A LEI DA ALIENAÇÃO PARENTAL APÓS 11 ANOS DE SUA VIGÊNCIA: A LEI N. 12.318/2010 DEVE SER MANTIDA, APERFEIÇOADA OU REVOGADA?  

21/12/2021

Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Moreno, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Josiane Petry Veronese

O Brasil vive atualmente um grande empasse não só legislativo, mas jurídico, doutrinário e ideológico, qual seja: a manutenção, aperfeiçoamento ou revogação da Lei n. 12.318/10, mais conhecida como a Lei da Alienação Parental.

De um lado há grupos fortes defendendo a sua manutenção ou até considerando a sua modificação haja vista terem se passados 11 anos desde a sua vigência, enquanto do outro lado, há grupos, em sua maioria mães, que defendem a total revogação da lei através de Projetos de Lei e Ação Direita de Inconstitucionalidade ao STF.

Contudo, antes de adentramos nas divergências existentes, é de suma importância versar sobre o fenômeno Alienação Parental e a Síndrome da Alienação Parental - SAP.

O artigo 2º da Lei nº 12.318/2010 define como ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com o par-parental alienado e/ou sua família extensiva.

O artigo supramencionado versa, em 07 (sete) incisos meramente exemplificativos, quais seriam os atos de alienação parental:

Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Parágrafo único.  São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros: 

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

Acredita-se que por trás de um processo de Alienação Parental sempre há́ traços de marcas e problemas afetivos que decorrem de um processo de história da vida do alienador ou a insatisfação da ruptura do relacionamento e os filhos tornam-se instrumentos para a vingança amorosa. Este tipo de comportamento faz com que, por exemplo, uma Guarda Unilateral seja revertida em Compartilhada, ou ainda, em casos de inviabilidade de Guarda Compartilhada, a criança ou adolescente fica com o genitor que não atrapalhar a convivência familiar do filho (a), com a cautelar fixação do domicílio da criança ou adolescente, além de outras medidas punitivas nos termos do art. 6º, e art. 7º, da Lei no 12.318/2010 – Alienação Parental.

É cediço que a Lei n. 12.318/2010 – Lei da Alienação Parental, veio após um longo caminho que começou pelo Pátrio Poder, onde sempre o homem seria responsável pelos filhos, principalmente em caso de separação e divórcios, passando pela Doutrina da Tenra Infância, no sentido da mãe, como mulher, deveria ficar sempre com os filhos pequenos, até que se percebeu que o Melhor Interesse da Criança deveria prevalecer (noção de guarda compartilhada, afeto e convivência familiar), chegando em 1980 as observações do psiquiatra americano Richard Gardner sobre atos de alienação parental e a “Síndrome da Alienação Parental - SAP”.

Sabe-se ainda que a Alienação Parental tem como natureza jurídica não só de abuso moral, mas também violência psicológica, conforme prevê o art. 3º da Lei n. 12.318/10 e Art. 4º, inciso II, alínea “b” da Lei n. 13.431/17, respectivamente, com o claro intuito prejudicar os laços de afeto, respeito e amor que existem entre os genitores e filhos (as).

Entretanto, para detectar atos de Alienação Parental, é necessário que o Magistrado determine um estudo psicossocial e/ou psicológico, com profissionais devidamente habilitados na matéria, nos termos do art. 5º, caput e § 2º da Lei 12.318/10.

Já a SAP foi ventilada pela primeira vez pelo psiquiatra americano Richard A. Gardner, especialista em realizar perícias em crianças abusadas sexualmente, além de ser professor clínico de psiquiatria infantil da Universidade de Colúmbia, em meados de 1985, ao observar o aumento de distúrbios psicológicos em crianças e adolescentes que possuíam pais em alto grau de litígio no decorrer do processo de divórcio, descrevendo assim a “Síndrome de Alienação Parental”[1].

“Embora essa síndrome certamente existisse no passado, a frequência com que está ocorrendo, faz jus a um nome especial. O termo que prefiro usar é Síndrome de Alienação Parental. Introduzi este termo para me referir a uma perturbação em que as crianças são obcecadas com a depreciação e crítica injustificada em relação a um dos pais.”

