração, fútil é a religião dessa pessoa. A religião pura e impoluta diante de Deus Pai é esta: visitar órfãos e viúvas no seu sofrimento; e guardar-se livre da corrupção do mundo” (Ti 1, 25-27).

A lei perfeita, pois, é a Lei da Liberdade, que une Teologia, Física e Direito, porque afeta à religião pura e impoluta diante de Deus, o comportamento conforme a ela altera beneficamente, especialmente em proveito dos necessitados, a realidade material e psíquica do mundo, e isso ocorre dentro de uma visão normativa da sociedade, que define o que constrói e o que corrompe a vida comunitária, o que promove ou contraria a Vida.

É importante frisar que a Lei da Liberdade decorre da Torá, a Lei de Israel, o povo que recebeu a Revelação do próprio Deus, o Deus Vivo que se manifesta na natureza, e no homem, e que instituiu uma nação segundo essa Lei. Todavia, o povo judeu não aceitou a interpretação viva dessa Lei em Jesus Cristo, o Messias, o Enviado de Deus para conduzir, como bom pastor, Seu povo conforme Sua Lei. O povo cristão, por sua vez, afastou-se da realidade temporal e política de Jesus Cristo como Rei dos Judeus, remetendo o Reino para o além. E o povo islâmico nega o que o próprio Alcorão deixa claro, que é apenas a confirmação da Torá e do Evangelho, que é a mesma mensagem transmitida pelos Profetas de Israel e pelo Evangelho de Cristo, mas em língua árabe. Enfim, a Lei da Liberdade é a Lei do Monoteísmo da Humanidade.

A Lei da Liberdade regula a conduta humana infinita, o movimento da vida eterna, o comportamento que transforma em ato visível o que é perpétuo e invisível. Como afirma Aristóteles, o infinito não existe em potência, porque o primeiro motor, que desencadeia o movimento, é sempre ato:

“a conclusão é que todas as coisas imperecíveis existem em ato. Nem pode qualquer coisa que é, necessariamente, ser potencial. E, não obstante, estas coisas são primárias, porque se não existissem nada existiria” (Aristóteles. Metafísica. Trad. Edson Bini. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2012, p. 242).

A Lei da Liberdade, assim, é a lei para agir até o infinito, e receber os efeitos infinitos das próprias ações, como consequência dessas ações perante o mundo; é encarnar o Logos, que estava no princípio, pelo qual tudo foi feito, convertendo em realidade presente o Espírito, Logos ou Razão, pela exteriorização do Reino de Deus que está em nós.

A verdadeira liberdade está associada, portanto, e contraditoriamente, à escravidão à Lei da Liberdade, ao Senhor, ao Logos, que está no Princípio de tudo, inclusive fisicamente, como a Física ao procurar a Lei por trás da criação, ou Big Bang, e que ainda rege o Cosmos. Porque, como demonstrado por Hegel, aquele que se pretende senhor de algo torna-se dependente da coisa ou do outro, que condiciona sua independência à dependência da coisa ou ao reconhecimento do outro, o que o faz escravo da coisa e do outro.

“A verdade da consciência independente é por conseguinte a consciência escrava. Sem dúvida, esta aparece de início fora de si, e não como a verdade da consciência-de-si. Mas, como a dominação mostrava ser em sua essência o inverso do que pretendia ser, assim também a escravidão, ao realizar-se cabalmente, vai tornar-se, de fato, o contrário do que é imediatamente; entrará em si como consciência recalcada sobre si mesma e se converterá em verdadeira independência” (Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, pp. 148-149).

Liberdade existe, portanto, quando a autonomia e a heteronomia se fundem na holonomia, quando a lei que está fora é incorporada como a lei interna, e compreendida como a lei do todo, porque o todo é sempre maior do que as partes, e por isso só há liberdade na holonomia.

Até mesmo fisicamente é impossível dominar o mundo em suas partes, porque a tentativa de controlar a realidade nos torna dependente de um movimento eterno que sempre nos escapa, porque o infinito não pode ser contido pelo finito. Quando tentamos dominar o mundo quântico, por exemplo, medindo-o, perdemos a possibilidade quântica infinita, e ficamos limitados e dependentes de uma incerta realidade parcial, relacionada ao que se chama colapso da função de onda, realidade essa que é regida pelo princípio da incerteza. O controle material do mundo nos torna escravos de um descontrole da realidade. A Lei da Liberdade portanto, não é material e parcial, só pode ser espiritual e total.

Ser livre, assim, é servir a Lei da Liberdade, do Espírito, e a Lei da Liberdade é também a Lei da Responsabilidade, da responsabilidade pela unidade cósmica, pelo Logos, pela Razão, e da responsabilidade pelo outro, pelo que a Lei da Liberdade é também a Lei do Amor, e da Misericórdia.

Cumprir a Lei da Liberdade significa interromper os efeitos negativos da ação alheia, não reagindo segundo a carne, mas pelo Espírito, dando amor, dando a outra face, perdão e misericórdia, como nos mostrou aquele que perfeitamente cumpriu a Lei, Jesus Cristo.

Falai, pois, e agi como os que hão de ser julgados pela Lei da liberdade, porque o julgamento será sem misericórdia para aquele que não pratica a misericórdia. A misericórdia, porém desdenha o julgamento” (Ti 2, 12-13).

Para que o perdão e a misericórdia sejam efetivos, contudo, é mister que o beneficiado por eles reconheça o erro e mude de comportamento, é necessário que tenha havido o arrependimento, porque sem o arrependimento, sem a mudança de mentalidade ou metanoia, para viver segundo o Espírito, o perdão e a misericórdia logo perdem seus efeitos.

Deus é Espírito (Jo 4, 24), e Deus é Amor (1Jo 4, 8), e por isso amar é encarnar Deus, é cumprir a Lei, tornando-se a própria Lei, segundo o Espírito. “O amor não pratica o mal contra o próximo. Portanto, o amor é a plenitude da Lei” (Rm 13, 10).

Porque é amor que eu quero e não sacrifício, conhecimento de Deus mais do que holocaustos” (Os 6, 6).

Ainda assim, porque ainda não nos reconciliamos com Deus, somos corrigidos por Ele, para que nos arrependamos e, então, possamos praticar a Lei com perfeição, porque Deus corrige a quem ama, para que o amado possa ser perfeito, como Deus, tornando-se sua imagem e semelhança.

“Meu filho, não desprezes a disciplina de Iahweh, nem te canses com a sua exortação; porque Iahweh repreende os que ele ama, como um pai ao filho preferido” (Pr 3, 11-12).

“Vós esquecestes a exortação que vos foi dirigida como a filhos: Meu filho, não desprezes a educação do Senhor, não desanimes quando ele te corrige; pois o Senhor educa a quem ama, e castiga todo filho que acolhe” (Hb 12, 5-6).

Portanto, aceitar a realidade, com humildade, reconhecer a necessidade da educação e da repreensão, quando estamos em erro, pela autêntica “Autoridade” (http://emporiododireito.com.br/leitura/autoridade) para que haja o arrependimento, também é cumprir a Lei da Liberdade, porque “disciplina é liberdade” (Renato Russo).

 

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