Entretanto, Gardner (1998, 2006) já verificava que a SAP seria usada de forma errônea, tendo inclusive previsto que muitos advogados usariam o seu conceito para defender pedófilos.

Versou ao final (1998)[2], que a prática de AP poderia anteceder ou sobrepor algum tipo de violência por parte do genitor supostamente alienado.

Em meio a toda essa temática, no ano de 2018, políticos apresentaram diversos projetos de lei de revogação e alteração da Lei n. 12.318/10, são eles: PL n. 6.371/2019, 6.008/2019, 10.712/2018 e 10.182/2018, na Câmara dos Deputados, e 498/2018, no Senado, representando o movimento feminista de mães e de entidades que atuam em face do contexto de violência contra a criança e a mulher.

Havia ainda no Supremo Tribunal Federal – STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 6.273, recentemente julgada pela Ministra Relatora Rosa Weber, onde não conheceu da ADI, fundamentando que havia ilegitimidade ad causam da Associação de Advogadas Pela Igualdade de Gênero (AAIG) para requerer a inconstitucionalidade de Lei da Alienação Parental[3].

No último dia 16.12.2021, foi aprovada na Câmara dos Deputados um PL que prevê mudanças significativas na Lei da AP, no sentido da legislação não ser aplicada em favor do genitor investigado em casos de violência doméstica, a exemplo, de não haver mudança de guarda em favor deste.[4]

Ressalta-se que, dos Projetos de Lei supramencionados, o PL n. 498/2018, de autoria da CPI dos Maus Tratos – 2017, sob a fundamentação de que a Lei 12.318/10 tem propiciado o desvirtuamento do propósito protetivo da criança ou adolescente, submetendo-os a abusadores, tomou força e continua em discussão. Contudo, em 2020, durante a votação na Comissão de Direitos Humanos, a senadora Leila Barros (PSB-DF) – Relatora do PL n. 498/2018, defendeu correções na Lei de Alienação Parental. [5]

Para a senadora Leila Barros “em vez de revogar a Lei de Alienação Parental na sua totalidade, propus identificar e corrigir as brechas que possibilitam o mau uso das medidas nela previstas. Também sugeri alterar e aumentar as responsabilidades dos magistrados em todas as fases do processo.”

Neste ínterim, há 02 (dois) posicionamentos totalmente divergentes, o de defesa, sustentado por operadores do direito, psicólogos e psiquiatras, além de grupos de defesas de pais alienados, onde pugnam pela continuidade da lei, ventilando até mesmo o aperfeiçoamento, enquanto do outro lado temos grupos de mães e mulheres que combatem de forma radical a lei e pedem pela sua revogação imediata.

O primeiro grupo, que tem como forte aliado o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, defende que a Lei 12.318/10 – AP – veio como uma forma de coibir os abusos morais e violência psicológica que há muitos anos atingem crianças e adolescentes que estão no meio do litígio dos pais e suas famílias extensivas.

Este grupo lembra que a AP é um evoluído desdobramento e acompanhamento da Constituição Federal de 1988, dando proteção a crianças e adolescentes em estado de vulnerabilidade.

O IBDFAM em maio de 2021, enviou uma nota técnica para os parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado Federal defendendo a manutenção da Lei 12.318/10, além de lançar uma campanha nas redes sociais com o slogan “Eu apoio a Lei de Alienação Parental. MUDAR SIM, REVOGAR NÃO”.

Na referida nota técnica, o Instituto afirma que a “revogação representaria afronta aos princípios da proibição do retrocesso social e da vedação de proteção deficiente de bens jurídicos tutelados”.[6] Ademais, se acredita que as referidas alterações na Lei de Alienação Parental devem ser discutidas por toda sociedade civil, com a realização de audiências públicas, sob pena de enfraquecimento do sistema protetivo da criança e do adolescente.

Os apoiadores da manutenção e/ou modificação da Lei da Alienação Parental acreditam também que a norma caminha para a equidade de gênero, pois garante equilíbrio entre os pais na convivência e decisões relativos aos filhos (as).

Já o movimento que defende a revogação da Lei da Alienação Parental versa que a lei é aplicada de forma errônea, possibilitando a exposição de crianças e adolescentes à violência sexual.

Defendem ainda que não há comprovação da existência do fenômeno AP, pois entendem que o termo foi criado para ser usado dentro do judiciário, sendo este um construto artificial, que não pode ser observada da forma que o criador descreveu.

A crítica mais dura envolve a SAP, já que versam sobre a inexistência da comprovação da doença por pesquisas científicas médicas reiteradas, e, tampouco, registrado em manuais de saúde mental, apesar do termo AP ter sido incluído, pelo PASG – grupo de especialistas mundiais, no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e no Manual de Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), onde a OMS disponibilizou a nova versão digital do CID-11, que entrará em vigor a partir de 1º de Janeiro de 2022, colocando a AP no diagnóstico QE52.0.[7]

Alega-se ainda que a Lei desacredita na palavra da criança e/ou adolescente que são abusados sexualmente, tornando assim, invisível outras formas de violência infantil. Essa alegação é baseada na crença, iniciada na década de 1980, de que criança não mente quando relatam abusos sexuais.

Atrelado a isso, diversos grupos sustentam que filhos não forjam relatos de violência, e que as mães jamais utilizam seus filhos amados como objeto de vingança contra o genitor e/ou sua família extensiva.

Por fim, o referido movimento contra a Lei da AP, levanta a bandeira que é uma lei misógina e discriminatória, pois é utilizada, em sua maioria, por homens e acatadas pelos Magistrados sem analisar a fundo o caso concreto, deixando de adotar medidas cautelares às crianças quando surgem suspeitas de abuso sexual, além do seu conceito levar a vitimização de mulheres e filhos (as), bastando a alegação de atos de alienação parental para que estas perdessem a guarda dos filhos (as) para homens violentos ou economicamente favorecidos.

Assim, se conclui que apesar do fenômeno Alienação Parental existir há décadas, sendo codificada e nominada em meados da década de 1985 juntamente com a Síndrome da Alienação Parental pelo psiquiatra americano Richard A. Gardner, ainda é um grande tabu social que gera controvérsias em todos os campos, seja o legislativo, psicológico, judicial e/ou pessoal.

É perceptível ainda que, mesmo o Brasil sendo um dos países pioneiros em transformar a Alienação Parental em lei a fim de prevenir e coibir as pessoas alienadoras dos abusos morais e violência psicológica em desfavor de crianças e adolescentes, as usando como objeto de troca ou como meio de atingir o genitor alienado, este fenômeno ainda é usualmente utilizado pela nossa população brasileira, que muito ocorre devido ao machismo estrutural existente em nossa sociedade, onde grande parte das mulheres são criadas achando que o dever e obrigação de cuidar dos seus filhos (as) são única e exclusivamente delas, e os pais e/ou sua família extensiva não devem participar dessa educação.

Atrelado a esse grande percentual de mães, há pais, avós, tios e demais familiares que acreditam que a ex-companheira/cônjuge não pode recomeçar após o fim de um relacionamento, criando assim “falsas memórias” em suas crianças, como claro intuito de afastar mães dos filhos (as) e cortar em definitivo o vínculo de amor, afeto e carinho, criando assim crianças e jovens psicologicamente abalados por toda a sua vida adulta.

Analisando todo esse imbróglio civil, que ultrapassa os muros do judiciário, chegando a ser questão de saúde mental, é imperioso destacar que, se hoje existem grupos que de um lado defendem a continuidade e/ou modificação da Lei n. 12.318/10 por acharem que sua revogação é um total retrocesso aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, enquanto há do outro lado grupos, em sua maioria de mães, que levantam a bandeira da revogação da lei de forma urgente e definitiva, chegando a programar vigílias virtuais, versando que é uma lei machista, misógina e que injustamente tira filhos das mães para entregá-las a homens violentos ou com alto poder aquisitivo, talvez seja a hora reformular a Lei da Alienação Parental para que esta se torne mais abrangente e justa.

Há também a gritante necessidade de atualizar e capacitar todos os atores que trabalham com o direito das famílias em nossa sociedade brasileira, pois ler a lei ou alguns artigos é fácil, porém, é extremamente difícil detectar atos de alienação parental e conseguir explicar ao alienador o quanto sua atitude é prejudicial a criança ou adolescente vítima desse fenômeno, além de ser difícil a volta da comunicação e laços da criança com o outro genitor ou familiar extensivo alienado.

Porém, enquanto essas controvérsias não forem sanadas e a discussão se a Lei será modificada ou revogada existir, crianças e adolescentes brasileiras continuarão a sofrer diariamente os drásticos efeitos da AP, famílias continuarão sendo destruídas e os operadores do direito e da psicologia e psiquiatria continuarão nesse cabo de guerra.

E para você, a lei deve ser mantida, modificada ou revogada?

 

Notas e Referências:

BRASIL. Lei nº. 12.318 de 2010. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm<. Acessado em 16.12.2021.

BROCKHAUSEN, TAMARA. Disponível em < file:///C:/Users/Veronica%20Pacheco/Documents/ALIENACAO%20PARENTAL/ArtigoAutorizado.pdf. < Acessado em 16.12.2021.

GARDNER, R.; SAUBER, S. R.; LORANDOS, D.  The international handbook of Parental Alienation Syndrome. Springfield, Illinois, U.S.A. Charles C. Thomas Publisher, Ltd., 2006.

ACÓRDÃO STJ. Disponível em < file:///C:/Users/Veronica%20Pacheco/Documents/ALIENACAO%20PARENTAL/5459532.pdf < Acessado em 16.12.2021

MATÉRIA. Leila Barros propõe identificar e corrigir brechas da Lei da Alienação Parental — Senado Notícias. Disponível em < https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/02/20/leila-barros-propoe-identificar-e-corrigir-brechas-da-lei-da-alienacao-parental < Acessado em 16.12.2021.

NOTA TÉCNICA IBDFAM. Disponível em < https://ibdfam.org.br/noticias/8528/IBDFAM+envia+nota+t%C3%A9cnica+ao+Congresso+Nacional+em+defesa+da+manuten%C3%A7%C3%A3o+e+aperfei%C3%A7oamento+da+Lei+de+Aliena%C3%A7%C3%A3o+Parental.< Acessado em 16.12.2021.

MATÉRIA. Câmara aprova mudanças na Lei de Alienação Parental para não favorecer genitor investigado por violência doméstica. Disponível em <  https://g1.globo.com/google/amp/politica/noticia/2021/12/16/camara-aprova-mudancas-na-lei-de-alienacao-parental-para-nao-favorecer-genitor-investigado-por-violencia-domestica.ghtml. < Acessado em 17.12.2021

[AP] Alienação Parental.

[SAP] Síndrome da Alienação Parental.

[PL] Projeto de Lei.

[QE52.0] “Problema de relacionamento entre cuidador-criança, associada a perturbações significativas no funcionamento”.

[1] GARDNER, R.; SAUBER, S. R.; LORANDOS, D.  The international handbook of Parental Alienation Syndrome. Springfield, Illinois, U.S.A. Charles C. Thomas Publisher, Ltd., 2006.

[2] ArtigoAutorizado.pdf. Acessado em 16.12.2021

[3] 5459532.pdf. Acessado em 16.12.2021

[4] https://g1.globo.com/google/amp/politica/noticia/2021/12/16/camara-aprova-mudancas-na-lei-de-alienacao-parental-para-nao-favorecer-genitor-investigado-por-violencia-domestica.ghtml. Acessado em 17.12.2021

[5] Leila Barros propõe identificar e corrigir brechas da Lei da Alienação Parental — Senado Notícias  — Senado Notícias. Acessado em 16.12.2021

[6] https://ibdfam.org.br/noticias/8528/IBDFAM+envia+nota+t%C3%A9cnica+ao+Congresso+Nacional+em+defesa+da+manuten%C3%A7%C3%A3o+e+aperfei%C3%A7oamento+da+Lei+de+Aliena%C3%A7%C3%A3o+Parental. Acessado em 16.12.2021.

[7] QE52.0 “Problema de relacionamento entre cuidador-criança, associada a perturbações significativas no funcionamento”.

 

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